Introduçâo
O objetivo deste estudo é avallar se o Poder Legislativo detém influencia sobre a política externa, tendo como base o envolvimento do Congresso Nacional do Chile no processo decisorio da política comercial durante a década de 1990. O senso comum indica que temas relacionados à política exterior estäo restritos ao Poder Executivo. Essa percepçâo aumenta quando diz respeito aos países latino-americanos, já que aregiäo ficou estigmatizada pelo recente passado autoritàrio e pelo presidencialismo forte, que emergiu das cartas constitutionals democráticas das últimas décadas. No entanto, mesmo analisando um país considerado por grande parte da literatura institucionalista um caso extremo na América Latina, no que diz respeito aos poderes presidenciais (CAREY; SHUGART, 1992; VALENZUELA, 1998; MAINWARING; SHUGART, 1997a; 1997b; SIAVELIS, 2000), o resultado da pesquisa aponía para outra direçào: o Legislativo é um importante ator político no processo de formulacäo da política comercial chilena.
O ponto de partida para a investigaçào é o debate travado na literatura de Relaçôes Internacionais a respeito dos determinantes políticos da política externa. Ele esteve invariavelmente marcado pelo predominio da visäo realista, fato que contribuiu para marginalizar enfoques que conferiam maior atençào a variáveis domésticas, pois o realismo está amparado em premissas que dificultam esse tipo de abordagem (GERNER, 1995; HILL; LIGHT, 1985; SMITH, 1986). De forma objetiva, e incorrendo no risco da simplificaçào, pode-se dizer que tais premissas säo: a centralidade do Estado, a ênfase nas relaçôes de poder e a percepçâo de que a anarquía é urna característica inerente à esfera internacional (MORGENTHAU, 1951; KENNAN, 1984; WALTZ, 1996). Desde o final da década de 1980, no entanto, há um maior numero de trabamos que utilizam variáveis domésticas para explicar a atuaçào dos Estados no cenário internacional, dialogando com realistas clássicos, neo-realistas e neoliberais.
A partir do marco teórico apresentado pelos internacionalistas institucionalistas (PUTNAM, 1988; MILNER, 1997; MARTIN, 2000) e a par das constataçôes feitas por novos estudos legislativos sobre a América Latina - mais especificamente sobre o Chile -, que procurant questionar o estereotipo do Legislativo como instituiçâo marginal no processo decisorio, apresentando argumentos consistentes de que, apesar de o Executivo deter ampios poderes constitucionais, o Legislativo tem, progressivamente, aumentado sua capacidade de influenciar o processo decisorio de políticas públicas, foi possível formular hipóteses teóricas para o presente estudo.
Acredita-se que a contribuiçào deste traballio é válida näo só para o caso chileno, mas para estimular novos estudos sobre outros países da regiào, pois está calcado em questionamentos relegados por boa parte das análises a respeito de integraçâo regional e de política externa latino-americana: qual o grau de complexidade da tomada de decisôes de política externa, sob a ótica doméstica? O Legislativo pode ser considerado um ator político em materia de política externa ou está alijado do processo decisorio?
O artigo está organizado da seguinte forma: a primeira parte traz urna breve apresentaçào da abordagem teórica e discute as relaçôes entre o Executivo e o Legislativo no Chile. Em seguida, apresenta as hipóteses que seräo testadas na parte final. Na segunda parte, sao expostos os dispositivos constitucionais que regulam a açào do Executivo e do Legislativo no processo decisorio da política comercial. Por firn, as hipóteses desenvolvidas na primeira parte sao testadas diante de estudo de caso que envolve a participaçào do Congresso Nacional do Chile na implementaçào dos Acordos de Complementaçào Económica ( ACEs) e no processo de abertura unilateral da economia - reduçao tarifaria - durante a década de 1990.
E importante ressaltar que sao realmente bastante escassos os trabalhos que buscam avahar a influencia parlamentar em materia de política externa - e política comercial. Conforme se constatou, näo há estudos específicos. No que diz respeito à literatura sobre política comercial, na maior parte dos casos, näo há mençao ao papel exercido pelo Poder Legislativo. Nos poucos estudos que mencionam e tratam do tema, quase sempre é conferida à instituiçao a funçao de mero espectador do processo decisòrio.
1. A Metàfora do Jogo de Dois Níveis e o Poder Legislativo
Em Diplomacy and domestic politics: the logic of two-level games, Robert D. Putnam (1988) busca explicar a cooperaçào entre os Estados levando em consideraçao tanto o nivel doméstico quanto o internacional. Assim, em sua concepçào, o modelo de análise para compreender a dinámica entre a diplomacia e a política doméstica é o jogo de dois níveis. No nacional (Nivel ?), estäo os grupos de interesse, partidos políticos, burócratas etc., que pressionam negociadores e buscam construir coalizôes para impor suas preferencias; enquanto no internacional (Nivel I), encontram-se os governos nacionais, que buscam atender, dentro do possível, as demandas internas perante outros governos. No Nivel I, portante, há a negociaçào do acordo, enquanto o Nivel ? é a esfera que vai avallar se o acordo pode ser aceito ou näo.
Durante o processo de ratificaçào empreendido no Nivel ?, a lógica que prevalece é a de que só se pode acolher ou vetar por inteiro o acordo alcançado no Nivel I, urna vez que emendas acarretariam na reabertura das negociaçôes no Nivel I. Em face dessas condiçôes, torna-se fundamental a determinacäo da estrutura de ganhos domésticos win-set) dos atores do Nivel II no processo de interaçào dos dois níveis, já que tal estrutura ditará as condiçôes das negociaçôes no contexto externo. A determinacäo do win-set no modelo do jogo de dois níveis é, pois, essential, e vai depender da dinàmica de très variáveis domésticas que Putnam (1988) apresenta: preferencias e coalizôes; instituiçôes; e a estrategia do negociador. Vale ressaltar que, para além da apresentaçào da causalidade doméstica para explicar a política externa dos Estados, a novidade apresentada pelo autor diz respeito à relevancia da ratificaçào das obrigaçôes contraídas no exterior no plano doméstico.
Urna série de estudos recentes utiliza a metáfora dos jogos de dois níveis para se pensar o peso de fatores domésticos sobre a cooperaçào internacional. Dentre eles, destaca-se o traballio de Lisa Martin (2000), Democratic commitments - legislatures and international cooperation, cujo principal objetivo é explicar os compromissos internacionais dos Estados por meio de determinantes políticos domésticos, no caso, a atuaçào do Poder Legislativo. Procura-se, assim, responder a duas questôes: primeiro, os Legislativos nacionais influenciam o processo decisorio da política externa? Ou seja, as preferencias dos legisladores sao levadas em conta? Em segundo lugar, caso influencien!, quais as conseqüencias? (MARTIN, 2000, p. 13).
Com base em elementos da literatura sobre organizaçào legislativa, interaçâo entre Executivo e Legislativo, e credible commitment, Martin estrutura um modelo de análise que resulta ñas seguintes conclusöes. O grau de influencia do Legislativo nos processus de cooperaçào internacional excede à percepçào comum - tal influencia é mais profunda e sutil. O Legislativo pode delegar poderes ao Executivo para este negociar com outros países, mas permanece com capacidade para interferir no processo. Sobre as conseqüencias, o principal resultado da interaçâo institucionalizada dos Legislativos é um maior comprometimento do país com os compromissos assumidos no exterior, apontando para padrôes mais estáveis de cooperaçào internacional.
Para a compreensäo da abordagem de Martin, um ponto é essential: a compreensäo da leí de antecipaçào das preferencias. Pressupondo que a partir do momento em que o Executivo reconheça que a instituiçào legislativa é um ponto de veto importante no processo, será compendo a considerar suas preferencias, pois, caso contrario, poderá ter suas propostas vetadas. Conforme Cox e Morgenstern (2002, p. 447), isso implica que a atuaçào do Legislativo no processo politico näo requer urna posiçào pró-ativa; eia pode decorrer da habilidade da instituiçào de exercer seu poder de veto de forma eficiente. A conclusäo derivada distinçâo entre "influencia" e "participaçâo" (activity). Segundo Martin (2000, p. 7),
Influencia e participaçâo näo säo idénticas, nem possuem necessariamente um alto grau de correlacäo. Os atores que detêm mais poderes, sendo aqueles que exercem mais influencia sobre o resultado do processo, talvez sejam aqueles que precisem praticar menos açôes.4
Nesse sentido, para se avaliar a influencia de determinado ator político no processo decisorio, o mais adequado é se ater mais aos resultados do que no processo em si.
Além do mais, no que diz respeito à política externa, a relaçào entre Executivo e Legislativo ocorre em um contexto de delegaçào, em que o Legislativo é o mandante (principal) e o Executivo o agente. A partir do momento em que se reconhecem os poderes do mandante, deve-se, necessariamente, discutir a lógica da delegaçào e as formas por meio das quais o principal é capaz de controlar o agente. Nesse sentido, Martin (2000) vai buscar subsidios para tentar entender a lógica da delegaçào no ámbito da política externa em urna literatura que se baseia, sobretudo, em estudos que dizem respeito ao controle legislativo sobre agencias executivas.
De acordo com um dos expoentes dessa literatura: "A delegaçào ocorre quando urna pessoa ou grupo, o principal, seleciona urna outra pessoa ou grupo para agir a seu favor." (MCCUBBINS, 1999, p. 150). Os motivos para se delegar poderes sao, geralmente, calcados na busca de eficiencia. Quando o agente pode f azer a taref a do principal de forma mais eficiente, existem incentivos para a delegaçào. Mas há urna série de problemas (delegation dilemma) que podem advir dessa relaçào, sendo o caso extremo a situaçào na quai a delegaçào se transforma em abdicaçào, dada a total perda de controle do principal sobre o agente.
A delegaçao de poderes do Legislativo para o Executivo, no entanto, nao implica necessariamente abdicaçâo - como muitos afirmam -, pois, apesar da delegaçao, o Legislativo ainda pode deter meios para monitorar a atividade do agente. A delegaçao so irá se converter em abdicaçâo quando esses meios näo forem suficientemente eficientes para fazer prevalecer os interesses do principal (MCCUBBINS; SCHWARTZ, 1984; MCCUBBINS, 1999; MCCUBBINS; LUPIA, 2000).
Assim, a análise dos meios pelos quais o Congresso pode agir como um importante ponto de veto, e, portanto, manter um controle sobre a delegaçao de poderes em materia de política externa, é de extrema importancia. As formas de atuaçào säo variadas. A Casa Legislativa pode atuar, primeiro, durante o processo de aprovaçâo do acordo in- ternacional, quando, geralmente, é facultado à instituiçâo ratificar o documento - atuaçào ex post. Mas pode também interferir em fases secundarias, quando forem demandadas mudanças na legislaçào do- méstica ou em destinaçào orcamentária específica (power of the pur- se) - fase de implementaçào. Urna segunda forma de atuaçào pode ser estabelecida por meio de mecanismos de monitoramento con- gressuais (congressional oversight), denominados pela literatura de police patrol e áe fire alarms.
No estudo, Martin (2000) apresenta proposiçoes, que säo transfor- madas em hipóteses e testadas em estudos de caso. Para os fins deste artigo, a atençâo recai sobre a primeira, que diz respeito à influencia do Legislativo sobre a política externa, informando que a delegaçao de poderes pode ser um mecanismo de influencia. O passo inicial para a formulaçâo está na compreensäo de que, apesar de o Legislati- vo conceder à política externa a mesma preocupaçào que concede as demais políticas públicas, a forma de se lidar com eia é diferente, pois o Executivo está mais apto para tal atividade. A maneira pela qual o Legislativo pode influenciar o processo, de forma mais efici- ente, é trabalhando com o Executivo, por meio da delegaçao de pode- res. Portanto, a delegaçâo näo pode ser entendida como urna abdicacao. Com base nessa primeira proposiçào, objetiva-se entender a variaçâo nos padrôes de delegaçâo, ou, mais especificamente, dos incentivos da delegaçâo (MARTIN, 2000, p. 32). Espera-se que o Legislativo transfira mais poder ao Executivo quando aquele acreditar que o agente estará apto a defender suas preferencias.
Martin formaliza a primeira proposiçào em duas hipóteses: a primeira é a hipótese da delegaçâo, que busca explicar em que momento e por que razäo o Legislativo irá reclamar maior participaçâo na política externa, informando que, caso haja confuto de intéresses entre os Poderes Executivo e Legislativo, os parlamentares buscaräo institucionalizar a participaçâo. A hipótese nula, neste caso, é a da abdicacao, que informa que, ao delegar poderes, a instituiçào abre mäo da possibilidade de influir no processo político em questäo. A segunda é a hipótese da influencia, que estipula que o Executivo näo tem capacidade para interferir nos arranjos institucionais de modo a diminuir a influencia do Legislativo, sendo a hipótese alternativa a da evasäo.
As hipóteses formuladas por Martin (2000), portanto, serviräo de base para o presente estudo. No entanto, como foram formuladas para urna realidade política distinta da latino-americana, ao final desta primeira parte, desenvolve-se um argumento para se tentar adaptá-las ao caso chileno.
1.1 Legislativo no Chile
O debate académico acerca da relaçào entre o Executivo e o Legislativo na América Latina iniciou-se marcado pela visäo crítica daqueles que percebiam urna primazia absoluta do primeiro sobre o segundo (LINZ, 1994; O'DONNELL, 1992; 1993; VALENZUELA, 1998), colocando em risco o pròprio processo de redemocratizaçào em curso na regiäo. Urna segunda geraçào de estudos apresentou urna realidade mais complexa: urna variedade de presidencialismos (LANZARO, 2001; MAINWARING; SHUGART, 1993; 1997a; JONES, 1995; CAREY; SHUGART, 1992). Nos últimos anos, trabalhos mais recentes, já näo täo marcados pela relaçào entre sistema de governo e sobrevivencia democrática ou governabilidade, e dando mais atençào ao efetivo papel cumplido pelo Poder Legislativo nos países latino-americanos no processo decisorio, trazem apontamentos semelhantes, no sentido de negar a homogeneidade para as análises sobre os Parlamentos latino-americanos, marcados pela alcunha de instituiçôes margináis, quase sempre à sombra do Executivo, no qual o interesse provinciano e disputas políticas menores prevalecem (MORGENSTERN, 2002a; 2002b; COX; MORGENSTERN, 2002; SAIEGH, 2005; STEIN et al., 2006).
Assim, ao lado da variedade de "presidencialismos", apontam urna "variedade de Legislativos", que tendem a ter comportamentos diferentes em razäo da diversidade dos poderes constitutionals dos presidentes, dos sistemas partidarios e da organizaçâo legislativa. Voltando-se ao caso chileno, ao longo da historia política do país, o Congresso Nacional foi considerado umainstituiçâo centrale a arena política mais relevante durante o século XX (COLLIER; SATER, 1998; HUNEEUS; BERRÍOS, 2003; NOLTE, 2003). Entre os anos de 1 89 1 e 1 924, na vigencia do parlamentarismo, foi órgao decisorio máximo, além de ter funcionado, ininterruptamente, por mais de 1 20 anos, um dado surpreendente para o contexto político latino-americano. Após o período autoritario, com a restauracäo da democracia por meio da transiçao negociada, mas com a manutençào da Constituiçâo de 1980 e com a adesäo a regras eleitorais impostas pelos militares (NA VIA; HEISS, 2003), a percepçào sobre o Congresso modificou-se radicalmente. A principal razâo foi o estabelecimento de um Poder Executivo forte, com urna série de prerrogativas constitutionals que lhe garantiam vantagens no processo legislativo e o qualificam como o clàssico agenda-setter (CAREY; BALDEZ, 2001; ALEMÁN, 2003; TSEBELIS; ALEMÁN, 2005; ANINAT; LONDREGAN, 2006). Entre as prerrogativas consti tucionais, estäo poderes de iniciativa exclusiva da Presidencia, decreto de urgencia e poderes de veto, que seguem o padräo institucional estabelecido pelas principáis democracias da regiäo.
Diante desse cenário, grande parte da literatura anunciava a fragilidade e os perigos desses arranjos insti tucionais (VALENZUELA, 1998). Outros indicavam que o Chile seria o país com maior tendencia de instabilidade de regime (CAREY; SHUGART, 1992, p. 150-166), pois, como se supunha que o presidente detinha poderes partidarios muito fracos, com o passar dos anos, a tendencia seria que o Executivo usasse com muito mais freqiiência seus poderes constitutionals (MAINWARING; SHUGART, 1997b, p. 430). Argumentou-se, também, que, apesar de o Chile desfrutar da pior estrutura institucional da América Latina, a governabilidade alcançada durante os go vernos Patricio Aylwin (1989-1993) e Eduardo Frei Ruiz-Tagle (1994-2000) seria resultado do contexto da transiçào política, que gerou presidentes moderados (SIAVELIS, 2000). Em suma, com o hiperpresidenciahsmo, um Legislativo fraco, um sistema multipartidário e fragmentado, e a necessidade de quoruns altos para reformas constitutionals, näo haveria incentivos para a cooperaçào entre os Poderes e para a formaçào de coalizôes.
Contrapondo-se à literatura supracitada, e tendo a seu favor os reconhecidos índices de governabilidade do Chile nos últimos dezesseis anos (STEIN et al., 2006) e a relaçào cooperativa e eficiente entre os Poderes Executivo e Legislativo, Carlos Huneeus e Fabiola Berríos (2003, p. 62) afirmam que a autoridade do presidente é menor do que se argumenta à luz da Constituiçào e que o Congresso tem um papel mais relevante do que aparenta. Os autores apresentam críticas contundentes aos trabamos de Carey e Shugart (1992), Mainwaring e Shugart (1997a) e Siavelis (2000) pelo excessivo peso dado aos aspectos formais e à falta de análise empírica. Apesar de o esforço ser menos urna abordagem sistemática do que urna crítica a esses estudos, chama-se a atençào para pontos relevantes da pràtica política chilena. Nessa mesma linha, outros estudos buscam diagnosticar as fainas em previsöes pretéritas e apresentar explicaçôes para a governabilidade chilena. Nolte (2003) destaca a capacidade do sistema político chileno de gerar coalizöes estáveis e aponta um aumento crescente da participaçào de parlamentares junto ao Executivo, especialmente em razào da maior profissionalizaçào e do alto indice de reelei - cäo dos congressistas. Em recente traballio, Siavelis (2005) também reconhece f alhas de parte da literatura para explicar o caso chileno e se debruça sobre as instituiçôes informais que prevalecem no dia-a-dia em detrimento das regras formais.
De maneira gérai, apesar do reconhecimento de o Executivo ser, indiscutivehnente, o ator político central no Chile, com ampios poderes para influir na agenda legislativa, é também pouco questionável o fato de o Congresso estar ganhando espaço e demonstrando possuir influencia na agenda política nacional. A experiencia democrática dos últimos dezesseis anos vai de encontró aos argumentos que apontavam o sistema político chileno como um sistema partidario fragmentado e multipartidário, concluindo que ele seria o modelo mais tendente à instabilidade - ou a pior estrutura institucional -, o que corroboraría para a fraqueza do Legislativo.
Literatura institucionalista mais recente explica aformaçâo das duas coalizöes - e a propria estabilidade do sistema - por meio dos incentivos gerados pelas regras eleitorais em vigencia. Estudos sobre a organizaçâo legislativa indicam outras variáveis, como o alto índice de reeleiçào dos legisladores (60%) e o nivel de profissionalizaçào que a instituiçâo vem alcançando, se comparado com os padrôes latino-americanos (CAREY, 2002; NOLTE, 2003; ANINAT et al., 2004; SAIEGH, 2005), para explicar a força política do Congresso. Acredita-se, pois, que apesar de o Executivo chileno ter muitas prerrogativas constitutionals, o Congresso é o mais eficiente e mais bem preparado da regiäo (STEIN et al., 2006, p. 159).
As análises recentes concernentes à interaçào entre o Executive· e o Legislativo, portante, apresentam urna realidade muito mais complexa do que o retratado na primeira década, indicando urna crescente capacitaçào e participaçào do Poder Legislativo na vida política do país.
1.2 Hipóteses
Para se averiguar se o Legislativo chileno tem capacidade para influenciar o processo decisorio da política externa, seräo testadas duas hipóteses desenvolvidas por Martin (2000): a hipótese da delegaçào e a hipótese da influencia. A primeira informa que o Poder Legislativo (principal) institucionalizaria a participaçào no processo decisorio, buscando aumentar seu poder, supondo que exista confuto de intéresses com o Poder Executivo (agente). A hipótese nula para esse caso seria a que Martin denomina de hipótese da abdicaçào, que indica que toda delegaçào representa abdicaçào, pois, em face de problemas com o agente, o principal seria incapaz de fazer valer seus poderes.
A segunda hipótese é a da influencia, que informa que o Executivo seria incapaz de manipular as estruturas de participaçào do Legislativo para impedir que a instituiçào participe do processo decisorio do qual delegou poderes. A hipótese nula, neste caso, seria a hipótese da evasäo: o Poder Executivo teria capacidade de criar empecimos à participaçào do Poder Legislativo quando este buscasse questionar a delegaçào.
E necessario, no entanto, fazer urna ressalva - e adaptaçào - em relaçào à hipótese da delegaçào antes de aplicá-la ao estudo de caso proposto. Ao elaborá-la, Martin (2000) tem em mente a delegaçào de competencias do Poder Legislativo para o Poder Executivo em materias que envolvam negociaçôes internacionais tendo como paradigma, no caso de regimes presidencialistas, o modelo norte-americano, no quai a Constituiçào declara que a competencia para regular o comércio pertence ao Poder Legislativo.
No caso do Chile - e pode ser estendido aos países sul-americanos -, no entanto, em materia de política comercial, a lógica da delegaçào do Legislativo para o Executivo nao pode ser aplicada, urna vez que este já concentra, originalmente, demasiado poder no processo decisorio em questäo. A Constituicäo da República delimita as competencias dos dois Poderes de forma muito clara, no que diz respeito tanto à competencia para negociar acordos comercias como à competencia para alteraçào de tarifas, deixando ainda mais evidente a assimetria entre os Poderes. Segundo as normas constitutionals, a tarefa de negociar acordos comerciáis é do Poder Executivo, cabendo ao Poder Legislativo ratificá-los; e, sobre competencia de alterar tarifas, apesar de informar que a medida só pode ser tomada por meio de lei ordinària, a lei, neste caso, deverà ser de iniciativa exclusiva do presidente da República.
No que diz respeito à competencia sobre política comercial, a balança pende para o Executivo. Ao logo da última década, porém, o Legislativo vem buscando aumentar seu ámbito de influencia sobre diversas políticas públicas - a literatura indicada anteriormente aponía para essa direçào. Em materia orcamentária, por exemplo, urna área na quai a Constituicäo de 1980 concedeu maior competencia ao Executivo, estudos recentes apontam que, durante a década de 1990, o Congresso aumentou sua capacidade de açào junto ao Executivo sobre o tema (MONTECINOS, 2003). Isso ilustra, pois, o progressivo aumento de influencia dos parlamentares em assuntos que eram, originalmente, de competencia do Executivo, tal como disposto na Constituicäo de 1980. Assim, o fato de se detectar que näo há delegaçào nao impede que se busque adaptar a hipótese da delegaçào de Martin (2000) para o caso chileno.
Nesse sentido, com base na idéia de que o Poder Legislativo institucionaliza sua participaçào no processo decisòrio, buscando aumentar seu poder, urna vez que exista confuto de interesses com o Poder Executivo, para os fins específicos deste traballio, desenvolve-se a hipótese do aumento de poder do Legislativo. Tal hipótese informa que, em temas de política externa, que originalmente säo de competencia do Poder Executivo, o Legislativo vai procurar aumentar seu poder no processo decisorio em razäo de buscar o atendimento de suas preferencias quando houver a emergencia de visöes conflitivas. Ou seja, a näo-manifestacäo do Congresso näo poderá ser tomada como urna atitude de submissäo ou resignaçào diante do Executivo, pois sinaliza concordancia. A hipótese nula, neste caso, seria a hipótese da resignaçào.
2. Competencias do Poder Executivo e do Poder Legislativo
Decorre da interpretaçào do art. 32, nQ 15, da Constituiçao chilena que o Poder Executivo é o responsável pela conducäo da política externa, o que incluí a política comercial. Assim, conforme o dispositivo constitucional sobre negociaçôes e tratados internacionais, é da competencia do presidente da República conduzir as relaçôes com outros países, sendo responsável pelas negociaçôes internacionais. No que diz respeito a outro instrumento importante da política comercial, a competencia para alterar tarifas - imposto de importaçao -, a Constituiçao informa que é urna iniciativa exclusiva da Presidencia da República, vide o art. 65, ?2 1, cabendo täo-somente ao chef e do Executivo apresentar projeto de lei sobre a matèria.
No que diz respeito ao poderes do Congresso, históricamente, seus mecanismos institucionais para participar do processo decisorio säo considerados limitados. Excetuando-se o período conturbando do inicio do século XIX, entre os anos de 1 8 1 1 e 1 828, durante o processo de independencia, quando, por meio do Reglamento para el Arreglo de La Autoridade Ejecutiva, de 1811, chegou-se a conferir ao Parlamento a competencia para conduzir a política externa do país, a regra que prevaleceu na Constituiçâo de 1 833, na de 1925 e na atual, de 1980, foi a da dominancia do Executivo, com escassas fontes de poder ao Legislativo (MEDINA, 2003).
Mesmo após a redemocratizaçào, as regras estabelecidas pela Constituiçâo de 1980 pouco se alteraram no que diz respeito à divisäo de competencias entre o Executivo e o Legislativo em materia de política comercial. Um dos poucos dispositivos modificados foi o art. 50, ?2 1 , que tratava da participaçao do Congresso no processo de retificaçào de tratados internacionais; no entanto, näo houve alteraçoes substantivas. Este artigo veio dar mais clareza ao texto original, que, em razäo das ambigüidades, gerou polémicas no Congresso, especialmente em materia de tratados internacionais sobre comercio.
O essential do art. 50, ?- 1 - agora art. 54 -, foi mantido: cabe ao Poder Legislativo aprovar ou vetar acordo internacional negociado pelo presidente. Os tratados internacionais obedecem ao mesmo trámite dos projetos de lei; entretanto, um aspecto deve ser sublinhado: acordos internacionais que visem aimplementaçào de tratados já assinados näo precisam de ratificaçào do Congresso. Assim, se um acordo internacional for decorrência de um acordo anterior (tratado-marco), ou seja, river como objetivo aprofundá-lo ou regulá-lo, e tiver sido celebrado pelas mesmas partes e näo abordar materias de leí, ele pode entrar em vigor por meio de decreto, sem consentimento do Congresso Nacional.1
Quanto à política tarifaria, os poderes institucionais do Congresso para influir na decisäo de reduçào ou aumento de tarifa de importacao podem ser considerados mais abrangentes. As Constituiçôes de 1833 e de 1925 determinavam que, para qualquer alteraçào, seria necessaria lei ordinaria, com origem na Cámara dos Deputados. Ou seja, a matèria näo estava à mercè do poder discricionário do Executivo. No que diz respeito à alteraçào tarifaria e à Constituiçâo de 1980, a norma constitucional répète as Constituiçôes de 1833 e 1925, e informa que a matèria so pode ser tratada mediante lei ordinària. Deve-se recordar, no entanto, que o art. 65, ?O 1, aponta que a medida é de iniciativa exclusiva do presidente da República.
Pode-se concluir, portanto, sem muita dificuldade, que a balança pende, indiscutivelmente, para o lado do Executivo. Eie conduz as negociaçôes e detém prerrogativas legáis para introduzir matèria sobre política tarifaria, além de possuir um corpo institucional especializado e altamente capacitado ao seu dispor, o que faz com que determine a agenda e controle as informaçôes. O Legislativo, por outro lado, é um importante ponto de veto, cabendo a ele ratificar acordos internacionais e propostas de reduçào ou aumento de tarifas. Sua açào é limitada à atuaçào ex post. No entanto, conforme anunciado anteriormente, esse fato näo marginaliza a instituiçâo no processo decisorio, podendo permitir que parlamentares influencien! no resultado das políticas públicas.
3. O Poder Legislativo e a Política Comercial
Nesta última parte, ahipótese do aumento de poder do Legislativo e a hipótese da influencia sao testadas diante da análise da participaçào do Congresso Nacional nos processus de negociaçào dos Acordos de Complementaçào Económica ( ACEs) que o Chile assinou na década de 1990 e das duas votaçôes de reduçào de tarifas, ocorridas em 1991 e em 1998. Buscou-se confrontar processos políticos semelhantes, nos quais ora o Congresso procurava se manifestar, ora se abstinha. No primeiro caso (isto é, quando o Congresso procurava se manifestar) sao contrapostos os casos dos ACEs que o Chile negociou com Argentina, México, Bolivia, Venezuela, Colombia e Equador com a aprovaçào do ACE-35, que permitiu a associaçào do Chile ao Mercosul, e do ACE-38, com o Peru. No segundo caso, sao cotejados os processos de negociaçào de dois programas de abertura unilateral na década de 1990: o primeiro, ocorrido em 1991, quando, por meio da Lei ?O 19.065, reduziu-se as tarifas sobre importaçâo de 15% para 11%; e o segundo, em 1998, com a promulgaçào da Lei ?2 19.589, que estabeleceu urna reduçào tarifaria gradual, de um ponto percentual por ano, com o objetivo de atingir a meta de 6% em 2003.
3.1 O Congresso Nacional e os ACEs negociados na década de 1990
Durante os anos 1990, quando o Chile deu inicio à politica comercial bilateral, os primeiros acordos foram fechados com países latino-americanos, e um dos principáis instrumentos à disposicäo da Chancelaria foram os Acordos de Alcance Parcial (AAPs) de Complementaçâo Económica, mais conhecidos como Acordos de Complementaçào Económica (ACEs). Dado o seu caráter simplificado, especialmente em face dos Tratados de Livre Comercio (TLCs), que hoje em dia väo muito além da reduçào tarifaria, os ACEs também sao implementados de forma bastante simples. No caso específico do Chile, prevaleceu, tradicionalmente, o argumento de que os ACEs se consubstanciam em implementaçôes do Tratado de Assunçâo de 1980 (TA-80); logo, nao necessitavam do processo de ratificaçào por parte do Congresso Nacional para sua validaçào, urna vez que o acordo-marco, o TA-80, já estava em vigencia no país. Eram simplesmente incorporados ao ordenamento jurídico por meio de decreto emitido pelo chefe do Executivo. A interpretaçào decorria de dispositivos constitucionais. Portante, esse foi o procedimento adotado para a internalizaçào dos compromissos comerciáis negociados pelo Chile, sob a forma de ACE, durante os primeiros anos da década de 1990.
O primeiro acordo comercial bilateral negociado pelo Chile foi o ACE- 16, em 1991, com a Argentina, que tratou de acordos de dupla tributaçào, de proteçào de investimentos e questôes relacionadas à integraçâo física. No mesmo ano, negociou o ACE- 17 com o México. A aproximacäo com este país foi motivada por razôes económicas e políticas. Ambos haviam alcançado um nivel de abertura comercial semelhante, em decorrènda das reformas liberáis postas em pràtica anos antes, um fato que colaborava para a aproximacäo. Nos anos seguintes, o governo concentrou-se nas negociaçôes comerciáis com os países que integravam a Comunidade Andina de Naçôes (CAN), bloco do qual deixou de fazer parte em 1976. Em 1992, iniciaram-se as negociaçôes do ACE- 22 com a Bolivia, do ACE-23 com a Venezuela e do ACE- 24 com a Colombia, que foram concretizadas em 1993. Em 1994, negociou-se o ACE-32 com o Equador e iniciaram-se as primeiras conversaçôes com o Peru.
Nas negociaçôes dos ACE-16, ACE-17, ACE-22, ACE-23, ACE-24 e ACE-32, o aspecto que se pretende destacar é que nenhum deles passou pelo trámite ordinario ao qual os tratados internacionais deveriam obedecer, qual seja, após a sua conclusäo, ser encaminhado para aratificaçào do Congresso Nacional. Todos foram introduzidos no ordenamento jurídico nacional por meio de decretos do Executivo. E importante ressaltar que nao se encontra registro que possa apontar tentativa do Congresso Nacional emintervir no processo, requisitando aprovaçâo ex post.
No caso do acordo entre o Mercocul e o Chile, mesmo se tratando de um ACE, o processo de aprovaçâo foi mais complexo, conforme se constatará a seguir. Em junho de 1994, durante o governo Eduardo Frei, o Chile decidiu oficializar suas intençôes para se associar ao Mercosul. As negociaçôes aceleraram-se durante o ano de 1995 e, em marco de 1996, o governo, por meio do entäo ministro das Relaçôes Exteriores, José Miguel Insulza, declarou queja estava encerrado e que o acordo seria assinado em junho de 1996, com previsäo de entrar em vigor no dia 1Q de julho de 1996.1
O acordo de associaçào entre o Chile e o Mercosul foi negociado sob a forma de um ACE (ACE-35). Previa-se, logo, que fosse introduzido no ordenamento jurídico doméstico por meio de decreto, sem a necessidade de ratificaçào por parte do Congresso, conforme ocorreu com os outros seis acordos desta natureza que o país havia subscrito nos anos anteriores. No entanto, dada a amplitude do ACE-35 - e a diversidade de interesses que estavam em jogo -, houve divergencias no Congresso e a necessidade de esclarecimentos, o que tornou inviável o planejamento inicial do Executivo de evitar que o acordo fosse levado ao Parlamento.
Em marco de 1996, ao comunicar ao Congresso o firn das negociaçôes do ACE-35, o governo foi enfático ao se posicionar a respeito do procedimento de ratificaçào. Isso se deu por meio de seus principáis porta- vozes, à época, e, sobre o tema, no Congresso: o ministro das Relaçôes Exteriores, José Miguel Insulza, o ministro da Economia, Alvaro Garcia, e o ministro do Interior, Carlos Figueroa. Em declaraçôes à imprensa e ñas duas visitas que os ministros fizeram ao Congresso - tanto à Cámara quanto ao Senado -, insistiram que nao havia necessidade de o acordo ser ratificado pelo Legislativo. Os principáis argumentos baseavam-se no fato de que a instituiçâo já estava informada o suficiente a respeito dos termos do acordo, urna vez que membros do Ministerio das Relaçôes Exteriores (MRE), do Ministerio da Agricultura e do Ministerio da Economia eram frequentemente convocados para comunicar o andamento das negociaçôes, e que as duas Casas Legislativas teriam acesso ao acordo um mes e meio antes da assinatura (SENADO..., 1996). Também se insistiu bastante no aspecto jurídico-f ormai, ao se reafirmar o caráter instrumental dos ACEs na tradiçâo chilena de implementá-los via decreto. O Executivo argumentava que houve urna delegaçào de poderes legislativos, concretizada com a implementaçâo do TA-80 (TRATADOS..., 1996).
O governo tinha varios motivos para tentar evitar que o acordo fosse levado a plenàrio, pois, apesar de deter maioria na Cámara, näo a tinha no Senado.14 Ademáis, a materia era tema de discordia tanto dentro da coalizäo governista corno entre os parlamentares da oposiçào. Dentre os principáis motivos, destacava-se a questäo da proteçào ao setor agrícola tradicional, que mobilizava boa parte dos parlamentares. Estavam, assim, do mesmo lado grande parte dos membros da Uniäo Democrática Independente (UDÌ) e da Renovaçào Nacional (RN) e setores do Partido Demócrata Cristäo (PDC) e do Partido Socialista (PS). A esse contexto, somava-se o lobby que a Sociedade Nacional Agrícola (SNA) buscava por em pràtica, e que preocupava o governo.
Näo havia, no entanto, urna proposta consolidada daqueles que poderiam se opor ao acordo. Desde o anuncio de marco, a SNA argumentava que näo teve seus intéresses atendidos, e por isso se opunha, frontalmente, ao acordo Chile-Mercosul. Políticos da oposiçào, por outro lado, exigiam compensaçôes as possíveis perdas do setor (NO HAY..., 1996). Ao mesmo tempo, o tema de um segundo programa de abertura unilateral começava a se associar ao debate.
No momento em que o governo fez o anuncio de que as negociaçoes chegavam ao firn, faltando, täo-somente, questôes pontuais para serení definidas, e deixou clara sua vontade de evitar que o acordo passasse, formalmente, pelo escrutinio parlamentar, a reaçào dos congressistas foi imediata. A postura da oposiçào, por razôes obvias, foi mais contundente, mas governistas demonstravam certo desconforto com a inflexibilidade do Executivo, como os deputados José Antonio Viera Gallo (PS) e Francisco Huenchumilla (PDC), que declararam haver dúvidas razoáveis a respeito da situaçào (CONGRESO..., 1996; PARLAMENTARIOS..., 1996). O Senado, em que o governo näo contava com a maioria, procurou mobilizar-se e pressionar o Executivo para que o acordo fosse enviado ao Legislativo o quanto antes. Ao final de marco, a Comissäo de Constituiçào, Legislaçào e Justiça iniciou processo de análise da proposta governista.
Algumas semanas depois, em 16 de abril de 1996, o Senado aprovou, por dezoito votos a favor e seis abstençôes, projeto de acordo que definia sua posiçào diante da questäo, posicionando-se, como espera- do, a favor da tramitaçâo legislativa (REPÚBLICA DE CHILE, 1996a). Parte dos argumentos da oposiçâo concentrava-se em aspec- tos técnicos, e reafirmava-se que o ACE-35 näo dispunha das prerro- gativas do art. 50 da Constituiçào, que permitía que determinados acordos fossem internalizados sem o processo de ratificaçào legisla- tiva. Ao mesmo tempo, outros argumentavam que, independente da forma que fosse adotada, o ACE-35 representava um marco polí- tico para o país, e deveria ser analisado pela instancia Legislativa, o que seria urna maneira de conceder mais legitimidade ao processo.
Diante da pressäo política, o governo Frei decidiu, por firn, voltar atrás e enviar a matèria ao Congresso Nacional, para que o ACE-35 fosse examinado pelos parlamentares. O anuncio foi feito pelo chan- celer Insulza, que explicou o gesto como sendo um ato político de be- nevolencia do presidente Eduardo Freí, em vez do cumplimento de um dever legal ou reflexo de pressôes políticas, e que a acäo näo im- plicaría a perda das prerrogativas de que o Executivo goza sobre a materia (CONSENSO..., 1996; EL CONGRESO..., 1996). Apesar de os parlamentares terem elogiado a decisäo do presidente, a inter- pretaçào do ato, no entanto, foi bem diferente do que a apresentada pelo chanceler. A grande maioria entendeu que o governo se anteci- pou a um resultado que seria inevitável.
Urna vez acertado o trámite do ACE-35, as discussöes subséquentes ficaram restritas ao tipo de procedimento que prevalecería no Legis- lativo, à barganha política em torno das votaçôes e das exigencias que poderiam ser atendidas pelo governo. O procedimento acordado entre o governo e os parlamentares foi o de um tratado internacional ordinàrio. Desta forma, näo se poderia apresentar emendas, nem aprová-lo com restriçoes. No que diz respeito as negociaçôes políti- cas, rudo girava em torno da proteçào ao setor considerado o mais prejudicado com o acordo: o agrícola tradicional. No inicio do processo legislativo, näo houve resistencia para se aprovar na Cámara o projeto de acordo: em 18 de julho, eie foi aprovado pela Comissäo Especial do Mercosul da Cámara dos Deputados por nove votos a favor, très contra e urna abstençâo; no mes seguinte, passou, sem maiores problemas, pelo plenàrio da Casa Legislativa. O resultado foi 76 votos a favor, incluindo todos os membros da coalizäo Concertación e alguns representantes da UDÌ e da RN; 26 contra; e très abstençôes. Diante desse cenário, o governo manteve postura inflexível, indicando que näo cedería mais às pressòes do setor agrícola.17 Ao final de agosto, declarou, por meio do ministro da Agricultura, que era inviável implementar os pedidos feitos pela SNA no mes de julho, entre eles, subsidiar a compra de fertilizantes e reduzir a zero as tarifas de importaçâo sobre insumos e bens de capital para o setor.
A postura do governo começou a mudar, no entanto, quando a matèria foi levada ao Senado. O primeiro sinal dado pela instituiçâo sobre as dificuldades que o Executivo iría enfrentar diante da oposiçâo - e, até mesmo, diante de parlamentares da base aliada - foi o rechaço ao nome de Carlos Massad para o cargo de conselheiro do Banco Central, horas antes das Comissôes Unidas de Agricultura, Finanças e Relaçôes Exteriores do Senado começarem a discutir o ACE-35. Todavía, mais urna vez antecipando-se às dificuldades da aprovaçào do acordo de associaçào ao Mercosul, representantes do governo iniciaram negociaçôes diretas com líderes da oposiçâo, com o firn de dirimir as divergencias em torno do acordo. A negociaçào final foi conduzida pelo chefe da Secretaria Geral da Presidencia (Segpres), Genaro Amagada, pelo ministro da Fazenda, Eduardo Aninat, pelo ministro da Economia, Alvaro Garcia, e pelos senadores Sebastián Pinera (RN) e Sergio Diez (RN) (ALTA..., 1996; GOBIERNO SE COMPROMETIÓ..., 1996; APROBADA..., 1996; LOS VAIVENES..., 1996; PACTO..., 1996).
As propostas apresentadas pelos parlamentares congregavam tanto os interesses daqueles advindos de regiôes onde prevalecía a agricul- tura tradicional como as antigas demandas daqueles mais afeitos ao livre-comércio, e convergiam com as preferencias de setores expor- tadores, que exigiam a diminuicäo de custo. Em suma, podem ser as- sim resumidas: em termos substantivos, as duas exigencias centrais diziam respeito à queda do imposto de importaçào e de um programa de assistência à agricultura tradicional. Exigiam-se a implementaçào de um novo programa de abertura unilateral, seguindo os moldes do que fora posto em pràtica em 1991, para ser discutido já no ano se- guirne, e um compromisso explícito para com o setor agrícola tradi- cional, calcado em compensaçôes financeiras. Além do mais, foi pe- dido empenho do governo para que convencesse os demais membros do bloco a apoiarem a criaçào de um mecanismo de soluçào de con- troversias e para que fosse incorporada ao acordo, no futuro, matèria relativa a serviços. Tendo em vista näo so o interesse do governo em concretizar, o mais rápido possível, o acordo com o Mercosul, mas também o fato de que as demandas parlamentares näo colocavam em perigo o projeto de associacäo com o Mercosul e muito menos a es- trategia do regionalismo aberto, o Executivo viu-se obligado a acei- tar as propostas do Legislativo.
Em 9 de setembro de 1996, na véspera da votaçào e diante do plenà- rio do Senado, o ministro Aninat tornou público o compromisso do governo de implementar um segundo programa de abertura unilate- ral. Näo foram informados detalhes do plano, nem urna agenda defi- nida. Na ocasiäo, o que se adiantou foi que a abertura representaría urna queda de quatro a seis pontos sobre a tarifa de importaçào e que seria estabelecida de forma gradual. A única garantía que o governo poderia dar - e deu - era declarar o compromisso publicamente, como o fez Aninat (REPÚBLICA DE CHILE, 1996b).
Ao mesmo tempo que Aninat informava a respeito do compromisso com a segunda abertura unilateral, o ministro da Agricultura, Emilia- no Ortega, anunciava o novo plano compensatorio do governo para o setor agrícola tradicional em um café-da-manhà com líderes partida- rios no dia em que seria realizada a votaçâo. A proposta governista foi ao encontró das demandas dos congressistas. O Estado assumiria o compromisso de destinar US$ 500 milhôes ao setor agrícola em um período de cinco anos, quantia que, à época, representava 0,6% do produto interno bruto (PIB). Nos quatro primeiros anos, seriam libe- rados US $ 350 milhôes; e o restante, US $ 150 milhôes, em 2001 . Foi também anunciada a eliminaçào de tarifas sobre a importaçào de 85% dos insumos agrícolas e confirmadas as linhas de crédito da Corporación de Fomento de la Producción (Corfo) e do Banco del Estado, urna das demandas da SNA (PRESUPUESTO..., 1996).
Apesar de parte dos parlamentares ter demonstrado insatisf açâo pelo fato de nao haver informaçôes suficientes sobre a implementaçào das medidas, tanto sobre o programa de abertura unilateral quanto a res- peito do pacote de ajuda ao setor agrícola, o resultado dos anuncios de comprometimento do governo com as propostas defendidas pelos parlamentares teve o efeito desejado. Assim, o acordo de associaçào do Chile ao Mercosul (o ACE-35) foi aprovado sem maiores proble- mas no Senado. A votaçâo ocorreu no dia 10 de setembro de 1996, tendo 36 votos a favor, tres contra e urna abstençào.
Outro caso no qual o Congresso buscou interferir foi no ACE-38, en- tre o Chile e o Peru. O acordo foi resultado de um processo de negoci- açào longo e complexo, que refletiu a instabilidade da relaçào bilate- ral, marcada por décadas de disputas. Em 1998, o Peru era o único país da América do Sul que nao havia fechado um acordo comercial com o Chile. Apesar de, a curto prazo, ter sido considerado comerci- almente modesto, ele teve urna importancia política fundamental para a galvanizaçào da relaçào Chile-Peru e propiciou alteraçôes no processo decisòrio da política comercial, no que diz respeito à parti- cipaçào do Legislativo. As consultas formais entre os dois países iniciaram-se aínda em 1994, tendo sido finalizadas somente quatro anos mais tarde, em ju- nho de 1998. O ACE-38 foi assinado em 22 de junho de 1998, com previsäo para entrar em vigor em l2 de julho. A época do anuncio oficial do firn das negociaçoes, alguns deputados se manifestaran!, trazendo à tona antigas exigencias parlamentares, calcados em argu- mentos que foram utilizados durante a negociaçào do ACE-35, entre o Chile e o Mercosul. Os deputados governistas do PDC, Antonella Sciaraffia e Tomás Jocelyn-Holt, pediam urna discussäo previa no Congresso Nacional antes que o documento entrasse em vigor, pois, segundo eles, o ACE-3 8 afetava urna série de leis - Ley de Arica; Ley de las Zonas Francas; Ley del Reintegro Simplificado -, de modo que deveria estar sujeito à ratificaçào parlamentar. Membros do go- verno e da oposiçào mostraram-se contrarios as exigencias de Scia- raffia e Jocelyn-Holt, o que näo impediu que se levasse o assunto à Controladoria Gérai da República (CGR), resultando em mais de vinte días de atraso para a entrada em vigor do acordo. Após a CGR ter negado o pedido dos parlamentares, o deputado Jocelyn Holt le- vou a materia ao Tribunal Constitucional (TC), levando preocupaçào ao setor privado e ao Executivo.
Apesar da mobilizaçào para postergar a entrada em vigor do ACE-38, o Senado e a Cámara dos Deputados cumpriram um impor- tante papel para resolver o impasse. No inicio de julho, quando a ma- teria ainda estava sendo apreciada pela CGR, a Comissäo de Rela- çôes Exteriores do Senado, após longo debate, emitiu comunicado informando que näo seria necessaria a tramitaçào do ACE-38 no Congresso Nacional (ACUERDO..., 1998). Em agosto, quando a materia caminhava para o TC, a Cámara dos Deputados aprovou re- soluçâo que ratificava o acordo comercial com o país vizinho. A ses- säo foi secreta e resultou em 46 votos a favor e trinta contra (GOBIERNO ASEGURA..., 1998). Mesmo näo participando for- malmente do processo, o que exigiría o tràmite do acordo comercial pelo Congresso Nacional para a ratificaçào legislativa, a atuacäo da Cámara e do Senado pode ser considerada decisiva para auxiliar o MRE na taref a de implementar, com celeridade, o ACE-3 8, garantendo, especialmente, o apoio político.
Para a entrada em vigor do ACE-3 8, no entanto, ainda foi necessaria urna negociaçâo direta entre um grupo de parlamentares - do governo e da oposiçào - e o chanceler Insulza, o que resultou na retirada, definitiva, do pedido feito pelos congressistas no TC (DIPUTADOS..., 1998). O acordo firmado entre os legisladores e o MRE deu origem à reforma do antigo art. 50, n°l , que tratava do procedimento de ratificaçào de tratados internacionais aprovado em 2005. Além do mais, antes que o projeto se transformasse em leí, garantiu-se a concordancia do Executivo de que qualquer materia que envolvesse novo acordo comercial, inclusive ACE sob o marco da Associaçâo Latino-americana de Integraçâo (Aladi), seria enviada para a apreciaçào do Parlamento (GOBIERNO DEFINIÓ..., 1998; PORRAS, 2003).
3.2 O Congresso Nacional e a implementaçào da abertura unilateral na década de 1990 - as Leis n« 19.065/91 e 19.589/98 e as negociaçoes entre o Executivo e o Congresso Nacional
Nos anos 1990, a atençâo dada aos acordos Dilaterais näo tirou da agenda política o objetivo de se trabalhar com urna economia aberta, com o mínimo de barreiras tarifarias, para aumentar a eficiencia econômica. A implementaçào da primeira reduçâo tarifaria com vistas à abertura comercial unilateral deu-se por meio da aprovacäo da Lei nQ 19.065. Foi um processo político relativamente simples, pois havia consenso a respeito da necessidade da aprovacäo da medida entre membros do Executivo e do Parlamento. Em parte, o que explica o acordo entre os atores políticos domésticos foi o contexto da transiçào democrática. Após dezessete anos sob um regime autoritàrio de cfireita, urna coalizäo de centro-esquerda chegou ao poder. Entre os tantos desafios com os quais se deparou, um deles foi o de manter a bem-sucedida política económica liberal implementada pelo regime militar. A decisäo de por em pràtica um programa de abertura unilateral por meio da reduçâo tarifaria, um dos principáis instrumentos da política comercial do período Pinochet, foi um claro sinal aos mercados e ao mundo de que o governo recém-empossado buscaría conciliar os valores liberáis herdados nos anos 1980 com a nova agenda política da Concertación.
O projeto de lei foi apresentado formalmente ao Congresso Nacional no dia 1 8 de junho de 1 99 1 . Sua tramitaçào iniciou-se na Cámara dos Deputados; em seguida, foi repassado ao Senado, onde sofreu modificaçôes, e encaminhado para análise da Comissäo Mista. O processo durou quatro días, tendo sido repassado para a sançào presidencial no dia 2 1 de junho. A alteraçâo mais substantiva do documento legislativo foi a reduçâo tarifaria uniforme de 15% para 11%.
Diferente do processo de aprovacäo da Lei n° 19.065 de 1991, marcado pela celeridade na tramitaçào e pelo consenso político, a negociacäo da Lei ?O 19.589, responsável pela segunda abertura unilateral nos anos 1990, foi mais complexa, marcada por divergencias dentro da base governista e dentro da propria oposiçào, fato que obrigou o Executivo a fazer urna série de adaptaçôes e concessôes ao projeto original, na tentativa de vê-lo aprovado.
A origem da Lei n° 19.589 remonta as negociaçôes entre o Executivo e o Legislativo para a aprovacäo do projeto de acordo do ACE-35, que permitiu a associaçào do Chile ao Mercosul. Mais especificamente, foi urna das condiçôes estabelecidas pelos parlamentares para que o acordo fosse aprovado. Entre os argumentos daqueles que defendiam a proposta, estava presente a necessidade de se evitar um desvio de comercio e de ratificar o compromisso do pais com o livre-comércio. Em 1996, o governo Frei havia se comprometido com parlamentares a implementar a medida no ano seguinte; no entanto, a matèria so ganhou força e começou a ser discutida, seriamente, no primeiro semestre de 1998. O principal interlocutor do governo no Congresso Nacional e no setor privado foi o Ministerio da Fazenda, que, à época, era comandado pelo ministro Eduardo Aninat. Contado, as participaçôes dos Ministerios da Agricultura, da Economia e do Interior e da Segpres näo podem ser desconsideradas.
Em marco de 1998, o governo sinalizou queja tinha o projeto praticamente definido e que pretendía apresentá-lo ao Congresso Nacional ainda naquele mes, pois se tratava de urna questäo prioritaria. Em declaraçôes à imprensa, Aninat afirmou que aínda faltavam detalhes técnicos a serem definidos, mas que os aspectos centrais já estavam acertados, entre eles (FREI..., 1998; PROYECTO..., 1998; "REBAJA DE ARANCELES SERÁ...", 1998; ARANCELES: OPOSICIÓN..., 1998):
* O percentual de desgravaçào seria de tres pontos, o que levaría a tarifa de 11% para 8%.
* A alteraçâo seria aplicada de imediato, no ano de 1999.
* A aplicaçâo seria uniforme; ou seja, näo haveria discriminaçào para produtos sensíveis.
* Näo haveria compensaçôes financeiras a setores sensíveis.
* Haveria necessidade de compensar as perdas na arrecadaçào, calculadas em US$ 420 milhôes; portante, a medida viria acompanhada de urna "minirreforma" tributaria.
A reaçào dos parlamentares näo foi uniforme. Setores da oposiçào, como a RN, receberam a noticia com satisfaçào e, apesar de discordaren! da necessidade de compensaçôes para a queda na arrecadaçào, acreditavam que este topico poderia ser negociado. Por outro lado, parte da bancada governista foi taxativa ao afirmar que o assunto näo seria prioridade caso o governo näo se mostrasse flexível em determinados pontos da proposta. As demandas dos parlamentares governistas giravam em tomo da gradualidade da aplicacäo da medida, da discriminaçao para produtos sensíveis e de medidas compensatorias para setores menos competitivos, como a agricultura tradicional e as pequeñas e médias empresas (PMEs).
No setor privado, no entanto, a proposta foi bem recebida. A Confederaçào da Produçào e do Comercio (CPC), a Sociedad de Fomento Fabril (Sofof a) e a SNA mostraram-se f avoráveis ao projeto defendido pelo Ministerio da Fazenda, tendo divergencias pontuais: a CPC e a Sofof a propuseram queda de até cinco pontos percentuais, podendo ser a queda gradual; já a SNA, exigiu que, independente do percentual, eia fosse gradual. A Associaçâo dos Exportadores de Manuf aturas (Asexma), no entanto, foi bastante crítica ao projeto, demandando um tratamento diferenciado para as PMEs.
Diante do cenano apresentado, o maior problema estava dentro da propria Concertation, e, em vista do impasse, o Executivo optou por postergar o envío da matèria ao Congresso até que se alcançasse um acordo.
No dia 21 de maio, em mensagem presidencial ao Congresso Pieno na abertura da 338a legislatura, o presidente Eduardo Frei declarou que o projeto de reduçào tarifaria era urna das prioridades na agenda legislativa do governo. Naquela oportunidade, apresentou as modificaçôes ao esboço inicial que fora elaborado, no inicio do ano, por Aninat. Basicamente, o que se alterava era o percentual da reduçào - de tres para cinco pontos - e a forma de implementaçào, que seguiría urna gradualidade de tres pontos já em 1999, urn em 2000 e um em 2001 . Além do mais, o presidente ressaltou que as perdas de arrecadaçào deveriam ser compensadas (FREI RUIZ-TAGLE, 1998). Ñas semanas seguintes, apesar de todo o empenho que Executivo buscou demonstrar para aprovar a medida, a resistencia legislativa continuou a dificultar o avanço das negociaçôes.
No mes de junho, quatro senadores de regiòes agrícolas tradicionais -Gabriel Valdés (PDC), Jaime Gazmuri (PS), Hernán Larraín (UDÌ) e Marco Carióla (sem partido) - emitiram comunicado criticando a proposta do Executivo e condicionando seus votos ao estabelecimento de um sistema de discriminaçào para produtos sensíveis. Os senadores exigiam que se mantivesse a logica que prevaleceu nos acordos comercias assinados com o Mercosul e com o Canadá, quando se abriu a economia, mas se manteve urna proteçào diferenciada para produtos considerados sensíveis, como trigo, beterraba, arroz, produtos lácteos, carnes, entre outros. De acordo com o comunicado, os senadores informaram que o Chile nao deveria desgravar produtos que receberam tratamento diferenciado nesses acordos comerciáis, porque, no período das negociaçôes, teve que aceitar urna série de condiçôes para poder garantir as exceçôes (SENADORES ...,1998).
No decorrer do mes, foram constantes as reuniôes dos ministros Aninat, Carlos Figueroa (ministro do Interior) e Juan Villarzú (Segpres) com parlamentares do PDC. Urna das principáis demandas do grupo era a proposta defendida pelo entäo presidente da Comissäo de Finanças do Senado, Alejandro Foxley (PDC), que reclamava urna queda gradual da tarifa aduaneira de um ponto percentual por ano. Em julho, em reuniäo entre Aninat, Foxley e o presidente da Comissäo de Finanças da Cámara dos Deputados, Andrés Palma (PDC), os parlamentares mostraram insatisf açào a respeito da gradualidade da queda, mais especificamente com a formula 3+1+1 que o governo defendía - isto é, no primeiro ano, reduçào de 3%, seguida de queda de 1% nos dois anos seguintes.
Ao final do mes de julho, período no quai o Executivo pretendía enviar o projeto ao Congresso para votaçào, a repetida resistencia parlamentar fez com que a decisäo fosse postergada. Na ocasiäo, um grupo de dezessete senadores, de diversas bancadas, somou-se ao pedido feito no mes anterior por Valdés, Gazmuri, Larraín e Carióla, e emitiu nova nota com o seguinte pedido ao governo: "manter inalterada (com a taxa de 11%) a situaçào de determinados produtos, como trigo, acucar, carne, leite e oleaginosas" (ARANCELES: 17..., 1998). Segundo Carióla, que falou em nome do grupo:
Apoiamos a queda tarifaria proposta pelo governo para todas as áreas da produçào nacional. Estamos täo-somente pleiteando que essa queda respeite a gradualidade já estabelecida para os produtos sensíveis negociados com os países do Mercosul e com o Canadá (ARANCELES: 17..., 1998).
Outros parlamentares foram mais contundentes, como o senador socialista Gazmuri, que declarou que "se nao houver exceçào no programa de reduçào tarifaria, nao estou disposto a votar a favor do projeto no Congresso [...] mas espero que nao tenhamos que chegar a esse extremo" (SE POSTERGA..., 1998).
Durante o mes de agosto, o Executivo começou a dar sinais de que poderia aceitar a proposta de maior gradualidade - um ponto por ano. Conforme declarou Aninat, após reuniäo com Foxley e Palma, "o governo estaría flexível e disposto a pensar um calendario diferente, mas é parte de um pacote [. . .] agora entraremos em urna etapa de análise para ver o que poderá ser repensado e o que deverà ser mantido" (BÜCHI..., 1998; ARANCELES: DIPUTADOS..., 1998; CHADWICK. . . , 1 998) . Mesmo próximo de se chegar a um acordo, o comportamento parlamentar continuava refratário à proposta, como ficou claro em carta assinada por 72 deputados - de um total de 1 20 - enviada ao presidente da República para pedir modificaçôes ao projeto original. Diante desde cenário, o governo, por meio do Ministerio da Fazenda, comunicou, mais urna vez, a decisäo de adiar o envió do projeto de lei ao Congresso, e de retirar a aplicaçào de "suma urgencia", que desagradou, profundamente, os parlamentares.
Em meados de agosto, no entanto, após intensificacäo das negociaçôes, Foxley declarou que os tres eixos das demandas legislativas estavam sendo apreciados pelo Executivo: a questäo da gradualidade, as medidas de proteçào ao setor agrícola e as políticas de fomento para as PMEs (REBAJA DE ARANCELES, EN TIERRA..., 1998; MAPA..., 1998). Assim, o presidente da Comissâo de Finanças do Senado, um dos principáis negociadores da Concertación junto ao Executivo, disse acreditar que urna vez que os parlamentares analisassem a nova proposta, as chances de aprovaçào seriam grandes. Os días que se seguiram f oram fundamentáis para o desfecho da negociaçào, pois o governo começou a fechar acordos com o grupo transversal e com parte da oposiçào.
Ñas negociaçôes com parlamentares da base governista que buscavano maior proteçào ao setor agrícola, o governo comprometeu-se com as seguintes medidas: programas de recuperaçào e fertilizaçao de solos; prorrogaçào da lei de fomento à irrigaçào, que expirava em agosto de 1999; formulaçào de um sistema de salva-guarda; manutençào do sistema de banda de precios; e aumento dos Fundos de Promoçào às Exportaçoes, administrado pela Dirección de Promoción de Exportaciones (ProChile). O anuncio forafeito pelo ministro da Agricultura, Carlos Mladinic, e pelo presidente da SNA, Ricardo Ariztía (RECURSOS..., 1998). Além do mais, ficou acertado que o sistema de reintegro simplificado, incompatível com normas da Organizaçào Mundial do Comercio (OMC), seria instinto de forma gradual, e que urna parte do dinheiro iría para programas de ajuda às PMEs e a outra compensaría as perdas fiscais da desgravaçào. Por firn, chegou-se a um acordo a respeito da forma de aplicaçào da reduçào tarifaria, que seria de um ponto percentual por ano. Todos os compromissos foram formalizados no Protocolo de Fomento Produtivo, acertado entre o governo e parlamentares (REPÚBLICA DE CHILE, 1998a; LOS US$ 100 MILLONES..., 1998; RN EXIGE..., 1998; GOBIERNO ASEGURA..., 1998), o que permitíu que o projeto fosse avallado de forma positiva na Comissäo de Finanças e enviado ao plenàrio da Cámara dos Deputados, para ser aprovado por 55 votos a favor e 38 contra.
Com o projeto de lei sendo encaminhado para o segundo trámite constitucional no Senado, outro protocolo foi assinado entre o governo e parlamentares. O Protocolo de Entendimiento Proyecto de Ley Rebaja Aranceles, subscrito pelos ministros Aninat, Mladinic e Lavalle (Economia) e por líderes dos partidos da Concertación e da A/¿anza, estabeleceu, de forma mais detalhada, os termos do acordo entre o Legislativo e o governo (REPÚBLICA DE CHILE, 1998b).25
Definidos e confirmados os compromissos do Executivo com a agricultura tradicional e com as PMEs, e, mais importante, urna vez dilatado o prazo para a implementaçao da reduçào tarifaria, em razäo da opcäo de queda de um ponto percentual por ano, o Senado aprovou a medida por 26 votos a favor, contra cinco. O projeto aínda retornou à Cámara, pois houve modificaçôes pontuais inseridas na tramitaçào no Senado. Após tres anos de negociaçoes, a Lei nQ 19.589 foi sancionada pelo presidente Frei no final de outubro e entrou em vigor em 15 de novembro.
Tendo como base a proposta inicial do governo, apresentada pelo ministro Aninat e divulgada pela imprensa no mes de marco, conforme se pode averiguar no Quadro 1 , houve alteraçôes substanciáis durante as negociaçoes com a bancada governista, com a oposicäo e com a iniciativa privada. Um elemento capaz de apresentar a dimensâo da complexidade da questäo pode ser o número de vezes que o Executivo decidiu postergar o envió do projeto de lei para o Congresso Nacional em razäo do risco de ver a proposta rechaçada: foram quatro vezes entre marco e agosto. Vale ressaltar, também, que, apesar da iniciativa sobre a matèria ser de competencia exclusiva do presidente, o Legislativo teve urna parcela considerável de responsabilidade na açào do Executivo, pois a implementaçâo da abertura unilateral foi urna das condiçôes impostas pelos legisladores durante as negociaçoes do ACE-35. Assim, no que diz respeito ao segundo programa de abertura unilateral, estabelecido por meio da Lei nQ 19.589, em 1998, a instituiçâo legislativa teve influencia direta tanto na definicäo da agenda como em seu conteúdo.
4. Conclusäo
A luz das hipóteses do aumento de poder do Legislativo e da sua influencia, os estudos de caso acima apresentados indicam que o Poder Legislativo chileno detém capacidade para influenciar o processo decisorio da política comercial. Os ACEs negociados com Argentina, México, Bolivia, Venezuela, Colombia e Equador (ACE- 16, ACE- 17, ACE-22, ACE-23, ACE-24 e ACE-32, respectivamente), assim como a votacäo da Lei nQ 19.065, poderiam ser explicados por meio da hipótese da resignaçào, pois, dado que, à primeira vista, o Poder Legislativo teve urna posiçâo marginal no processo, poder-se-ia presumir que a instituiçâo teria se resignado frente ao Executivo, especialmente pelo fato de os acordos nem sequer terem tido tràmite legislativo. No entanto, emocasiòes semelhantes, o Congresso mostrou postura diferente, e procurou influenciar o processo decisorio com o intuito de ter suas preferencias atendidas, como ocorreu no caso do ACE-35, do ACE-38 e da Lei nö 19.589. Assim, a hipótese em questäo näo seria capaz de explicar esse padräo de comportamento.
A hipótese do aumento de poder do Legislativo, portanto, é capaz de explicar melhor o comportamento da instituiçâo legislativa no processo decisòrio da política comercial. No caso do ACE-35, a validade do postulado é evidente. Primeiro, tratava-se de matèria fora da área de competencia do Legislativo; no entanto, por meio de intensa negociaçào, os parlamentares foram capazes de alterar um costume político e permitir que o ACE-35 tramitasse no Congresso. Ou seja, conseguiu-se institucionalizar a participaçào do Legislativo quando emergiram alguns pontos confutantes com o Executivo. Em segundo lugar, o Congresso foi eficiente em negociar a implementaçào de políticas públicas compensatorias e obter o compromisso de um segundo programa de abertura unilateral, influindo no desfecho do processo. Ainda no caso do ACE-35, o Executivo foi incapaz de impedir que o Congresso Nacional influisse no processo decisorio, manipulando as estruturas de participaçào, conforme informa a hipótese da influencia.
No caso da negociaçào do ACE-38 entre Chile e Peru, segue-se o mesmo raciocinio. Apesar de näo ter havido discordancia substantiva entre os interesses do Legislativo e do Executivo, havia, na verdade, um ambiente de instabilidade e insegurança sobre a entrada em vigor do acordo comercial. A intervençào do Legislativo foi justamente para evitar que um processo mais lento fosse instaurado, colocando em risco a propria consecuçâo do ato. A manifestaçào do Congresso, portante, serviu para explicitar que havia a convergencia de intéresses e que, dessa forma, näo seria necessaria revisäo legislativa. Além do mais, negociaçôes que se iniciaram durante o processo permitiram alteraçôes na regra do processo decisorio, atendendo aos intéresses dos parlamentares.
Por firn, a avaliaçào da votaçào da Lei n° 19.589 também configurou um momento em que o Legislativo influenciou na formataçào da politica comercial, alterando, substancialmente, o resultado final. A tramitaçào do projeto de lei da reduçâo tarifaria foi marcada por longa negociaçào entre e o Legislativo e o Executivo, e a intervençào legislativa alterou o calendario da implementaçào da medida e sua abrangência, estipulando compensaçôes para determinados setores.
Diante do exposto, é perfeitamente razoável afirmar, portante, que, mesmo restrito à atuaçào ex post, o Poder Legislativo chileno detém capacidade para influir no processo decisorio da política comercial, urna vez que o Executivo leva em consideraçào as preferencias da instituiçâo antes de enviar matèria ao Congresso. Ademais, de acordo com os casos examinados, o Poder Executivo näo foi capaz de deter a participaçào do Congresso.
Rafael Moreno (PDC), Sergio Diez (RN), Antonio Horvath (sem partido), Hernán Larraín (UDI), Andrés Chadwick (UDÌ), Rodolfo Stange (sem partido), Sergio Fernández (UDI), Jaime Gazmuri (PS), José Antonio Viera-Gallo (PS), Francisco Prat (RN), Francisco Javier Errázuriz (Uniáo de Centro Centro - UCC), Marco Carióla (UDI), Sergio Romero (RN), Mario Ríos, Mariano Ruiz-Esquide e Roberto Muñoz.
24. Os signatarios foram: Edgardo Boeninger (PDC), Marco Carióla (UDI), Fernando Cordero (Institucional), Sergio Diez Urzúa (RN), Alejandro Foxley (PDC), Jaime Gazmuri (PS), Hernán Larraín (UDI), Ricardo Núñez (PS), Carlos Ominami (PS), Augusto Parra (Institucional), Jorge Pizarro (PDC), Sergio Romero (RN), Enrique Silva (Partido Revolucionario Social-Democrata - PRSD), Rodolfo Stange (UDI), Ramón Vega (sem partido) e Andrés Zaldívar (PDC).
25. Urna vez aprovada a Ley de Rebaja de Aranceles, seria enviado ao Congresso um projeto de lei de salvaguardas, compatível com as normas do General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) e da OMC, até o dia 6 de outubro de 1998. Além do mais, haveria a prorrogaçâo da Lei de Fomento à Irrigaçâo (Lei ne 18.450), por um prazo de dez anos, e a aprovaçâo de lei para garantir a implementaçâo de programa para recuperaçâo de solos degradados, no quai seriam aportados, no mínimo, US$ 90 milhöes anuais, a partir de 2001. Em caráter complementar ao acordo firmado em 1996, no quai o Executivo se comprometeu a repassar US$ 500 milhoes ao setor agrícola, estabeleceu-se um novo cronograma: em 1999, US$ 17 milhöes; em 2000, US$ 45 milhöes; em 2001 , US$ 50 milhöes, que serâo renovados nos anos seguintes. Esses recursos seräo aportados sob a forma de programas de apoio, compatíveis com as normas da OMC; em relaçâo as PMEs, a Corfo seria responsável pelo repasse de dois tercos dos recursos que eram aplicados no sistema de reintegro simplificado, e que agora seräo destinados a programas de fomento e apoio às PMEs. O cronograma de repasse dos recursos também foi definido: US$ 10 milhöes em 1999, US$ 20 milhöes em 2000, US$ 30 milhöes em 2001, US$ 40 milhöes em 2002 e US$ 67 milhöes em 2003, que seräo renovados nos anos seguintes.
Resumo
Poder Legislativo e Política Externa: Um Estudo sobre a Influencia do Congresso Nacional do Chile na Formulacäo da Política Comercial durante a Década de 1990
O senso comum indica que temas relacionados à política externa estäo restritos ao Poder Executivo. Essa percepçâo aumenta quando diz respeito aos países latino-americanos. O objetivo deste traballio, portanto, é questionar o senso comum, e averiguar se o Poder Legislativo chileno influencia no processo decisorio da política externa, apesar de contar com mecanismos institucionais pouco sofisticados - somente a atuaçâo ex post. O trabalho baseia-se na análise da atuaçâo do Congresso Nacional na formulacäo da política comercial, tendo como estudo de caso as negociaçoes dos Acordos de Complementaçâo Económica (ACE), que o Chile assinou durante a década de 1990, e as negociaçoes das duas votaçôes de reduçâo de tarifas, ocorridas em 199 1 e em 1998. Os resultados da pesquisa apontam que o Poder Legislativo é ator político relevante e capaz de influenciar o processo de formulacäo da política comercial.
Palavras-chave:PolíticaExterna-PolíticaComercial-Poder Legislativo - América Latina - Chile
Abstract
Congress and Foreign Policy: A Study on the Influence of the Chilean Congress on the Policy-Making Process of trade Policy during the 1990's
Conventional wisdom tells us that foreign policy-making is, normally, restricted to the Executive, a trend especially noticeable when in regard to Latin America. The aim of this essay, therefore, is to question such assumption, even thought the Chilean Legislature has at its disposal week institutional capacity-expost control. The argument is based on a thorough analysis of the Chilean Congress while dealing with trade policy , during the negotiations of the Economic Complementarity Agreements (ECA), undersigned by Chile during the 1990s, and on the discussions of tariff reductions, voted in 1991 and 1998. The research attempts to appoint the Legislative Branch as a relevant political actor, capable of influencing the policy-making of trade policy.
Keywords: Foreign Policy - Trade Policy - Congress - Latin America - Chile
*Artigo recebido em junho e aprovado para publicaçâo em agosto de 2007.
Notas
1. De forma objetiva, e incorrendo no risco da simphficaçâo, pode-se dizer que elas säo: a centralidade do Estado, a ênf ase nas relaçôes de poder e a percepçâo de que a anarquía é urna característica inerente à esfera internacional (MORGENTHAU, 1951; KENNAN, 1984; WALTZ, 1996).
2. Para se averiguar a existencia de trabalhos específicos sobre o Legislativo chileno e política externa (e política comercial), utilizou-se como referencias as seguintes fontes: a plataforma Cybertesis, que congrega mais de duas mil dissertacóes de Mestrado e teses de Doutorado (http://www.cybertesis.cl/) - Universidad de Chile (1350), Universidad Austral de Chile (397), Universidad de Concepción (102), Pontificia Universidad Católica (PUC) de Valparaíso (52) e Universidad del Bío-Bío (22); o sistema Scielo Chile (http://www.scielo.cl); a base de dados Proquest (http://www.proquest.com.br/); a Revista de Ciencia Política (1985-2006) (http://www.puc.cl/icp/revista/); o banco de artigos académicos da Latin America Research Review (http://larr.lanic.utexas.edu/search/); além do banco de trabalhos da American Political Science Association (APSA) (http://www.apsanet.org/), entre 2002 e 2006, do International Studies Association (ISA) (http://www.isanet.org/), entre 2000 e 2006, e da Midwest Political Science Association (MPSA) (http://www.indiana.edu/~mpsa/). Nos sites que disponibilizavam sistema de busca, foram inseridos os seguintes termos: Chile, Chilean Politics, legislative politics, legislativo, Congreso, Congress, Cámara de los Diputados, Senado/Chile, Chilean, foreign policy , política exterior/Chile, Chilean, trade policy e política comercial.
3. A expressäo "processo de ratificaçâo" deve ser interpretada em sentido ampio, pois se trata, tâo-somente, da aceitaçâo do acordo fechado no Nivel I por atores políticos domésticos do Nivel ? (PUTNAM, 1988, p. 436). 4. Esta e as demais citaçôes escritas originalmente em lingua estrangeira foram livremente traduzidas para este artigo.
5. O mecanismo de police patrol oversight representa a atuaçâo direta do Legislativo na fiscahzaçâo dos atos do Executivo e de suas agencias, enquanto o mecanismo de fire alarm oversight é urna açâo de forma descentralizada - ou talvez, menos ativa - por meio da atuaçâo conjunta com outros atores políticos interessados. A distinçâo é feita em um contexto no quai se debatía a eficiencia dos mecanismos de controle do Congresso norte- americano sobre o Executivo. McCubbins e Schwartz (1984, p. 166) argumentavam que, embora houvesse urna diminuiçâo da atuaçâo direta do Legislativo police patrol), optou-se por um meio mais eficiente, urna atuaçâo induzida por outros atores (fire alarm). Ou
seja, a falta de pò lice control oversight nâo representava perda de poder da instituiçâo legislativa.
6. De fato, paralelo ao reconhecimento das limitaçôes dos estudos produzidos durante a década de 1 990, e especialmente em razäo de estarem munidos de urna série temporal mais longa para ser analisada e de um maior numero de legislaturas para serem comparadas, novos estudos, com o enfoque específico sobre a ati vidade parlamentar, começam a emergir. Exemplos sao os trabalhos: sobre as comissöes mistas comisiones mixtas) do Congresso, elaborado por Alemán e Buitrago (2005); sobre os padröes de votaçâo no Senado, de John Londregan (2000; 2002); sobre os métodos de escolhas de candidatos ao Congresso e sua relaçâo com o Executivo, além de possíveis interferencias deste, de Siavelis (2002); sobre a dinámica da formaçâo de coalizöes, de Alemán e Saiegh (2006) e Carey (2002); ou sobre o poder de agenda e a relaçâo entre Executivo e Legislativo, de Alemán (2003) e de Aninat e Londregan (2006).
7. Para os padröes latino-americanos, este número é considerado alto, pois a média regional está abaixo de 40%. Isso poderia ser explicado pelo fato de que, no país, urna cadeira no Parlamento é o ápice da carreira política, urna vez que o Chile nao é urna federaçâo e a disputa pela administraçâo provincial nâo compete com a busca de urna vaga no Parlamento, como ocorre, por exemplo, na Argentina e no Brasil.
8. De acordo com o artigo I, seçâo 8, o Congresso detém o poder de criar e coletar taxas, tarifas, impostos; de pagar as dividas e de regular a defesa comum e o bem-estar geral dos Estados Unidos, além de regular o comercio com naçoes estrangeiras, e entre os demais estados.
9. A interpretaçâo desse dispositivo afetou diretamente a capacidade institucional do Poder Legislativo sobre a política comercial do Chile no inicio dos anos 1990, porque fez com que um dos principáis instrumentos de negociaçâo do país - os Acordos de Complementaçâo Económica (ACEs), negociados no ámbito da Associaçâo Latino-americana de Integraçâo (Aladi) sob o marco jurídico do Tratado de Assunçâo de 1980 (TA-80) - nao passasse pelo escrutinio do Congresso Nacional. Em decorrènda da interpretaçâo restritiva do art. 50 da Constituiçâo, entendia-se que os ACEs nâo precisavam da ratificaçâo, urna vez que o tratado em vigor seria TA-80 e eles teriam a mera funçâo de dar cumplimento ao acordo-marco.
10. Além do mais, a reforma constitucional introduzida pela Lei 20.050 acrescentou sete parágrafos ao antigo art. 50. Em relaçâo à questäo da regulaçâo e implementaçâo de tratados-marco, manteve-se a idéia original presente no ?9 1 anterior, permitindo que tratados que nâo abordem materias de lei sejam internalizados por meio de decreto, sem apreciaçâo do Poder Legislativo. Assim, com intuito de extinguir as ambigüidades do texto, adicionou-se o seguinte trecho: "Nao será requerida a aprovaçâo do Congresso no caso de tratados celebrados pelo presidente da República no exercício de seu poder regulatório" (CHILE, 2003). O segundo ponto que merece destaque diz respeito à obrigatoriedade de oExecutivo informar ao Congresso o conteúdo dos tratados antes de assiná-los. Dessa forma, o Congresso poderá por em pràtica outra atribuiçâo: apresentar reservas e declaraçôes interpretativas acerca dos tratados assinados pelo Executivo, considerado por muitos um avanço. O texto aponta que a instituiçâo poderá "sugerir" reservas, de forma que nao será obligatorio acatá-las. Por firn, definiu-se o quorum necessario para aprovaçâo de tratado internacional, que deverà seguir as regras estabelecidas no art. 66. As demais modificaçôes dizem respeito a procedimentos de derrogaçâo, suspensäo e modificaçâo dos tratados.
11. Esse mecanismo foi criado sob marco jurídico do Tratado de Assunçâo de 1980 (TA-80), que deu origem à Aladi. Seguindo os principios norteadores da Aladi, de promover a integraçâo regional de forma gradual e prezando pela flexibilidade dos compromissos comerciáis, os ACEs foram idealizados para permitir que os países signatarios pudessem ir além das metas estabelecidas, e aprofundassem a integraçâo de forma bilateral ou sub-regional, mas deixando sempre espaço para a adesäo negociada de outros paises-membros.
12. ACE-16, decreto 1495/1991; ACE-17, decreto 1569/1991; ACE-22, decreto 402/1993; ACE-23, decreto 421/1993; ACE-24, decreto 1535.
13. De forma resumida, previa-se no acordo a criaçâo de urna zona de livre-comércio em dez anos, mediante a adocäo de um programa de liberalizaçâo comercial aplicável aos produtos originarios dos territorios dos países signatarios. As desgravaçôes tarifarias eram progressivas e automáticas. A partir de Is de outubro de 1996, 90% dos produtos comercializados entre as partes já entrariam neste processo. Entretanto, o comercio de produtos agrícolas e de veículos automotores, além de urna lista de produtos sensíveis e doze anexos contendo exceçôes, passariam por processo de desgravaçâo diferenciado (Aladi, ACE-35).
14. À época, a coalizäo governista detinha 21 cadeiras (46,8%); a oposiçâo, 26 (55,3%). Vale ressaltar que, ao cálculo do numero de senadores da oposiçâo, somam-se os senadores designados, que, na maioria das vezes, acompanham o voto desta bancada (SIAVELIS, 2000; LONDREGAN, 2000).
15. Especialmente, o aumento de produtos na lista de exceçôes.
16. Os parlamentares trataram de informar que o ACE-35 nao era, simplesmente, urna implementaçâo do TA-80; que nao foi assinado pelas mesmas partes do TA-80, já que o Mercosul é pessoa jurídica e näo é signatario do acordo-marco; e que aborda materias que so podem ser reguladas por lei ordinaria.
17. Em coletiva à imprensa concedida pelos ministros da Fazenda, Eduardo Aninat, da Agricultura, Emiliano Ortega, e pelo presidente do Banco do Estado, Andrés Sanfuentes, para o lançamento de linha de crédito de US$ 100 milhöes para o setor, foi reafirmado que o governo se limitaria a programas de incentivo à agricultura, mas que näo estava disposto a aplicar medidas compensatorias, tal como a oposiçâo havia proposto.
18. De forma resumida, o ACE-38 contemplou a desgravaçâo de todo o comercio bilateral. De imediato, 2.600 produtos, 37,5% do total da pauta de itens comercializados éntreos dois países, atingiramO%. Outros 2.440 itens (ou 17% de produtos da pauta bilateral) atingiriam a liberalizaçâo em cinco anos. O restante ficou dividido entre tres listas, com liberalizaçâo total prevista para dez anos (729 itens/10,5%), quinze anos (270 itens/3,9%) e dezoito anos (24 itens/0,3%). Além do mais, o acordo previa o estabelecimento de cláusula de salva-guarda e deixou as portas abertas para avanços no setor de serviços e para o estabelecimento de mecanismo de proteçâo de investimentos. Durante as negociaçôes, a maior parte das críticas adveio da industria textil, mas, no geral, o acordo foi bem recebido pelo setor privado, nao havendo oposiçâo doméstica organizada, apenas críticas dispersas daqueles que esperavam maior abertura da economia peruana (DIPUTADOS..., 1998).
19. Os senadores Jorge Pizarro (PDC) e Hernán Larraín (UDI), bem como o deputado Edgardo Riveros (PDC), censuraram a demanda publicamente (DIPUTADOS..., 1998).
20. Por parte dos governistas, assinaram o protocolo de acordo os deputados Jocelyn-Holt (PDC), Andrés Palmas (PDC) e Gabriel Ascendo (PDC); entre os membros da Alianza, Rodrigo Alvarez (UDÌ), Gustavo Alessandri (RN) e Arturo Longton (RN).
21 . Vale ressaltar que essa reduçâo tarifaria diz respeito, tâo-somente, ao imposto de importaçâo. Outros impostos que atuam sobre os produtos importados, como, por exemplo, o Imposto sobre Valor Agregado (TVA), que é de 18% sobre o valor do bem, nao foram atingidos.
22. Com base nos dados fornecidos pelo Sistema de Tramitación de Proyectos del Congreso Nacional (http://sil.senado.cl/pags/index.html), nao foi possível ter acesso ao resultado das votaçôes na Cámara dos Deputados e no Senado, pois problemas técnicos impedem a leitura das sessöes parlamentares.
23. Manuel Antonio Matta (PDC), Marco Carióla (sem partido), Gabriel Valdés (PDC), Hosáin Sabag (PDC), Sergio Páez (PDC), Jorge Lavandera (PDC),
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Flavio Leäo Pinheiro**
??Mestre em Ciencia Política pelo Instituto Universitario de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e pesquisador do Observatorio Político Sul-americano (OPSA) do Iuperj. E-mail: [email protected].
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Copyright Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Jan-Apr 2008
Abstract
Conventional wisdom tells us that foreign policy-making is, normally, restricted to the Executive, a trend especially noticeable when in regard to Latin America. The aim of this essay, therefore, is to question such assumption, even thought the Chilean Legislature has at its disposal week institutional capacity-expost control. The argument is based on a thorough analysis of the Chilean Congress while dealing with trade policy , during the negotiations of the Economic Complementarity Agreements (ECA), undersigned by Chile during the 1990s, and on the discussions of tariff reductions, voted in 1991 and 1998. The research attempts to appoint the Legislative Branch as a relevant political actor, capable of influencing the policy-making of trade policy. [PUBLICATION ABSTRACT]
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