INTRODUÇÃO
O que ocorre quando instituiçoes "entram em declínio"? Embora sejam frequentemente observadas instituiçoes que näo desempenham as funçôes para as quais foram inicialmente criadas ou que sao criticadas por sua incoerência e inabilidade, esses aspectos näo vêm recebendo a dévida atençâo por parte da literatura institucional. Tal fato representa urna séria lacuna no estudo das instituiçoes, em especial das internacionais. Por näo focalizarem suficientemente os efeitos do declínio, autores de Relaçoes Internacionais (RI) geralmente desconhecem por que e como os países agem quando confrontados com problemas em dada configuraçào institucional, o que relega as dinámicas internas dos mesmos a um papel inferior.
No mínimo, sao dois os motivos principáis pelos quais o foco do debate se voltou com força para o declínio institucional. O primeiro lida com a dinámica das RIs enquanto disciplina. Sempre reativo a eventos externos, o campo de saber configurou-se enquanto projeto académico somente após a Segunda Guerra Mundial.
Muito embora o realismo fosse a vertente teórica prevalecente e a Guerra Fría tenha, desde cedo, dominado os estudos nesse campo, o mundo jamais havia visto, até aquele momento, tamanho esforço e recursos aplicados à construçâo de instituiçôes. A criaçào das Naçôes Unidas e das muitas organizaçôes que se seguiram motivou a impressäo, na época, de que instituiçôes poderiam ter efeito duradouro no mundo.
A expressäo "declínio institucional" permanecía ligada à derrota da Liga das Naçôes na década anterior. Era, afinal, um exemplo empírico de que instituiçôes poderiam entrar em declínio e, eventualmente, desmoronar. A explicacäo-padräo oferecida pelos realistas argumentava que a instituicäo näo poderia sobreviver pois, em primeiro lugar, nao representava na realidade os intéresses dos países envolvidos e, em segundo, porque era destituida de poder. A ausencia dos Estados Unidos e da Alemanna na Liga das Naçôes logo relegou a instituicäo à obsolescencia. Para os realistas, duas liçôes eram claras: era necessario estudar as relaçoes de poder presentes ñas instituiçôes para compreender seu funcionamento em vez de suas regras (que seriam objeto do "direito internacional"); e se o poder material näo estivesse envolvido na construçâo da instituicäo, esta näo duraría
Essa ênfase no realismo impediu por um extenso período o estudo sistemático das instituiçôes internacionais. A crença na irrelevância destas para a política internacional persistili ao longo de boa parte da Guerra Fria corno o posicionamento principal do campo. O interesse pelas instituiçoes ressurgiu somente na década de 80.
O segundo motivo pelo qual o estudo do declínio institucional foi posto de lado se apresenta, paradoxalmente, pela ascensäo do proprio institucionalismo. A publicaçâo de After Hegemony, por R. O. Keohane (1984), bem corno a produçào subséquente a respeito de instituiçoes, voltavam-se para as condiçôes sob as quais as instituiçoes poderiam ser criadas e sobreviver em um mundo anárquico e em um sistema de self-help. As análises concentravam-se majoritariamente no porqué e corno as instituiçoes foram criadas e especificavam condiçôes para sua sobrevivencia. Os institucionalistas argumentavam que elas eram importantes per se, pelo fato de fornecerem informaçôes, reduzirem os custos de transaçào e emprestarem maior credibilidade aos acordos idem). A esta altura, havia urna compreensivel pressäo para superar as análises realistas que se preocupavam com o declínio hegemônico e o desequilibrio de poder (Gilpin, 1981) e para focalizar os efeitos das instituiçoes.
Aplicando os estudos do entâo chamado "novo institucionalismo" na economia, os institucionalistas também auxiliaram no desenvolvimento de urna teoria adulta da resiliência institucional. Segundo eles, as instituiçoes säo "pegajosas" pois criam intéresses múltiplos e dividem os custos e beneficios políticos de diversas formas, o que conduz a alteraçôes na estrutura de incentivos dos atores (Keohane, 1 984). Em estudos recentes, tal característica pode, inclusive, ser empregada estratégicamente a firn de garantir resiliência após o enfraquecimento do poder dos criadores e idealizadores das instituiçoes (Ikenberry, 2001). Essa ênfase no funcionamento das instituiçoes deixou de fora varios questionamentos interessantes acerca de seu declínio e ocaso1.
Entretanto, há mais de trinta anos, o economista Albert Hirschman (1970) propos urna teoría parcimoniosa para explicar tal fenómeno. Segundo ele, os economistas falharam em perceber que o conjunto da economia näo apresentava um desempenho ótimo em razäo de sempre haver urna "folga" na produçào das firmas, da mesma forma que, contrariando as crenças dos economistas, o declínio daqualidade da produçào económica nao significa, necessariamente, a morte da firma. Nesse caso, existem tres possibilidades disponíveis para o consumidor: saída, voz ou lealdade. A saída é o canal mercadológico tradicional (e mais barato) pelo qual o consumidor simplesmente para de consumir de determinada firma, optando por outra (idem:4). A voz é o canal político tradicional (e também o mais caro), por meio do qual o consumidor "dá voz" à sua insatisfaçào em relaçào à firma com esperança de ser ouvido (ibidem). A última opçào, lealdade, é a incapacidade de (ou inadequaçào da) saída ou voz. Significa a aceitaçào passiva do declínio na qualidade e a esperança de que, ao näo abandonar a firma, a situaçào irá, eventualmente, memorar (idem:77).
Quando aplicado às instituiçôes internacionais, o modelo de Hirschman pode produzir resultados interessantes. O sistema internacional é notorio por sua atmosfera conducente à "folga" institucional. As assimetrias de poder e informaçào dentro e fora das instituiçôes criam a possibilidade de declínio em sua "qualidade" - crises internacionais podem causar a diminuiçào (ou até mesmo ainterrupçào) da circulaçào de informaçôes, o aumento nos custos de transaçôes e, inclusive, a complacencia no monitoramento das instituiçôes, conforme ocorreu anteriormente.
Nas instituiçôes internacionais, cada alternativa apresenta um custo diferente dependendo do poder. Por exemplo, contrariando o modelo de Hirschman, a opçào de saída traz custos muito elevados para todos os envolvidos em instituiçôes internacionais. A saída pode ser extremamente dañosa e detém conotaçôes diferentes das de umainterpretaçào económica. Alguns países, todavía, podem ter a capacidade de sair. Dada a posiçào de poder que os Estados ocupem dentro das instituiçôes, é possivel designar "preferencias" em caso de declínio na qualidade dos serviços institucionais.
Este artigo irá abordar a forma pela qual os Estados fortes se comportami ñas instituiçoes em declínio. Partindo da premissa de que eles sao os únicos capazes de apresentar ameaças com credibilidade - o que significa urna opçao crível de voz - a outros membros da instituiçào, seu estudo é central para compreendermos a dinámica institucional. Além disso, o fato de Estados fortes serem detentores da capacidade de saída confere-lhes a vantagem do primeiro movimento ou, segundo a terminologia de Gruber (2000), de urn "go-it alone power" reverso.
O objetivo deste estudo é entender as mudanças dentro da instituiçào a partir da ameaça de saída. Ao estudar a saída e a ameaça de saída, pretendo avaliar seu impacto ñas mudanças institucionais e compreender melhor algumas das dinámicas presentes em urna instituiçào em declínio. Identificada a preferencia assumida por Estados fortes, é esperada a observaçào empírica de certas dinámicas. Se a teoria se provar correta, espera-se perceber que a ameaça de saída dos Estados fortes (suas vozes) pode aumentar a possibilidade de mudança institucional. Quando Estados fortes ameaçam sair de urna instituiçào, esperamos observar mudanças no interior desta, especialmente se estes forem os seus principáis contribuintes e/ou criadores. Similarmente, esperamos distinguir também tres fases diversas dessa mudança após o inicio do processo de declínio da instituiçào: voz "pura", a ameaça de saída e a saída em si.
A firn de alcançar tal objetivo, apresentarei tres estudos de caso para compreender o impacto para a instituiçào da ameaça de saída, se há ou nao algum impacto. Estes nao serào de natureza quantitativa, pois este artigo propôe a criaçào de urna nova forma de se pensar as dinámicas internas das instituiçoes em declínio e nao testar a teoria em varios casos. Mariterei o foco na descriçào dos casos, mostrando como as ameaças foram levadas a cabo e analisando seus efeitos.
A firn de enfatizar a atuaçâo dos Estados "fortes" dentro das instituiçôes, o foco empírico deste estudo seräo os Estados Unidos pos-Segunda Guerra Mundial. Seräo levados em consideraçào très estudos de caso:
(1) o comportamento dos EU A em relaçao à UNESCO (Organizaçao das Naçôes Unidas para a Educaçao, a Ciencia e a Cultura);
(2) o comportamento dos EU A em relaçao à UNCTAD (Conferencia das Naçôes Unidas sobre o Comercio e o Desenvolvimento); e
(3) o comportamento dos EU A em relaçao à UNIDO (Organizaçao das Naçôes Unidas para o Desenvolvimento Industrial).
Primeiramente, introduzirei a teoria por tras do modelo e descreverei seu funcionamento. A teoria de Hirschman será apresentada e irei modificá-la. A estrategia de ameaças com credibilidade será apresentada e a hipótese especificada. Em seguida, voltar-me-ei para os casos empíricos e farei urna descriçào de cada urn em separado, o que nos permitirá a aplicaçào pràtica do modelo, bem como iluminará os insights lá coñudos. Por firn, chegarei a algumas conclusôes, avaliarei as incongruencias e fainas do modelo e identificarei outras possíveis aplicaçôes para ele.
UMA TEORIA DA DINÁMICA DO DECLÍmiO
Saída, Voz e Lealdade de Hirschman
Em seu livro de 1970, Albert O. Hirschman desenvolveu a teoria da "dinámica do declínio institucional". Ele inicia sua argumentaçào atentando para que, contrariamente as expectativas dos economistas clássicos, as firmas näo têm desempenho ótìmo o tempo todo. De acordo com esses economistas, se há um declínio na qualidade de produçao de urna firma, o mercado se certificará de que esta näo sobreviva - qualquer lapso é punido com morte (idem:9). Tal raciocinio cria urna falsa dicotomia: a firma deve estar produzindo no máximo de sua capacidade (em qualidade) o tempo todo a firn de näo ser eliminada. Dessa forma, economistas clássicos simplesmente ignoram o fato de que tais firmas podem enfrentar "lapsos temporarios" ou "folga organizacional" (idem:2,ll). Conforme afirma Hirschman, "de fato, próximo ao modelo tradicional de economía permanentemente esticada, começam a apresentar-se disponíveis elementos de urna teoria da economia com folga" idem: 10).
A "folga" pode näo ser urna opcäo ruim. Eia poderá desempenhar algumas importantes funçôes latentes como, por exemplo, servir de força reserva para aumentar e melhorar a produtividade em períodos de crise aguda. Se a firma tivesse um desempenho ótimo o tempo todo, poderia näo encontrar recursos para a sobrevivencia em caso de choque externo ou problema interno. A respeito de sua visäo das instituiçoes, Hirschman confessa que:
"[...] esse pessimismo radical, que entrevé a decadencia como urna força ubíqua sempre no ataque, géra sua pròpria cura, pois enquanto a decadencia, conquanto conspicua em determinadas áreas, difícilmente está no comando indisputado a todo tempo e em todo lugar, é provável que o proprio processo de declínio ative determinadas forças de contençào" idem: 15).
Se as firmas enfrentam períodos difíceis e a qualidade produtiva entra em declínio, como explicar a recuperacäo das mesmas de tempos em tempos? Quais säo os mecanismos que previnem o colapso ou a quebra completa e elevam as firmas ao seu grau prèvio de produtividade? Hirschman identificou très principáis mecanismos pelos quais a recuperacäo pode ser ativada: saída, voz e lealdade.
A primeira opcäo - saída - ocorre quando "alguns consumidores param de comprar os produtos da firma ou alguns membros deixam a organizaçào" (idem:4). A segunda - voz - acontece quando "os consumidores da firma ou os membros da organizaçào expressam insatisf açâo diretamente à gerencia ou a alguma outra autoridade à quai a gerencia esteja subordinada, ou por meio de protesto generalizado endereçado a qualquer um que queira escutar" (ibidem). A opçào final - lealdade - ocorre quando "um membro que tenha considerável ligaçào a um produto ou organizaçào busca tornar-se influente, principalmente quando a organizaçào se mover no que ele considerar a direçào errada" (idem:!!).
Enquanto a saida é organizada, impessoal, indireta e apresenta baixo custo (idem:15-16), a voz é desordenada, pessoal, direta e apresenta custos mais elevados (idem: 16). Ambos os mecanismos, de certa forma, apresentam duas formas de reaçào ao problema. Urna é o carni - nho do mercado: ao jogar de acordo com suas regras, é simples e fácil encontrar urna soluçào posto que a açâo individual é o único fator necessario. A outra é "a açâo política por excelencia" (ibidem): esta requer tempo, paciencia, risco e as armadilhas dos "problemas de açâo coletiva". Também é verdade que as forças de mercado, assim como a política, interagem o tempo todo.
A voz pode ser tanto um complemento quanto um substituto da saída. Entretanto, seu uso tem limites. Conforme demonstrado por Hirschman,
"[...] se as condiçôes forem tais que o declínio leva à voz em vez da saída por parte dos membros consumidores descontentes, entào a efetividade da voz irá aumentar, até determinado ponto, com seu volume. Mas a voz se assemelha à saída urna vez que as duas podem ser exageradas: os consumidores ou membros descontentes podem se tornar tao atormentadores que seus protestos iriam, em determinado momento, atrapalhar mais que ajudar quaisquer esforços feitos em relaçào à recuperaçào" (idem:3l).
Quais säo, entäo, as condiçôes para o uso da voz? Geralmente, membros-consumidores empregam a voz sempre que a opçào de saída nao está disponível. De fato, "a presença da alternativa de saída pode, por conseguirne, levar à atrofìa do desenvolvimento da arte da voz" (idem:43, ênfases no originai). Além do mais, ao empregar a voz, os membros-consumidores podem permanecer caso acreditem poder contribuir para a salvaçào da organizaçào, ou caso sejam muito liga- dos a eia. Alguns permaneceräo por questäo de lealdade e iräo "so- fter em silencio, confiantes de que, em breve, tudo irá melhorar" (idem:3S). A opçào de lealdade é, dessa forma, urna tentativa deses- perada de salvar a organizaçào quando a saida nào é possivel ou pra- ticável e a voz nao surtiu efeito algum - eia é, na verdade, rudo o que resta.
Outra condiçào para o emprego da voz é a capacidade de organiza- çào. Por ser custosa, segundo a visào de Hirschman, a voz irá ter me- lhor desempenho se restrita a pequeños grupos. De acordo com o problema de açào coletiva de Olson (1965:22), grupos pequeños sao menos inclinados a softer dilemas organizacionais e podem superar problemas de açào coletiva com menor dificuldade.
Hirschman prossegue diferenciando os tipos de consumidor. A vari- açào encontra-se nos recursos que cada um dispôe, na sua dependen- cia em relaçào ao produto ou serviço produzido pela organizaçào e na noçào de "qualidade" que possuem. Tais diferenciaçôes geram a di- nàmica dentro das organizaçôes a partir do momento em que entram em declínio.
Em virtude de alguns membros deterem mais poder que outros, eles têm urna poderosa ferramenta à sua disposiçào: a ameaça de saida (Hirschman, 1970:55). Ao ameaçarem sair, os membros detentores de recursos podem realmente amplificar suas vozes ao reclamar a respeito da qualidade da produtividade institucional. Conforme Hirschman (idem:S5) declara, "as chances de um efetivo funciona- mento da voz como mecanismo de recuperaçào sao consideravel- mente reforçadas se essa for apoiada por urna ameaça de saida feita abertamente ou subentendida por todos os autores envolvidos" (ibidem).
Schelling e as "Ameaças com Credibilidade"
Em 1960, Thomas C. Schelling escreveu um livro a respeito de urna nova área de estudos que rotulou de "a estrategia do confuto" ou "a teoria das decisôes interdependentes" (1980:3, 16). Segundo ele, a "estrategia" näo era empregada no sentido militar, mas preocupava-se "com a exploraçao da força potencial" (idem:5). Ao estudar a pràtica de barganhas, Schelling percebeu que a propria aplicaçao do poder era nada mais que a faina em negociar. Caso determinada barganha se desenrolasse da forma correta, as conseqiiências seriam menos negativas já que a melhor viteria é aquela em que näo há luta. Existe, portanto, urna diferença primordial "entre a aplicaçao de poder e a ameaça de poder" (idem:9).
Schelling preocupava-se com a questäo da dissuasäo, que só poderá ser efetiva caso haja ameaça envolvida e a disposiçào de levá-la a cabo caso todo o restante venha a falhar, ou caso o oponente näo obedeça. Para o autor, também estava claro que havia urna ironia envolvida ñas ameaças: se vivêssemos em um mundo desprovido de incertezas (onde soubéssemos que toda e qualquer ameaça seria automaticamente cumplida), provavelmente prevalecería a paz. No entanto, como näo é possível saber o futuro, ou ter qualquer certeza a respeito do cumplimento das ameaças, os atores iräo sempre querer testar os limites do possível (Schelling, 1966:92-93). Aquí reside o maior perigo da estrategia de confrontaçao política, como, por exemplo, a manipulaçao do "risco compartilhado de guerra" (idem:99).
Ainda segundo as idéias de Schelling, é imprescindível que, quando urna ameaça é feita, a pessoa responsável tenha disposiçào para cumpri-la caso suas exigencias näo sejam atendidas. O autor evidencia que näo se pode prometer de "provavelmente" cumplir a ameaça. Se há alguma chance de quem demanda näo tornar efetiva sua promessa, os incentivos ao desrespeito das exigencias seräo grandes demais e a ameaça tornar-se-á inútil como dissuasäo (Schelling, 1980:14; Fearon, 1 997 : 69-70). O blefe também pode tornar-se urna aposta extremamente cara se o oponente pagar para ver as cartas.
Para Schelling, "a ameaça nada mais é do que o comunicado dos incentivos próprios, destinados a imprimir na outra parte as conseqüencias automáticas de seu ato" (1980:35). Estadefiniçào é precisa no sentido de que urna ameaça carrega consigo o poder. Näo importa se é sua intençâo ferir seu oponente ou näo. O que importa é fazê-lo acreditar em sua ameaça (Schelling, 1966:36). A essência da diplomacia está contida nesse quadro em que ocorrem ameaças e barganhas igualmente entre inimigos e aliados. Ameaças também estäo ligadas à reputaçào. Cada vez que alguém faz urna ameaça, sua reputaçào está diretamente envolvida. Como a maioria das relaçôes internacionais está baseada em interaçôes repetidas entre os atores, é importante que se mantenha a reputaçào de negociador duro e implacável ao cumplir suas ameaças e, até mesmo, irracional (como na teoría do "homem-bomba")2.
Assim como ele havia demonstrado, a credibilidade é a essência das ameaças efetivas. Se um Estado nao pode apoiar seu discurso com atos, entäo seus discursos nao têm efeito. Urna conseqiiência é derivada desta afirmativa: se um Estado nao possui recursos para manobrar, entäo näo poderá ameaçar fazê-lo. Contudo, se possuir os recursos, irá usar ameaças como instrumento de barganha e, se necessario, irá cumpri-las até o firn. O blefe é sempre possível, porém as conseqüencias podem ser terríveis para a reputaçào de um Estado.
Um Modelo de "Ameaça de Saída"
Traduzir o modelo de "saída, voz e lealdade" de Hirschman para as Relaçôes Internacionais pode ser interessante e produtivo. Outras tentativas de empregá-lo na área f oram voltadas para a integraçào européia e as dinámicas internas à Uniäo Européia (UE) (dois exemptas säo Schneider e Cederman, 1994 e Weiler, 1999). Existem, no mínimo, très razôes pelas quais os estudos de Ris deveriam tentar fazer uso desse quadro.
Primeiro, é urna forma elegante e parcimoniosa de explicaçào. Os très conceitos de Hirschman podem ser aplicados, com o devido cuidado, a urna vasta gama de instituiçôes, de firmas em um mercado até organizaçôes altamente institucionalizadas, assim como a Uniäo Européia e as Naçoes Unidas. Os conceitos säo suficientemente claros para produzir hipóteses justificáveis e säo suficientemente abrangentes para permitir a interaçao entre eles. Existe aínda a possibilidade de serem transformados em jogos complexos, se necessario (Schneider e Cederman, 1994).
Segundo, a idéia de economia com "folga" pode ser facilmente traduzida para urna descriçao do sistema internacional. Neste plano, o nivel de institucionalizaçao é baixo e a anarquía prevalece (Krasner, 1999:51). As instituiçôes säo formadas com o propósito de mitigar a anarquía e garantir que a cooperaçao seja efetiva e sustentável (Keohane, 1984). No entanto, ao operar nesse tipo de ambiente, as instituiçôes säo sempre ineficientes; elas näo podem produzir de forma ótima o tempo inteiro, pois o nivel de incerteza é por demais alto e säo afetadas diretamente por mudanças no poder. Pode-se até mesmo afirmar que o declínio na qualidade dos resultados das instituiçôes näo é um evento raro; na verdade, tal fato ocorre a cada grande crise no sistema.
Por firn, recorrer ao modelo de Hirschman e adaptá-lo pode iluminar os efeitos das diferenças de poder dentro das instituiçôes. Embora este artigo näo vá tratar diretamente desta questäo, o modelo pode prover hipóteses válidas a respeito de como se dá a interaçao entre diferentes atores com diferentes recursos em um plano institucionalizado de disputa. Nas instituiçoes, dependendo das regras e procedimentos destas, e sob certas circunstancias, Estados com menos recursos de poder podem, por vezes, vencer (Schelling, 1980:22).
A questäo do "declínio" deve ser definida desde o inicio. Declínio, nesse modelo, está relacionado a dois fatores: excesso de pontos de veto ou mudança de orientaçào de seus objetivos primordiais. O primeiro fator ocorre quando a representaçào atrópela a eficiencia. Ao aumentar em tamanho ou quantidade de regulamentos, a instituiçào começa a perder sua eficacia, logo "declinando em qualidade". O segundo fator lida com conseqiiências näo intencionáis. Por vezes, em virtude de razôes endógenas ou exógenas, a instituiçào muda seu papel inicial para um que seja diferente daquele para o quai foi criada. Nesse modelo, nao há tentativa de explicar o "declínio", por que ocorre ou de onde vem.
De acordo com o modelo aquí apresentado, ao olharmos para os Estados dentro das instituiçoes em declínio podemos observar que, dependendo dos recursos de que o Estado disponha, suas opçôes de açào sao diferentes. Assim como os diferentes membros-consumidores no exemplo de Hirschman, os países variam enormemente em suas condiçôes e desejos de pertencer a instituiçoes. Ao estabelecer essa diferenciaçâo e ordenando suas "preferencias", algumas hipóteses podem ser formuladas.
Existem très categorías de Estados dentro das instituiçoes: Estados fortes, Estados intermediarios e Estados fracos. Estados fortes sao, geralmente, hegemônicos - investem em recursos e prestigio ao estabelecerem instituiçoes e, frequentemente, assumem urna grande parte dos custos envolvidos na manutençào destas. Possuem "espaço de manobra", o que significa que detêm o poder de impor custos e distribuir recompensas. Também possuem "go-it-alone power", que expressa que podem alterar o status quo e definir novos payoffs para Estados mais fracos (Gruber, 2000). Estados fortes sao parte fundamental do funcionamento de urna instituiçao. Ao participarem de forma plena, legitimam seu poder ao demonstraren! comedimento e ao conferirem significado as regras institucionais (Ikenberry, 2001:53-61).
Estados intermediarios representam urna categoria mais ampia. Seu poder é relativo à instituiçao que ocupam - é relacional, condicional e circunstancial. Têm incentivos para carona e para participar da instituiçao criada pelo país hegemônico. Podem também colher os beneficios de pertencer a um acordo institucional, seja um regime ou urna organizacäo multilateral (Martin, 1992:777-778). Aopermanecerem na instituiçao, eles reduzem os custos de transacäo, aumentam seus niveis de informacäo e detêm maiores garantías contra fraudes. No entanto, o maior beneficio por serem membros de urna instituiçao é o nivel reduzido de incerteza.
Estados fracos sao geralmente aqueles que têm tudo a ganhar ao pertencerem a instituiçôes. Para estes, a vida fora das instituiçôes é "solitaria, pobre, cruel, brutal e breve", pois quase nao têm espaço político para ocupar. Por dependerem com freqiiência de ajuda externa a participaçào significa ter ao menos um papel legitimador e a possibilidade de exercer o mínimo de voz. Para alguns, a participaçào em si é fundamental, pois o reconhecimento internacional geralmente está atrelado a eia (Jackson, 1990). Nos termos de Hirschman (1970:77-79), eles sao os "consumidores leáis".
As preferencias dessas tres categorías de Estados, no caso de declínio de urna instituiçao, podem ser representadas da seguinte forma:
Estados fortes: VOZ > SAÍDA > [LEALDADE]
Estados intermediarios: VOZ > LEALDADE > SAÍDA
Estados fracos: LEALDADE > VOZ > SAÍDA
Para os Estados fortes dentro das instituiçôes, a voz pode ser um poderoso dispositivo. Se empregada como urna ameaça de saída, pode ter um efeito poderoso comò instrumento de barganha (¿fem: 82; Schelling, 1980; 1966). De qualquer forma, para que urna ameaça tenha credibilidade, o Estado que a profere tem que estar pienamente preparado para levá-la a cabo caso suas exigencias näo sejam cumplidas, mesmo que as conseqiiências sejam indesejáveis, pois senäo sotrera humilhaçào e danificará sua reputaçào. Todavía, caso a ameaça näo surta efeito, a saída efetiva é a soluçào, "esvaziando", dessa forma, a instituiçào de poder (Krasner, 1985). A saída pode se dar de diferentes formas, näo necessariamente significando urna retirada oficial da instituiçào. A suspensäo de ajudafinanceira à instituiçào também pode representar urna saída, por exemplo. A voz, da mesma forma, pode ser vista de maneira diferenciada: pode ser o que chamaría de "protesto puro" ou aprópria ameaça de saída. Finalmente, a lealdade à instituiçào só deve ser esperada de um Estado forte se a instituiçào está funcionando de forma ótima ou logo após ter sido criada (Ikenberry, 200 1)3.
Para Estados intermediarios, a voz é a opçào preferida em caso de declínio. Eles nao podem arcar com a saída, pois, ao fazê-lo, renunciam a um ambiente mais previsível e se arriscam a se transformar em presas para o "poder bruto" dos fortes. Conquanto estejam cientes de que a distribuiçào dos ganhos é desviada favoravelmente para os países mais fortes, a saída da instituiçào é sempre apior opçào. De forma geral, quando as instituiçoes sao assimétricas, os Estados intermediarios sao frequentemente parte do que Martin (1992) conceituou como um "jogo de persuasào", pois têm incentivos à carona. A lealdade é sua segunda opçào, pois "permanecer em silencio" ainda é melhor que a saída. Portante, Estados intermediarios têm duas opçôes: "colonizar" a instituiçào, tentando se conformar aos objetivos desta (Krasner, 1985), ou permanecer leal e à espera de beneficios de alinhamento (bandwagoning) (Schweller, 1994).
Em relaçào aos Estados extremamente fracos, esperar-se-ia lealdade como primeira opçào. Embora fosse urna boa idéia escolher a voz em vez da lealdade, estes Estados preferem seguir a máxima que diz: "se näo pode vencê-los, junte-se a eles". Expressar a voz pode ser urna opçào custosa que os Estados fracos possam näo ter capacidade de suportar. Assim como para Estados intermediarios, a saída também é a pior opçào para Estados fracos.
Ao analisarmos suas preferencias, em um contexto de declínio institucional, torna-se evidente que a ameaça de saída com credibilidade sópoderá serfeitapor um Estado forte. Tanto os Estados intermediarios quanto os Estados fracos receiam a saída, pois têm mais a perder que a ganhar. De acordo com tal logica, poder-se-ia esperar que a ameaça de saída por Estados fortes (i.e., a voz destes) pode aumentar a possibilidade de mudança institucional. Há também urna analogia com o modelo de jogos de dois níveis de Putnam, no quai a restriçào de chances de ganho de algum ator poderá incrementar sua posiçào de negociaçâo (Putnam, 1988).
Como advertencia, é necessario atentar para o fato de que as instituiçoes sao diferentes. Embora considerado um truismo, o fato de a Uniâo Européia ser urna insti tuiçào muí to mais dividida em carnadas e interconectada que um simples regime, por exemplo, tem implicaçôes para essa teoria. Dependendo da profundidade da instituiçào, os resultados podem mudar dramáticamente. Ademais, existe um determinado ponto em que as ameaças de saída näo têm mais credibilidade, até mesmo para Estados fortes. Ao definir preferencias, estou assumindo que todos os Estados envolvidos na instituiçào se preocupam com a sua continuidade e reforma.
Quando Estados fortes se tornam insatisfeitos com a instituiçào à quai pertencem, podem tentar mudá-la ameaçando saída. Caso tal acontecesse, seriam esperadas mudanças antes que o Estado forte realmente saísse da instituiçào. No entanto, é preciso diferenciar tres fases que ocorrem nesse processo. Sao elas:
1) "Voz Pura" - fase em que o Estado forte utiliza apenas o "protesto puro" para exprimir seus intéresses (tendo custo limitado e demonstrando sua insatisfaçao em relaçào à instituiçào);
2) "Ameaça de Saida " -fase em que o Estado forte, ao ameaçar salda, aumenta a força de sua voz; e
3) "Saída " - fase em que o Estado forte efetivamente sai da instituiçào.
Urna simples "árvore de jogo" (game tree) (Figura 1) pode ser utilizada para representar esses estágios ou fases. Entretanto, o problema com urna representaçào teórica de jogo, neste caso, é a difícil especificaçào do outro jogador. Embora este possa ser denominado de "a instituiçào", ainda é necessario assumir que esta pode ser vista como um ator unificado racional e propositivo, fato passível de debate. Todavía, urna árvore pode esclarecer como se dá o processo.
Isto nos prove um quadro básico para melhor compreendermos a dinámica de Estados fortes em instituiçoes em declínio. Ao focalizar Estados fortes, temos variaçôes suficientes para estudar mudanças. Visto que alego a impossibilidade de Estados intermediarios e fracos apresentarem ameaças com credibilidade, apenas os fortes seräo estudados. Adicionalmente, ao manter constante o Estado em análise, posso entender melhor os resultados e facilitar a comparaçào entre os casos.
Na próxima parte deste artigo, irei lidar com diferentes estudos de caso descreyendo as açôes dos Estados Unidos em relaçào a determinadas mstituiçôes com as quais se mostraraminsatisfeitos. Esse proximo passo permitirá um melhor entendimento do processo e irá destacar as peculiaridades de cada negociaçào.
OS ESTADOS UNIDOS EM INSTITUIÇÔES EM declìvio
Os Estados Unidos saíram da Segunda Guerra Mundial com poder relativo sem precedentes. A industria e a agricultura européias encontravam-se destruidas após a guerra e, em especial, a Russia - que se tornou o outro polo militar no sistema - sofreu pesadamente as conseqüencias de ser um dos principáis palcos daquela. O poder relativo dos Estados Unidos refletiu-se nos arranjos institucionais do pós-guerra (Dcenberry, 2001).
A maior instituiçâo forjada nos estabelecimentos do pós-guerra foram as Naçôes Unidas. Apoiada por urna rede de regimes económicos, assim como o Banco Internacional para Reconstruçào e Desenvolvimento (BIRD), o Fundo Monetario Internacional (FMI) e o Acordo Gérai de Tarifas e Comercio (GATT), as Naçôes Unidas eram a cristalizaçâo da nova ordern liberal mundial. Segundo Krasner (1985:61), "esses objetivos eram um reflexo dos intéresses e valores americanos". Ao demonstrarem o que Dcenberry denomina de "contençâo estratégica" e ligando-se a urna pletora de instituiçôes, os Estados Unidos ajudaram a moldar o mundo (ocidental) à sua imagem (Dcenberry, 2001).
Krasner apresenta dois motivos pelos quais os Estados Unidos investiram em instituiçoes internacionais após a guerra. O primeiro é que:
"[...] em relaçào ao poder, as organizaçôes internacionais sao instrumentos úteis para um Estado hegemônico, pois podem ajudar a encobrir a dominacao. [...] Devido ao fato de que o endosso das instituiçoes internacionais pode aumentar a legitimidade, [as organizaçôes internacionais] podem ser instrumentos úteis para um Estado hegemônico que goza de controle defacto mas nao de jure" (1985:62).
O segundo motivo, diz Krasner,
"[...] foi o estilo e a experiencia histórica da América. [...] Os "policymakers ' estavam determinados a que os Estados Unidos jamais se abstivessem novamente de um papel ativo no cenano internacional. Para alguns, as organizaçôes internacionais eram vistas até mesmo como urna alternativa as políticas de poder" ibidem).
Contrariamente à Primeira Guerra Mundial, quando os Estados Unidos nao se empenharam ativamente na formulaçào de urna nova ordern mundial, o objetivo em 1945 era participar tanto quanto possível, i.e, influenciando ao ajudar a formular, implementar e manter a estrutura institucional global tida como legítima pela comunidade internacional.
Desde a sua fundaçâo existem très níveis ñas Naçôes Unidas: o primeiro é o Conselho de Segurança, composto por quinze membros (com cinco assentos permanentes), que basicamente representava o equilibrio (a balança) de poder no final da Segunda Guerra Mundial. Há um controle relativo das decisôes pelos cinco grandes, pois os membros permanentes têm poder de veto. O segundo nivel é a Assembléia Geral, na qual cada país detém um voto. A Assembléia Gérai é o corpo representativo das Naçôes Unidas no qual todas as decisôes tomadas por aqueles nela representados possuem apenas poder de recomendaçào. O terceiro nivel das Naçôes Unidas é o Conselho Econòmico e Social, que controla as agencias especializadas e os varios fundos e programas. Com diferentes historias e composiçôes variadas, essas agencias e programas representam "issue areas" e lidam com questôes desde direitos humanos à propagaçào da AIDS.
Quando da sua criaçâo, a Organizaçâo das Naçôes Unidas (ONU) tinha 51 membros. Após a guerra, vastas regiôes da África e da Asia aínda estavam sob dominio colonial, o que as desqualificava como Estados soberanos e, conseqüentemente, de participar das Naçôes Unidas. Entretanto, o processo de descolonizaçào que se desenvolveu nos trinta anos seguintes iría transformar profundamente o perfil das instituiçôes, bem como seus objetivos.
O processo de descolonizaçào iniciado na década de 50 e continuado ñas décadas seguintes alterou a composicäo das Naçôes Unidas. Ao passo que mais e mais países se tornavam independentes, arepresentaçào aumentou consideravelmente. Com a demanda por programas sociais e de desenvolvimento reprimida, os novos países independentes começaram a participar ativamente.
Ao longo do tempo, a estrutura burocrática da ONU expandiu-se. Varias agencias especializadas foram criadas por Estados-membros com a finalidade de promover urna série de objetivos que nao estavam incluidos em suas metas iniciáis. Esse movimento progressivo em direçào a urna maior burocratizaçào trouxe consigo urna série de reclamaçôes dos Estados Unidos, que se viam progressivamente em minoría e vencidos em votaçôes dentro da instituiçâo. Em determinadas agencias especializadas, por exemplo, houve urna explosäo de ativismo de países do Terceiro Mundo que apoiaram a reforma do sistema com a finalidade de garantir mais voz ñas políticas de desenvolvimento.
Quais foram as condiçôes que levaram a esse processo? Krasner aponta très fatores que influenciaram esse ativismo do Terceiro Mundo: o triunfo do principio de igualdade soberana de Estados; maior acesso às áreas de formulaçâo de decisòes das instituiçoes; e o soerguimento e desenvolvimento de um sistema de pensamento coerente a respeito do papel dos países em desenvolvimento nas relaçoes internacionais (Krasner, 1985:72, 75, 81). Esses fatores combinados foram instrumentais na onda de participaçao e redirecionamento das agencias na década de 70.
Urna outra parte da explicaçâo reside no declínio relativo da hegemonía norte-americana na década de 70. A Guerra do Vietnä, o escándalo Watergate e dois choques do petróleo pesaram na participaçao dos Estados Unidos na política mundial em conjunto com a reemergéncia de urna Europa forte e um Japäo economicamente revigorado. Ademais, com urna China fortalecida aproximando-se dos EUA e o fortalecimento do Movimento dos Näo-Alinhados, a Uniäo Soviética percebeu sua posiçâo como sendo problemática. Tal cenário abriu caminho para urna participaçao mais assertiva de Estados intermediarios e fracos no sistema das Naçôes Unidas e para a subséquente necessidade de reformas no mesmo (idem).
Lido com casos das décadas de 70 e 80, e considerando cada um em separado, demonstrarei os motivos dos EUA para ameaçarem com saída as instituiçoes e se tais ameaças foram ou näo efetivas.
Os EUA e a UNESCO
Os EUA anunciaram oficialmente sua intençâo de sair da UNESCO em 23 de dezembro de 1983 (Coate, 1988:3), mas levaram mais de um ano para efetivamente afastarem-se da instituiçào. De acordo com a posiçâo oficial dos EUA, anunciada na declaraçào de intençôes, o presidente Reagan ordenou a formaçào de um comité interno ao governo para propor novas soluçôes e levar adiante urna agenda alternativa para reformas (ibidem). Todo o ano de 1984 foi dedicado a esta operaçào.
A criaçao da Organizaçào das Naçôes Unidas para a Educaçào, a Ciencia e a Cultura (UNESCO) data de novembro de 1945 (Preston Jr. et alii, 1989:33) e foi parte integrante do esforço para se criar urna ordern mundial renovada. Sua origem estava permeada de idealismo - a idéia era criar urna organizaçào que, ao promover a educaçào, ciencia e cultura ao redor do mundo, tornasse a guerra impossivel. De acordo com o parágrafo primeiro da constituiçào da UNESCO, "como as guerras têm inicio ñas mentes dos homens, é ñas mentes dos homens que as defesas da paz devem ser construidas" (idem:3l5).
Tratava-se, no entanto, de algo mais do que trazer a paz ao mundo. A idéia de urna diplomacia cultural possuía um forte apoio, especialmente no governo dos EUA. Após seu uso extensivo, entre o final da década de 30 e o inicio da década de 40 na América Latina (como parte da Política da Boa Vizinhança de Roosevelt), eia estava nesse momento sendo empregada na Europa, onde o grande desafio era a desnazificaçào da Alemanna (idem:42). A diplomacia cultural significava influenciar e conquistar "coraçôes e mentes" para os valores democráticos. No inicio, a Uniäo Soviética decidui nao participar, ingressando na UNESCO somente em 1954, mas aínda assim agindo marginalmente (ibidem).
Desde o inicio o orçamento era baixo. A aprovaçào do orç amento final firmou o total de US $ 6 milhôes que, de acordo com Preston Jr. et alii (idem:43), representavam na época metade do orçamento da Universidade de Chicago. Com objetivos bastante ambiciosos, e um orçamento mínimo, a UNESCO logo se viu em urna posiçào difícil. Adicionalmente, promover os valores democráticos em diferentes partes do mundo é urna tarefa complicada. A diversidade cultural e a estruturade intéresses dos membros dentro dainstituiçào sempre impediram a UNESCO de ter maior participaçào no mundo.
À medida que o mundo mudava, a UNESCO mudava com ele. Por volta da década de 60 e inicio da de 70, o Movimento Näo-Alinhado começou a dominar e, nas palavras de Krasner, "colonizar" a instituicäo. Com urna visäo de mundo que enfatizava o subdesenvolvimento e a "dependencia", os países-membros em desenvolvimento começaram a pressionar a UNESCO, especialmente em relaçào à questäo das comunicaçôes globais e da mídiade massas, nas quais o protecionismo cultural era visto como parte do esforço de desenvolvimento.
Essa "ideologia do Terceiro Mundo" permeou o traballio da UNESCO e o das Naçôes Unidas durante os anos 70. Segundo Preston Jr. et alii, "após dois anos de influencia insignificante nos foruns multilaterais, de 1974 a 1976, os EUA se acharam cada vez mais isolados e escalados como os vilôes do neocolonialismo, especialmente na África" (¿fera: 126). O problema continuou, embora a administraçào Carter tenha suavizado sua diplomacia e tentado urna politica de acomodaçao ao bloco Näo-Alinhado. Ficou claro, entäo, que os Estados Unidos consideravam a UNESCO como urna instituiçào em declínio.
A administraçào Reagan ficou muito insatisfeita com a UNESCO, especialmente com o que considerou urna visäo "antiocidente" desta (Coate, 1988:25). O governo norte-americano também criticou a administraçào do orçamento da UNESCO - para o qual contribuía com 25% de seu valor, mas sobre o qual tinhapouco controle idem: 112).
Do inicio da administraçào Reagan até dezembro de 1983, o governo dos EUA entrou no que chamo de fase de "protesto puro". Ele vinha sinalizando sua insatisfaçào desde os anos 70, mas a essa altura nao havia urna agenda definida para urna mudança da parte dos EUA idem: 57). Mudanças nao ocorriam dentro da UNESCO, aínda que os cabeças da organizaçào temessem "urna nova OIT" (Organizaçào Internacional do Traballio) -, organizaçào da qual os EUA chegaram a sair em 1977, e que usava o que Coate chama de "diplomacia do boicote" (idem:55).
Havia très razôes principáis, dadas pelo Departamento de Estado, para a ameaça de saida dos EUA. A primeira era a "excessiva politizaçào dos programas e do pessoal da UNESCO"; a segunda, "a promoçào de teorías estatistas"; e a terceira, "a expansäo sem limites do orçamento e práticas deficientes de administraçâo" (idem:57). Embora representassem a posiçâo dos EUA na época, essas razôes ainda eram muito incipientes para serem implementadas.
Após anunciar sua ameaça, os EUA iniciaram urna campanha de pressâo por mudanças dentro da UNESCO. Varios oficiáis americanos foram despachados para a sede da UNESCO em Paris para "observar" a instituiçào (ibidem). Durante o ano de 1984, quando os EUA a puseram em xeque, algumas mudanças começaram a ocorrer na UNESCO.
Ainda segundo Coate, "o anuncio da partida do governo dos EUA serviu como catalisador para revigorar a questäo das reformas e levá-la ao topo da agenda da UNESCO" (¿fem: 5 8). Mas duas razôes determinaran! a saída dos EUA da instituiçào. Primeiro, as exigencias dos EUA eram muito gérais para serem postas em pràtica e muito imprecisas enquanto agenda específica para reformas. As acusaçôes de que a UNESCO era antiocidente e "politizada" eram vistas pelos outros países-membros como por demais contraditórias em face da outra denuncia de excessiva "burocratizacäo" da UNESCO. Como conciliar ambas era um enigma, e o fato de a administraçâo Reagan começar a usar a instituiçào como exemplo de ineficiência também nao ajudava.
A segunda razào referia-se ao aspecto super-representativo da instituiçào, o que mesmo os membros que preparavam o relatório da reforma reconheciam (Wem: 5 8-59). Com falta de coesào e unidade no seu interior e um orçamento curto, as pressôes políticas dos EUA foram um obstáculo considerável para o funcionamento da organizacao.
Embora as reformas nao tenham sido suficientes para manter um dos seus principáis contribuintes, a comissäo da UNESCO enviou urna proposta final de reformas no final de 1984 (idem:6S). A agenda de mudanças incorporou algumas das exigencias dos EUA (especialmente quanto ao orçamento), mas nao evitou dessa maneira que eles se retirassem. Na época da saída dos EUA, a UNESCO tinha perdido muito do seu prestigio junto à opinilo pública norte-americana (¿fem: 154).
Em suma, a UNESCO estava parcialmente reformada, mas os EUA escolheram sair mesmo assim. Aínda que houvesse urna ameaça crível de sua saída que levasse a subséquentes tentativas de reformas da UNESCO, a divisäo interna da instituiçâo e sua inercia institucional impediram reformas mais rápidas e mais abrangentes. A administracao Reagan também se recusou a firmar um compromisso e usou a UNESCO como bode expiatorio para rudo que havia de errado com os EUA na época.
Os EUA e a UNCTAD
A Conferencia das Naçôes Unidas sobre o Comercio e o Desenvolvimento [UNCTAD] foi criada em 1964. Segundo Williams, até 1991 a UNCTAD havia passado por tres diferentes estágios em sua historia institucional: um primeiro período ou "fase formativa" (de 1964 a 1973); um segundo período ou "fase militante" (de 1974 a 1980); e, finalmente, um terceiro ou "fase de retirada" (de 1981 a 1991) (1991:1-2).
Durante a primeira fase, a UNCTAD progressivamente expandiu seu papel, e sua política pode ser descrita como "diálogo consuntivo" (idem: 2). A segunda fase coincide com o ativismo dos anos 70 e a organizaçào do Terceiro Mundo em um bloco coerente. A organizaçào tornou-se mais politizada e os países fortes atolaram em impasses institucionais. A terceira, iniciada no começo dos anos 80, reflete a dispersäo do Grupo dos 77 e a combinaçào de diversos fatores que guiaram o curso da UNCTAD.
O Grupo dos 77 teve profunda participaçào na instituiçâo. Este foi formado dentro da UNCTAD nos anos 60 como urna coalizäo de países de Terceiro Mundo que tentavam criar urna voz unificada em diversos fóruns, especialmente na Assembléia Geral das Naçôes Unidas e em suas agencias e fundos especializados. Sua participaçào na UNCTAD foi um dos principáis motivos da mudança para urna postura ativista nos anos 70.
A UNCTAD lidou, desde a sua criaçào, com questôes de desenvolvimento e com o impacto do comercio internacional. Encaixada no pensamento "desenvolvimentista" dos anos 50 e 60 (e da obra de Raúl Prebisch, secretário-geral da primeira conferencia em 1964), eia foi o ponto focal de países em desenvolvimento, principalmente da América Latina, África e Asia. Embora a instituiçâo nao passasse de exercício de retórica, naquele momento a importancia de suas conferencias foi enorme. Suas resoluçôes e conselhos políticos tiveram grande influencia sobre o Terceiro Mundo e ser seu membro ativo trazia prestigio e legitimidade internacional (idem:5S).
Segundo Weiss:
"[...] do ponto de vista do Sul, a necessidade de focalizar a atençào nos problemas de desenvolvimento, identificar urna lista comum de insatisf açôes, e ajudar a iniciar o diálogo entre o Norte e o Sul deve ser considerada como Vitoria. Do ponto de vista do Norte, a UNCTAD tem, pelo menos, agido como "válvula de escape" que tem principalmente contido os pedidos por mudanças radicáis" (1986:4-5).
A UNCTAD foi dividida em quatro grupos, de acordo com criterios regionais e socioeconómicos. Países africanos e asiáticos formavam o Grupo A; Europa, Japäo e EUA, o Grupo ?; países da América Latina, o Grupo C; e, finalmente, países orientais e a Uniäo Soviética formavam o Grupo D. Cada grupo tinha de chegar a urna decisäo internamente antes de votar, em conjunto, nos procedimentos a serem implantados. Portanto, a tomada de decisôes näo era direta: barganhas intragrupos tinham mais importancia do que as intergrupos (Williams, 1991:60).
Os EUA, Reino Unido, Alemanna, Franca e Japäo dominavam o processo decisorio no Grupo ? . No entanto, alguns fatores foram importantes para a dinámica no interior deste grupo. Como os países dentro da (entâo) Comunidade Européia tinham de negociar posiçôes comuns fora do grupo, suas posturas ñas negociaçôes eram sempre abrangentes e indefinidas. Os países nórdicos também tinham urna posiçào em separado, o que criava aínda mais divisôes. Ao final de toda negociaçào, o resultado era urna proposta muito geral, sem aspectos substantivos, que particularmente restringía o poder dos EUA (¿fem: 69).
Além disso, segundo Rothstein
"[...] a UNCTAD nunca foi urna organizaçào muito popular junto aos governos de países industriáis. Acusaçôes de incompetencia e ineficiência têm se alastrado; ainda mais significativas têm sido as suposiçôes de obliqüidade e hostilidade quanto aos interesses dos países desenvolvidos" (1979:179).
Em maio de 1976, durante a conferencia de Nairobi, a disputa Norte-Sul tornou-se aguda, especialmente em tres campos: o Programa Integrado de Commodities (PIC), a criaçào de um Fundo Comum (FC) para o desenvolvimento e o Sistema Geral de Preferencias (SGP) (Williams, 1991:148).
As negociaçôes nos meses anteriores à conferencia de Nairobi foram mais complexas do que a conferencia em si. As tentativas de se chegar a qualquer entendimento previo dentro dos grupos foram inúteis (tanto no Grupo ? quanto no Grupo dos 77) (Rothstein, 1979:153; Williams, 1991 : 143). A esta altura, a posiçào dos EU A era a de apoiar urna reforma do Secretariado e a reduçào do papel combativo da UNCTAD (Rothstein, 1979:179-183). Para tal, a administraçâo dos EUA jogou com duas cartas: eia se opôs à criaçào de um Banco de Recursos Internacionais (BRI) fora do àmbito da UNCTAD, e ameaçou negociar todos os acordos sobre commodities com Estados traeos em urna estrutura bilateral (e, portante, abandonando a instituiçào defacto). Desse modo, os EUA utilizaram-se da ameaça de saida combinada com incentivos para deserçào.
Desde o inicio, a proposta para o BRI era vista como "urna tentativa politicamente motivada de matar o programa integrado e como um plano designado mais para assegurar o fornecimento para o Ocidente do que para ajudar o esforço de desenvolvimento do Terceiro Mundo" (Williams, 199 1 : 149) . No entante, a ameaça de saída na forma de tratados Dilaterais atuou mesmo na direçào de quebrar o centro do Grupo dos 77. Países com produçâo intensiva de commodities de exportaçào (e com maior poder de negociaçào) como a Ìndia, o Brasil e a Indonesia estavam dispostos a abandonar o Grupo dos 77 e a assinar acordos Dilaterais (e a pegar carona em outras), assim como os países mais fracos, que viram suas posiçôes de negociaçào erodidas sem o apoio dos Estados intermediarios (¿fera: 141; Rothstein, 1979:153). O Grupo dos 77 havia subestimado seu poder, recursos e unidade.
Negociando fora da instituiçâo e reconhecendo que eia nao importava para o propósito de políticas, o governo dos EUA obteve, em parte, o que quería. Williams ( 199 1 : 142-143) identifica Nairobi como ponto de virada na UNCTAD e o declínio progressivo e constante da coalizzo do Terceiro Mundo. Outras atores também influenciariam o posterior declínio da coalizäo, especialmente o segundo choque do petróleo e a subséquente crise das dividas.
Em suma, embora os EUA tenham emitido urna ameaça näo explícita de saída, a instituiçâo falhou em reformar-se completamente. Poder-se-ia interpretar Nairobi (e a estrategia dos EUA na época) como o inicio de um processo de mudança, mas varios outras fatores também parecem estar relacionados. Identificar a política dos EUA como único (ou mais importante) fator para a mudança dentro da instituiçâo é engañoso, mas é importante adicionar que seu impacto foi sentido, de qualquer modo.
Os EUA e a UMIDO
A Organizaçào das Naçôes Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO) foi urna das varias organizaçôes criadas pela ONU nos anos 60. A UNIDO fez, desde o principio, parte do corpo da Assembléia Geral. Em 1965, esta formou um comité dentro do Conselho Econòmico e Social (ECOSOC) para desenvolver a idéia da UNIDO, e, em dezembro do mesmo ano, 36 países criaram a nova instituiçâo: 21 países em desenvolvimento, 10 ocidentais (incluindo os EUA) e 5 do bloco socialista/orientáis (incluindo a URSS) (Lambert, 1993:18).
Desde o inicio, a UNIDO sustentou um discurso "terceiro-mundista" altamente influenciado pelos países em desenvolvimento e sua agenda desenvolvimentista e económica. Sua criaçào foi também condicionada por outras agencias como a UNCTAD e a coalizäo do Grupo dos 77. Embora suas funçôes principáis näo estivessem completamente claras, a UNIDO parecía um ramo da UNCTAD que fidava específicamente com a industrializaçào - mas, até os anos 80, eia näo obteria o status de agencia especializada dentro da ONU. A discussäo sobre seu papel estendia-se de "assistertela no campo do desenvolvimento industrial" (proposta pelo Grupo dos 77) à "cooperaçao no campo do desenvolvimento industrial" (proposta pelos países do Leste da Europa) (idem: 19).
Apesar das discussöes, os desentendimentos iniciáis foram superados e os países-membros definiram um pequeño orçamento para a UNIDO, de US$ 5,2 milhôes em seu primeiro ano (idem:20). A expectativa dos países em desenvolvimento era que esse orçamento eventualmente crescerla e que a UNIDO se tornaría um forum multilateral de redistribuicäo dos países desenvolvidos para os em desenvolvimento. Embora fosse esse o caso da UNIDO, a retorica por tras disso refletia o mesmo discurso apresentado na UNCTAD, o que näo ajudou a alcançar o objetivo financeiro pretendido para a instituiçào.
Para os países desenvolvidos, a participaçao na UNIDO representava urna oportunidade para domar a posiçào do Terceiro Mundo e para oferecer alguma compensaçào pela cooperaçào. Além disso, com sua participaçao, eles evitavam a usual crítica sobre o desconhecimento dos pedidos do Terceiro Mundo em materia de desenvolvimento industrial e de transferencia de tecnologia. Essa posiçào também envolvía a defesa de um certo tipo de estrutura para a instituiçào. Segundo Lambert (idem:25), "um numero de países desenvolvidos apoiados pelos EUA propos reduzir as tarefas da UNIDO a atividades operacionais e advogou descentralizar a organizaçào e montar subdivisôes operacionais em varias regiôes". A indecisào quanto à estrutura que a UNIDO assumiria também contaminou as discussöes sobre a formaçào de seu Secretariado. Os países do bloco do Leste criticaram a instituiçào por näo tomar sua posiçào como séria e por näo deixar claro o papel exato que o Secretariado exerceria (ibidem).
Na conferencia especial convocada pela UNIDO em junho de 1 97 1 , o Grupo dos 77 propos que esta se tornasse urna agencia especializada da ONU, o que garantiría o status completo de organizaçào desenvolvimentista, e estabeleceria a necessidade de conferencias gérais a cada ano ou dois (¿fem: 26). Países ocidentais e orientais rejeitaram a proposta, pois a entendiam corno urna mera duplicacäo das funçôes dentro das agencias da ONU (¿fem: 26-27).
Essa controvèrsia, no entanto, teve um impacto duradouro dentro do governo dos EUA. A mesma época, o país estava sendo pressionado em diversas organizaçoes da ONU, o que tornou a administraçao Nixon extremamente desconfiada quanto as intençôes da UNIDO.
Os EUA eram os maiores contribuintes individuáis do orçamento da UNIDO, mas tinham apenas um voto na Conferencia Geral (idem: 168) . Is to gerou urna situaçào paradoxal na quai os EUA sistematicamente perdiam em suas posiçôes de voto dentro da organizaçào, mas ao mesmo tempo exigia-se o cumplimento de suas obrigaçôes de Estado-membro de financiar o desenvolvimento da industria do Terceiro Mundo. Como aponta Lambert,
"[...] em termos de grupos geopolíticos, o beligerante Grupo dos 77 pagava apenas 9,7% (dos quais os membros da OPEP [Organizaçào dos Países Exportadores de Petróleo] pagavam 3,7%). Os votos da URSS e dos países do Leste da Europa nao faziam muita diferença no órgao plenàrio da UNIDO, já que comandavam apenas 5% dos votos" (ibidem).
A situaçào chegou ao ponto em que o voto dos EUA tinha o mesmo peso que o voto de países muito pequeños e sem manufaturas. A primeira exigencia dos EUA foi, portante, urna mudança no peso dos votos.
A segunda grande exigencia era também similar à situaçào em outras agencias: a "despolitizaçào" do discurso. Em 1970, a UNIDO tornou-se um forum privilegiado para o Grupo dos 77 e para seu discurso contra o imperialismo e o neocolonialismo. A discussäo nunca parecía ir adiante, já que havia um sentimento de hostilidade contra os países desenvolvidos e, ao mesmo tempo, urna pressào por financiamento. Especialmente os EUA nao pareciam aceitar a situaçào como eia era, e se certificaram de que sua posiçào seria ouvida (idem : 1 69) .
Em agosto de 1985, a senadora norte-americana Nancy Kassebaum apresentou urna emenda ao Estatuto de Autorizaçào para as Relaçôes Exteriores, que dizia que os EUA pagariam nào mais do que 20% do orçamento da ONU (e das agencias especializadas) para instituiçôes que näo adotassem procedimentos de votaçâo proporcionáis (ibi- dem). Embora a emenda tenha sido dirigida a outras agencias além da UNIDO, esta sofreria diretamente as conseqiiências, caso näo mu- dasse.
Ainda que a crítica pública à UNIDO fosse branda, havia clara inten- çào de reformar a instituiçâo. Os EUA até tiveram urna oportunidade perfeita de deixar a instituiçâo sem riscos ou custos, já que a cons- tituiçào da UNIDO dizia que até o firn do mesmo ano (1985), qual- quer país que quisesse sair poderia fazê-lo oficialmente e sem se ex- plicar ao Secretariado (¿fem: 172). Com estas duas ferramentas à mäo, os EUA podiamplausivelmente mostrar que ou a UNIDO seria reformada ou eles sairiam da mesma.
A ameaça de saída dos EUA teve grande impacto na UNIDO. Ime- diatamente após a aprovaçào da emenda, a UNIDO iniciou seu pro- prio programa de reforma do orçamento e cortes de despesas (ibi- dem). Dessa forma, o problema com as contribuiçôes seria ameniza- do e eia poderia gerir e concentrar melhor seus recursos. O Secreta- riado também abandonou seu programa na África, o que foi urna ad- missäo de que alguns países näo conseguiam industrializar-se com a contribuiçâo da instituiçâo e que o crescimento industrial näo acon- tecía como esperado (¿fem: 172-173). Desde entâo, a UNIDO tam- bém desenvolveu progressivamente urna aproximaçào mais pragmá- tica da industrializaçào e reduziu suas referencias contra países de- senvolvidos.
A vontade da UNIDO de reformar-se foi suficiente para os EUA per- manecerem dentro da instituiçâo. Ao final de 1985, o país confirmou sua participaçào na UNIDO e notificou o secretário-geral da ONU que a constituiçào da UNIDO seria seguida rígidamente (idem: 169-170). Em suma, no caso da UNIDO, a ameaça de saída dos EUA funcionou. Mediante urna mistura de ameaça crível e de urna posiçào flexível para negociaçôes, os EUA alcançaram um compromisso, mesmo tendo tido urna clara oportunidade de sair sem maiores custos.
CONCLUSACI
Instituiçoes declinam. Pode haver varias perspectivas sobre o significado ou as razôes do declínio, embora seus resultados sejam, normalmente, empiricamente visíveis. Falta de controle, inercia burocrática, politizaçào excessiva e dificuldades orcamentárias sao alguns dos problemas que as instituiçoes podem enfrentar. Mesmo sendo capazes de prover informaçôes, reduzir custos de transaçôes e evitar fraudes, elas também podem impedir esses objetivos quando entram em declínio - informaçôes tornam-se vagas e ideológicas; os custos das transaçôes aumentam à medida que as negociaçôes se tornam mais duras; e fraudes tornam-se lugar-comum, com pagamentos por baixo dos panos e incentivos à desistencia. Todas estas questöes säo pouco estudadas.
Neste artigo, procurei criar um modelo simples para explicar o comportamento dos Estados fortes dentro de instituiçoes em declínio. Comecei pelos conceitos de Hirschman de saída, voz e lealdade e as ameaças críveis de Schelling para compreender se esses Estados agem de acordo com suas posiçôes dentro das instituiçoes e suas preferencias presumidas.
Os conceitos de saída, voz e lealdade de Hirschman fornecem a estrutura para o estudo. Ele afirma que há urna "folga" penetrante na economia, o que significa que sempre há espaço para declínio na qualidade. Quando isto acontece, os cuentes podem escolher entre abandonaren! a instituiçào, exprimirem sua preocupaçào ou permanecerem leáis até o firn. No entanto, essas escolhas - especialmente saída e voz - podem ser combinadas para aumentar o poder de barganha. Ao ameaçar de sair, o cliente pode aumentar sua expressäo.
Para a ameaça funcionar, eia precisa ser crível. Schelling fornece-nos conceitos do que chama de "a estrategia do confuto". Ameaças säo o meio de vencer sem o uso propriamente dito da força. Apesar disso, aquele que ameaça deve estar preparado para implementar as conseqüencias de os seus objetivos nao terem sido alcançados. E perigoso perder prestigio ñas relaçôes internacionais e isso pode afetar suas futuras negociaçôes em diferentes arenas.
Para apresentar a dinámica de como esse processo acontece, usei tres estudos de caso relativos ao comportamento dos EUA dentro de tres diferentes instituiçôes da ONU. Os estudos nao foram conclusivos. Eles mostram que muitas outras variáveis estäo envolvidas na decisäo de deixar urna instituiçào, como sua capacidade de reagir a ameaças, seus arranjos institucionais internos e sua importancia para o país que está ameaçando sair.
O caso da UNESCO é um caso clàssico de faina na ameaça de saída. Ameaçando deixar a UNESCO, os EUA foram capazes de exigir algumas reformas. No entanto, a opiniäo pública norte-americana e a administraçào dos EUA virarti essas reformas como insuficientes e a UNESCO transformou-se em bode expiatorio para a situaçào dos EUA na época.
O caso da UNCTAD é ambiguo. Havia urna ameaça velada de saída e os resultados subséquentes säo heterogéneos. Embora a instituiçào na época tenha iniciado um processo interno de reforma, outros fatores foram mais importantes para explicá-lo. Primeiro, condiçôes externas (os dois grandes choques do petróleo, por exemplo) afetaram profundamente a coesäo do Grupo dos 77. Segundo, havia um incentivo a pegar carona em certas questôes em que os interesses dos países em desenvolvimento eram diversos (no caso das commodities, por exemplo). Terceiro, embora a estrutura da instituiçào - sua separaçao em grupos geoeconômicos - prevenisse urna soluçào imediata, eia gerava urna inercia que era difícil de se ignorar, mesmo dentro dos grupos de países em desenvolvimento.
Finalmente, o caso da UNIDO mostra a situaçào em que a extrema dependencia da instituiçào para com os EUA forcava urna reavaliaçao dos objetivos após urna ameaça de saída (neste caso, a retirada das contribuiçôes). O fato de que os EUA também estavam dispostos a se comprometer, mesmo que a UNIDO nao pudesse atender à totalidade das exigencias, é também interessante para a análise.
Concentrando-se nesses casos, a intencäo näo era provar o modelo apresentado, mas compreender quais säo suas possíveis deficiencias ou qualidades. Mais pesquisas devem ser feitas de agora em diante, especialmente considerando fatores que possam facilitar ou dificultar um país a deixar urna instituiçào em declínio.
Resumo
Uma Teoria de Instituiçoes em Declínio: Reava liando Sa ida. Voz e Lealdade de Hirschman para as Instituições Internacionais
Este artigo se propöe a adaptar a teoria de Hirschman para as Relaçoes Internacionais. A partir de urna diferenciaçâo entre as preferencias dos Estados dentro de instituiçoes internacionais, o modelo explicita as dinámicas que surgem quando a qualidade institucional declina. Enquanto Estados fortes tentaräo reformar a instituiçâo por meio de ameaças de saída, Estados medios e fracos teräo poucas alternativas. Tres casos envolvendo os EUA sao descritos e analisados.
Palavras-chave: Institucionalismo - Instituiçoes Internacionais - Declínio Institucional - Ameaças com Credibilidade - Política Externa Americana
Abstract
A Theory of Institutions in Decline: Reevaluating Hirschman's Exit, Voice, and Loyalty for International Institutions
This article is an attempt to adapt Hirschman's theory to International Relations. Proposing a differentiation in preferences from the states inside international institutions, the model points to the dynamics generated when institutional quality declines. While strong states will try to reform the institutions through threats of exit, intermediary and weak states will have few alternatives. Three cases involving the United States are described and analyzed.
Key words: Institutionalism - International Institutions - Institutional Decline - Credible Threats - American Foreign Policy
* Agradeço a Robert ?. Keohane, Joseph Grieco, Philipp Rehm, Kevin Morrison, Joäo Daniel Lima de Almeida, Raphaela Almeida e Mauricio Santoro pelos comentarios e sugestöes. Quaisquer omissöes ou erros säo de minha inteira responsabilidade. Agradeço também à Coordenaçâo de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nivel Superior (Capes). Artigo recebido em marco e aceito para publicaçâo em maio de 2004.
Notas
1. Urna exceçâo ao caso aparece em Bates (1998).
2. Essa é a teoria pela qual, ao parecer capaz de fazer qualquer coisa (portanto, agindo "irracionalmente"), é possível desviar ataques e surpreender o inimigo ao se obter vantagem por meio da imprevisibilidade (descrita por Schelling, 1966:36-40 com um exemplo de O Agente Secreto, de Joseph Conrad).
3. Urna das dimensöes, entre muitas, para medir a capacidade institucional é a troca entre eficiencia e representaçâo, conforme apresentada por Madison em The Federalist Papers, números 10 e 14. Como o pròprio Hirschman ( 1970:86) aponta, as instituiçoes devem ter um excelente equilibrio entre "saída" e "voz" para que estas sejam eficientes e democráticas.
Referências
Bibliográficas
BATES , Robert ?. ( 1 998), "The International Coffee Organization: An International Institution", in R. H. Bates et alii, Analytic Narratives. Princeton, Princeton University Press.
COATE, Roger A. (1988), Unilateralism, Ideology, and U.S. Foreign Policy: The United States In and Out of UNESCO. Boulder, LynneRienner Publishers.
FEARON, James D. (1997), "Signaling Foreign Policy Interests: Tying Hands versus Sinking Costs". The Journal of Conflict Resolution, vol. 41, n9 1, pp. 68-90.
GILPIN, Robert. (1981), War and Change in World Politics. Cambridge, Cambridge University Press.
GRUBER, Lloyd. (2000), Ruling the World: Power Politics and the Rise of Supranational Institutions. Princeton, Princeton University Press.
HIRSCHMAN, Albert O. (1970), Exit, Voice, and Loyalty: Responses to Decline in Firms, Organizations, and States. Cambridge, Harvard University Press.
IKENBERRY, G. John. (2001), After Victory: Institutions, Strategic Restraint, and the Rebuilding of Order after Major Wars. Princeton, Princeton University Press.
JACKSON, Robert H. (1990), Quasi-States: Sovereignty, International Relations and the Third World. Cambridge, Cambridge University Press.
KEOHANE, Robert O. (1984), After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy. Princeton, Princeton University Press.
KRASNER, Stephen D. (1985), Structural Conflict: The Third World against Global Liberalism. Berkeley, University of California Press.
_____ (1999), Sovereignty: Organized Hypocrisy . Princeton, Princeton University Press.
LAMBERT, Youry. (1993), The United Nations Industrial Development Organization: UNIDO and Problems of International Economic Cooperation. Westport, CT, Praeger Publishers.
MARTIN, Lisa L. (1992), "Interests, Power, and Multilateralism". International Organization, vol. 46, ?2 4, pp. 765-792.
OLSON, Mancur. (l965),The Logic of Collective Action: Public Goods and the Theory of Groups. Cambridge, Mass., Harvard University Press.
PRESTON JR., William, HERMAN, Edward e SCHILLER, Herbert. (1989), Hope and Folly: The United States and UNESCO 1 945 ? 985. Minneapolis, University of Minnesota Press.
PUTNAM, Robert D. (1988), "Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games". International Organization, vol. 42, n2 3, pp. 427-460.
ROTHSTEIN, Robert L. (1979), Global Bargaining: UNCTAD and the Quest for a New Economic Order. Princeton, Princeton University Press.
SCHELLING, Thomas C. (1966), Arms and Influence. New Haven, Yale University Press.
_____ (1980) [1960], The Strategy of Conflict. Cambridge, Harvard University Press.
SCHNEIDER, Gerald e CEDERM AN, Lars-Erik. (1 994), "The Change of Tide in Political Cooperation: A Limited Information Model of European Integration". International Organization, vol. 48, n2 4, pp. 633-662.
SCHWELLER, Randall L. (1994), "Bandwagoning for Profit: Bringing the Revisionist State Back In". International Security, vol. 19, ne 1, pp. 72-107.
WEILER, J. h. H. (1999), The Constitution of Europe: "Do the New Clothes Have an Emperor?" and Other Essays on European Integration. Cambridge, Cambridge University Press.
WEISS, Thomas G. (1986), Multilateral Development Diplomacy in UNCTAD: The Lessons of Group Negotiations, 1964-84. New York, St. Martin's Press.
WILLIAMS, Marc. (1991), Third World Cooperation: The Group of 77 in UNCTAD. New York, St. Martin's Press.
Bruno de Moura Borges**
**Doutorando em Ciencia Política (Relaçôes Internacionais) pela Duke University, EUA, e mestre em Relaçôes Internacionais pelo Instituto de Relaçôes Internacionais da Pontificia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio).
You have requested "on-the-fly" machine translation of selected content from our databases. This functionality is provided solely for your convenience and is in no way intended to replace human translation. Show full disclaimer
Neither ProQuest nor its licensors make any representations or warranties with respect to the translations. The translations are automatically generated "AS IS" and "AS AVAILABLE" and are not retained in our systems. PROQUEST AND ITS LICENSORS SPECIFICALLY DISCLAIM ANY AND ALL EXPRESS OR IMPLIED WARRANTIES, INCLUDING WITHOUT LIMITATION, ANY WARRANTIES FOR AVAILABILITY, ACCURACY, TIMELINESS, COMPLETENESS, NON-INFRINGMENT, MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR A PARTICULAR PURPOSE. Your use of the translations is subject to all use restrictions contained in your Electronic Products License Agreement and by using the translation functionality you agree to forgo any and all claims against ProQuest or its licensors for your use of the translation functionality and any output derived there from. Hide full disclaimer
Copyright Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Jul-Dec 2004
Abstract
This article is an attempt to adapt Hirschman's theory to International Relations. Proposing a differentiation in preferences from the states inside international institutions, the model points to the dynamics generated when institutional quality declines. While strong states will try to reform the institutions through threats of exit, intermediary and weak states will have few alternatives. Three cases involving the United States are described and analyzed. [PUBLICATION ABSTRACT]
You have requested "on-the-fly" machine translation of selected content from our databases. This functionality is provided solely for your convenience and is in no way intended to replace human translation. Show full disclaimer
Neither ProQuest nor its licensors make any representations or warranties with respect to the translations. The translations are automatically generated "AS IS" and "AS AVAILABLE" and are not retained in our systems. PROQUEST AND ITS LICENSORS SPECIFICALLY DISCLAIM ANY AND ALL EXPRESS OR IMPLIED WARRANTIES, INCLUDING WITHOUT LIMITATION, ANY WARRANTIES FOR AVAILABILITY, ACCURACY, TIMELINESS, COMPLETENESS, NON-INFRINGMENT, MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR A PARTICULAR PURPOSE. Your use of the translations is subject to all use restrictions contained in your Electronic Products License Agreement and by using the translation functionality you agree to forgo any and all claims against ProQuest or its licensors for your use of the translation functionality and any output derived there from. Hide full disclaimer