A Florida encontra-se no centro do palco das relaçoes comerciáis entre Brasil e Estados Unidos e do drama da Área de Livre Comercio das Americas (ALCA) l . O estado da Florida funciona como um dos maiores centros mercantis para as Americas e tern feito um lobby cuidadoso para ser o local permanente do secretariado da ALCA. O Brasil é o principal parceiro comercial da Florida e urna ameaça aos seus plantadores de laranja e de cana-de-acúcar. Protegidas efetivamente das importaçôes brasileiras, essas industrias da Florida têm muito a perder se os Estados Unidos e o Brasil chegarem mais próximo de um comercio livre de commodities agrícolas. Poderosos e persistentes, esses interesses económicos modestos alcançam o auge de sua significaçâo política por intermedio das negociaçôes de livre comercio e se amplificami pelo papel-chave da Florida na eleiçao presidencial. As industrias de laranja e de cana-de-acúcar da Florida simplesmente desafiam os negociadores ou azedam as relaçôes de cooperaçào económica entre os Estados Unidos e o Brasil e atrapalham a ALCA?
A ALCA foi efetivamente parausada no final dos anos 1990, durante a administraçâo Clinton, pela falta de vontade do Congresso norte-americano de conceder ao Executivo autoridade de negociaçâo fast track* (Bergsten, 2002; Blanton, 1996; Conley, 1999; Feinberg, 2002; Phillips, 2003). Os intéresses dos setores da cana-de-acúcar e dos cítricos da Florida desempenharam um papel importante na oposiçào ao fast track por sua entrada em urna ampia coalizäo de forças em favor do status quo (Avery, 1998:290). A decisäo do Congresso norte-americano de premiar o presidente George W. Bush com "Autoridade para Promoçào de Comercio", ou fast track, em 2002, renovou o processo da ALCA e recolocou os Estados Unidos na liderança da pressäo para se levar à frente o processo de integraçào económica das Americas (Bergsten, 2002; Feinberg, 2002) . A política de comercio näo surgiu como um tema eleitoral primordial ñas eleiçôes presidenciais de 2004, mas o candidato George W. Bush parecía ansioso para empurrar adiante aquilo que seu pai havia prenunciado, ou aquilo em que ele apostara inadvertidamente em 1990: um acordo de livre comercio que se estendesse do Alasca à Terra do Fogo. No entanto, o rompimento das barreñas às commodities agrícolas e a superaçào do impasse com o Brasil e seus parceiros do Mercosul poderia ameaçar a busca do presidente em exercício pelos 27 votos do Colegio Eleitoral do estado da Florida, essenciais para a viteria na eleiçào presidencial dos Estados Unidos. Dada a influencia das industrias da laranja e da cana-de-acúcar, o ganhador dos votos estaduais pode bancar o livre comercio com o Brasil?
Este traballio emprega a teoria de Putnam (1988) da barganha e ratificaçào dos ajustes internacionais para delimitar a análise dessas questöes e explorar as relaçôes entre Estados Unidos e Brasil dentro do processo em andamento de debates e negociaçôes da ALCA. Em essência, a teoria de Putnam pressupôe que as negociaçôes internacionais giram em torno "da distribuiçào de custos e beneficios entre os grupos domésticos e da opiniäo doméstica dividida entre a melhor maneira de se relacionar com o ambiente externo (Evans,1993:397)".
Evans ibidem) efetivamente sumariza os fundamentos da teoría de Putnam:
"Se os negociadores agem estrategicamente, a barganha se dá na forma de um processo interativo, modelado simultaneamente pela busca de ganhos internacionais e pela dinámica de ratificaçào doméstica".
Putnam teoriza que os negociadores de Nivel I têm "conjuntos de ganhos" que sao ratificáveis pelo Nivel II e que refletem os intéresses das coalizôes domésticas vencedoras da barganha. A sobreposiçâo dos conjuntos de ganhos dos parceiros de barganha representa a possibilidade de urna negociaçào bem-sucedida ser ratificada por todos os lados. Conjuntos de ganhos muito restritos diminuem ou eliminami a sobreposiçâo, o que poderá precluir as negociaçôes e a ratificaçào. O propósito deste artigo nao é fornecer urna análise abrangente sobre os problemas de ratificaçào nos Estados Unidos, mas, sim, focalizar na análise da problemática de interseçào dos intéresses das duas facçôes mais bem organizadas da Florida, laranja para concenirados e cana-de-acúcar, e o papel desse estado na instituiçâo política peculiar que é o Colegio Eleitoral dos Estados Unidos.
Os conflitos faccionais colocados pela organizaçâo política dos plantadores de laranja e de cana-de-acúcar da Florida nao sao suficientes por si mesmos para encolher o conjunto de ganhos além do alcance de acordos ratificáveis. Para Putnam (1988:448), "a dimensäo do conjunto de ganhos depende de instituiçôes políticas". As instituiçôes políticas de Nivel II podem determinar a ratificaçào. Putnam ilustra sua proposiçâo com o caso dos Estados Unidos, destacando que a separaçào de poderes complica a ratificaçào de tratados, enquanto o Ato de Expansäo do Comercio de 1974 se empenha em renovar a confiança dos parceiros de negociaçoes. Conley (1999), Evans (1989) e Milner (1997:203-229) também tratam dos esforços institucionais dos Estados Unidos para facilitar os procedimentos de ratificaçào e renovar a confiança dos parceiros. No entanto, pouca atençâo tem sido dada ao Colegio Eleitoral e seus impactos na poKtica comercial e de ratificaçào de tratados. Este estudo sugere que, havendo condiçôes de grande incerteza eleitoral, essa instituiçâo serve para ampliar a influencia política dos intéresses modestos, determinados territorialmente e faccionais, bem além de sua importancia económica.
A análise que se segue emprega essa proposiçâo para examinar a interseçào pouco discutida entre os interesses dos setores da laranja e da cana-de-açucar da Florida e o papel único que este estado vem desempenhando ultimamente nas eleiçôes presidenciais. Este estudo começa com um breve resumo das relaçôes comerciáis entre Estados Unidos e Brasil e detalha casos ilustrativos em que os intéresses faccionais norte-americanos mantiveram aprisionadas as relaçôes entre os dois países. A segunda seçâo detalha os intéresses dos produtores de laranja e de cana-de-acúcar da Hórida e examina sua influencia política, especificamente sua participaçâo nas eleiçôes federáis e no desenlio de políticas comerciáis. A terceira parte descreve urna conjuntura única e crítica, que coloca os votos do Colegio Eleitoral da Florida no centro dos resultados incertos para o Poder Executivo do país, intensificando, dessa forma, a influencia política dos intéresses das industrias da laranja e da cana-de-acúcar do estado, e reduzindo a área de superposiçâo na negociaçào dos Estados Unidos e do Brasil. A última seçâo analisa o impacto político e econòmico desse conjunto específico de obstáculos de ratificaçâo do Nivel II sobre o Brasil e suas relaçôes com os Estados Unidos.
AS RELACÖES COMERCIÁIS ESTADOS UNIDOS-BRASIL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA
As relacöes Estados Unidos-Brasil têm sido pontuadas por ondas de comercio que refletem a distribuiçâo assimétrica de poder entre as duas maiores naçôes do hemisferio ocidental (Chandler, 1924; Odell, 1980; Wesson, 1981). O Gigante do Norte, no vocabulario proprio do Brasil, vem se empenhando constantemente em busca de (e de fato tem exercido) urna clara vantagem, por meio de esforços diplomáticos, de barganhas coercitivas e do indiscutível peso e alcance de sua economia nacional. O Brasil também tentou aproveitar os recursos e o mercado dos Estados Unidos para seu proprio desenvolvimento, com resultados variados e muitas vezes frustrantes. No entanto, como os dois países se esforçam para obter relaçôes económicas mais cooperativas, eles enfrentam urna historia de relaçôes frequentemente moldada pela dependencia dos Estados Unidos em relaçâo a barganhas coercitivas nos temas de comercio e investimento. É com esse pano de fundo histórico que a credibilidade e a confiança sao construidas ou perdidas.
A cooperaçào entre os Estados Unidos e o Brasil trouxe um comercio convergente crescente enquanto os termos eram favoráveis aos interesses comerciáis norte-americanos. Durante a maior parte do século passado, "[a]mizade e cooperaçào com os Estados Unidos se tornaram meios de alcançar os objetivos brasileiros de política externa" (Weis, 1993:8). Entretanto, quando o Brasil demonstrou claras vantagens comparativas em relaçâo aos produtores norte-americanos no mercado dos Estados Unidos, ou quando suas estrategias de desenvolvimento nacional limitaram as oportunidades de mercado e de investimento para as corporaçôes norte-americanas, sucessivos governos, muito frequente e impetuosamente, adotaram táticas coercitivas de barganha para obter concessòes do Brasil.
Talbot (1997) documenta o desenvolvimento da industria de café instantáneo e a tensäo que este gerou entre os Estados Unidos e o Brasil durante os anos 1 960. Como maior produtor e exportador mundial de graos verdes de café, o Brasil tentou promover sua estrategia de Industrializaçao por Substituiçào de Importaçào (ISI) por meio da promocäo das vendas de seus produtos industrializados como insumos para outras industrias locáis em vez de destiná-los à exportacao . Esta estrategia rapidamente criou incentivos económicos e condiçôes de mercado para as fábricas de café instantáneo no Brasil, para atender tanto o mercado doméstico em crescimento como a exportaçao.
Por volta de 1969, "o pó de café do Brasil" abrangia 14% do mercado norte-americano em crescimento (idem:125). A margem competitiva do Brasil em café instantáneo desafiou a industria dos Estados Unidos e a empresa General Foods, a maior produtora de café instantâneo para o mercado doméstico e a principal oponente do "pò de café do Brasil". Em nome da General Foods, o governo norte-americano ameaçou o Brasil com taxas compensatorias, dentro do contexto de renegociaçào do Acordo Internacional do Café de 1968. Os Estados Unidos alegavam que as exportaçôes de café instantáneo do Brasil refletiam "concurrencia desleal". Em 1971, o Brasil ofereceu um acordo de conciliaçâo que previa o envió de 560 mil sacos de gräos de café verde, isentos de taxas de exportaçâo, todos os anos, para os produtores norte-americanos de café instantáneo (Odell, 1980:224).
Ao longo dos anos 1970, os Estados Unidos continuaram sua campanha de restriçôes as importaçôes brasileiras, por intermedio de sançôes de comercio com finalidade punitiva. Em 1972, Washington impôs taxas antidumping sobre o lingote de ferro fundido brasileiro e ameaçou agir contra o vinil, assentos de veículos e àlcool metílico (idem). Em 1974, os Estados Unidos impuseram taxas de compensacao sobre calcados, seguidas, um ano depois, por taxas sobre bolsas e óleo de mamona, e, aínda, ameaças contra o óleo de soja. O Congresso norte-americano regulamentou cotas de importaçào para urna série de produtos especiáis de acó. A campanha prosseguiu em 1976, determinando taxas sobre tesouras e fio de algodäo brasileiro. Ao longo desta década, os Estados Unidos enfatizaram seus métodos de barganha coercitiva para regular as disputas comerciáis com o Brasil.
Em 1985, o presidente Ronald Reagan expandiu a aplicaçào de sançôes comerciáis para alavancar os mercados de exportaçâo e as oportunidades de investimento para os produtores da América do Norte. Em 7 de setembro, dia da Independencia do Brasil, o presidente republicano Reagan anunciou medidas de retaliaçào contra a política brasileña de reserva de mercado para produtores domésticos de máquinas e programas de computadores. O anuncio de Reagan, calculado para fomentar as campanhas de medio prazo de seu partido no Congresso, foi o mesmo que declarar guerra económica contra a estratégià de desenvolvimiento do Brasil. A lei brasileira de reserva de mercado näo era abrangente em seus limites. Eia protegía os empreendimentos nacionais emergentes e as subsidiarias estrangeiras, incluindo a IBM, originària dos Estados Unidos, de urna lista seleta de importaçôes, permitindo a entrada considerável de bens manuf aturados da industria de computadores norte-americana. De fato, a exportaçào de computadores fabricados nos Estados Unidos para o Brasil cresceu 146% de 1979 até 1985, alcançando US$ 280 milhôes (Evans, 1989:215). O mercado brasileiro, o mais rápido em crescimento e o oitavo maior do mundo durante esse período, aínda mantinha oportunidades abundantes para os produtores norte-americanos que näo tinham subsidiarias ou para empreendimentos conjuntos localizados no Brasil. No entanto, a mudança do equilibrio de comercio em favor do Brasil e a preocupaçào crescente da administraçào norte-americana com a notoria reduçào da força de traballio industrial instigaran! o presidente Reagan a tomar urna posiçâo pública para esvaziar a pressäo doméstica que antecedeu as eleiçôes do Congresso em 1986. Este é um caso emblemático dos esforços unilaterais e frequentemente coercivos para preservar e expandir mercados exportadores e se defender da "industrializaçào ofensiva" do Brasil. Mais especificamente, o caso ilustra a inclinaçâo norte-americana para a barganha coercitiva, alimentada por intéresses comerciáis particulares e moldada no calor da disputa eleitoral.
Os Estados Unidos continuam a seguir a "terceira trilha" de política comercial, aplicando medidas punitivas para regular importantes temas de comercio com o Brasil. Atualmente, impostos de compensacao e antidumping estäo em pràtica contra inúmeras importaçôes brasileiras, inclusive urna série de produtos de acó, ferro e metal, assim como concentrado de suco de laranja e etanol. A preferencia dos Estados Unidos por urna abordagem "agressiva e unilateral" (Zeng, 2002) para resolver disputas de comercio consegue as concessôes exatas do Brasil, mas enfraquece os esforços políticos mais ampios para desenvolver urna parceria estratégica com o segundo maior país das Americas (Council on Foreign Relations, 2001). Hakim (2004: 1 17) alega que: "O comercio poderia ser o aspecto 'ou vai ou racha' por ser muito central na visäo dos Estados Unidos sobre sua relaçào a longo prazo com a América Latina e o resto do mundo, além de ser extremamente importante para o futuro económico do Brasil".
Como poderia um interesse comercial täo modesto, como aquele dos produtores de laranja e de cana-de-acúcar da Rorida, empurrar as alavancas coercitivas da política comercial dos Estados Unidos com tanto empenho, restringir as relaçôes económicas com o Brasil e ajudar a descarrilar a ALCA?
INTERESSES FACCIOIUAIS DE NIVEL II
Os Estados Unidos estäo abarrotados de conflitos faccionais, compostes a partir de urna matriz complexa de intéresses económicos e políticos. Produtores agrícolas querem subsidios continuos e proteçào contra importaçôes mais baratas; trabalhadores e sindicatos querem proteçâo contra mäo-de-obra barata e fontes externas de f ornecimento; a Microsoft quer garantir os direitos de propriedade intelectual; e exportadores e investidores querem mercados abertos, oportunidades e estabilidade económica no exterior. Essa colagem nacional de conflitos faccionais nao desencoraja o presidente dos Estados Unidos, nem os responsáveis por desenliar políticas, nem as autoridades, de aclamar os beneficios do livre comercio e apontar o papel de liderança dos Estados Unidos (Destler, 2005). No entante, os interesses dos setores da laranja e da cana-de-acúcar da Florida testam esse apoio, fornecendo assim urna oportunidade única para se examinar as arestas mais agudas da política comercial dos Estados Unidos com o Brasil.
Putnam (1988) explica que o conjunto de ganhos de um agente de barganha é largamente determinado pela distribuiçâo de poder dentro do eleitorado doméstico, pela articulaçâo de preferencias e pela composiçào de coalizöes. Conflitos menos faccionais aumentam o alcance do conjunto de ganhos, as probabilidades de alcançar um ajuste de Nivel I e apossibilidade de ratificaçào pelo Nivel II. O confuto faccional acirrado sobre interesses divergentes encolhe o conjunto de ganhos pela diminuiçâo dos custos do fracasso em se alcançar um acordo. Isto é, um näo-acordo e a manutençâo do status quo säo melhores do que um acordo custoso. Putnam afirma que as negociaçôes de comercio atiçamum grande interesse e apresentam um índice de abstençào muito baixo, elevando a possibilidade de conflitos e diminuindo a indiferença. Sob condiçoes como essas, os negociadores de Nivel I valem-se de "toma-lá-dá-cá" e "pagamentos paralelos" para reestruturar o interesse faccional e chegar a um acordo de Nivel I ratificável3.
O confuto faccional que surge de intéresses económicos e da organizaçao política da laranja e da cana-de-acúcar da Florida coloca obstáculos formidáveis para a barganha de Nivel I, pelo estreitamento do conjunto de ganhos dos Estados Unidos e pelo incremento das possibilidades de deserçào do entusiástico, porém fortemente restringido, Executivo norte-americano. Além disso, a organizaçào política desses intéresses serve em grande medida para definir resultados eleitorais incertos para a presidencia e o Congresso, representando ameaças diretas sobre a credibilidade do Executivo dos Estados Unidos na mesa de barganhas de Nivel I com o Brasil.
Os Interesses da Industria da Laranja e da Cana-de-acúcar da Florida
As industrias da laranja e da cana-de-acúcar da Florida buscam proteçào contra a competiçào internacional e têm sido extremamente bem-sucedidas na obtençâo de um tratamento f avorável do Congresso e do Executivo norte-americanos. No entanto, em urna era de acordos de livre comercio (ALCs), ambas as industrias ficam cada vez mais ameaçadas por importaçôes mais baratas, principalmente as brasileiras. O jornal local percebeu a crescente ansiedade dos plantadores de laranja em relaçào à proposta de livre comercio com o Brasil em urna reuniäo com os negociadores norte-americanos em 2002:
"Os representantes oficiáis dos cítricos da Florida nao mediram palavras para discutir com o chefe do Departamento de Comercio dos Estados Unidos, Robert Zoellick, a respeito da ameaça de perderem a tarifa de importacao do suco brasileiro ñas conversaçôes de livre comercio que estavam por vir. ? encontró de hoje é o mais importante que a industria dos cítricos jamais teve' , disse Bob Crawford, diretor executivo do Departamento de Cítricos da Florida, em um encontró numa manna de segunda-feira com Zoellick e cerca de outros 25 representantes agrícolas de estado. 'Nos tornamos reféns do Brasil ao eliminar essa tarifa'" (The Ledger, 2002).
A despeito das preocupaçôes, é difícil afirmar que as industrias de cítricos ou de cana-de-acúcar sao vitáis para os Estados Unidos. Wernick (2004) está cansado de conhecer os efeitos da liberalizaçào do comercio para a agricultura da Florida, mas concluí que o Estado pode ser o maior beneficiario do livre comercio com a América Latina e o Brasil. Enquanto a agricultura norte-americana cria um excedente suficiente para a exportaçào, nem as laranjas nem o acucar da Florida constituem urna porçâo significativa de tais exportaçôes. Ambas as industrias servem mercados domésticos difusos, cujos consumidores raramente percebem os custos adicionáis dos subsidios de preços e medidas de proteçào para reduzir ou eliminar as importaçôes mais baratas. Sob condiçôes de competiçào de mercado, o suco de laranja concentrado brasileiro e o acucar refinado poderiam tomar o lugar ou forcar a reestruturaçào da maior parte da produçào norte-americana, sem maiores prejuizos para a economia dos Estados Unidos.
Produtos agrícolas representavam apenas 1,4% do produto nacional bruto (PNB) norte-americano em 2001, e a agricultura da Florida contribuía com 1,6% do produto do estado no mesmo ano (U.S.A., 2005b). O índice de emprego na agricultura seguía a mesma proporçào. O emprego da mäo-de-obra rural nacional absorvia somente 2,2% da força de traballio civil acima de 16 anos em 2001 (U.S.A., 2005 a). Em 1990, a agricultura, a silvicultura e a pesca da Florida, combinadas, empregavam 2,88% da força de traballio do estado (Hodges e Mulkey, 2005). Em 2000, essas categorías, juntamente com a mineraçào, empregavam somente 1,3% (U.S.A., 2005a). Certamente, a queda do indice de ocupaçâo da força de traballio na agricultura na Florida traria privaçôes para milhares de trabalhadores, muitos dos quais imigrantes que trabalham por salarios mínimos com poucas proteçôes legáis. No entanto, tais privaçôes näo podem ser entendidas como se representassem um desafio intransponível à expansäo das relaçôes comerciáis com o Brasil. Elas podem ser retificadas por intermedio de "pagamentos paralelos" e políticas compensatorias, como Assistência de Ajuste de Comercio (AAC - Trade Adjustment Assistance/TAA), que serve para reestruturar o mercado de traballio afetado e diminuir o impacto das causas externas à liberalizaçào do comercio . Em resumo, os negocios do suco de laranja e da cana-de-acúcar näo säo suficientemente importantes em termos de valor agregado para a economia, ou como fontes de emprego, para dissuadir os Estados Unidos de promoverem a liberalizaçào do comercio agrícola com o Brasil.
As laranjas da Florida näo säo importantes para a saúde económica dos Estados Unidos. Até o momento, a industria näo gerou urna porcäo mensurável do produto doméstico e do emprego no estado. A produçao de cítricos abastece quase 80% do mercado norte-americano (IFAS, 2001: 1) e sua maior parte é destinada ao concentrado de suco de laranja congelado e seu excesso serve aos mercados especializados de cítricos, como os de grapefruits, tangerinas e outros. O Institute of Food and Agricultural Sciences (LFAS) da Universidade da Florida estimou o impacto econòmico da industria de cítricos no estado em US $ 9, 1 3 bilhöes, com US $ 4, 1 8 bilhôes de valor agregado, e a criaçào de 89.700 empregos (ibidem).
Cada vez mais as laranjas da Florida sao controladas por um numero menor de empreendimentos. A produçâo de cítricos está concentrada no sul da península do estado e se espalha por aproximadamente 7.676 fazendas (idem:2). Existem 108 armazéns de embalagem e 52 fábricas de processamelo de cítricos espalhados ao longo da regiäo produtora. A propriedade estrangeira das fábricas de processamento vem crescendo recentemente, incluindo a aquisiçâo dessas fábricas por firmas brasileiras como Sucocítrico Cúrrale Ltda., Citrosuco Paulista S.A. e Cinbra-Frutesp. Estes produtores brasileiros adquiriram fábricas de processamento na Florida com a finalidade de servir a um dos maiores distribuidores do mercado norte-americano, "Minute Maid", da Coca-Cola. Esta integraçâo superficial é instigada pelos esf orços para evitar a tarifa punitiva dos Estados Unidos de US$ 0,299 por librae a Taxa de Equalizaçào do Departamento de Cítricos do estado da Florida de US$ 0,0299 sobre o suco de laranja concentrado importado do Brasil (Muraro e Spreen, 2003). Pela crescente concentraçào de propriedade e, em parte, por intermedio da integracao com os produtores brasileiros, cada vez mais um numero menor de empreendimentos controla a industria de suco de laranja concentrado dos Estados Unidos, onde os plantadores dependem da proteçào do governo para obter lucro.
A cana-de-acúcar da Florida nao fortifica a saúde da economia norte-americana, mas contribuì para a economía do estado. Essa contribuiçâo se expandiu com o embargo imposto as importaçôes de acucar de Cuba em 1961. Antes deste, somente 20 mil hectares eram destinados à cana-de-acúcar. Durante a safra de 2000-2001 , foram cultivados 184.030 hectares, concentrados principalmente no Condado de Palm Beach (IFAS, 2004). Hoje, a Florida é o maior produtor de acucar dos Estados Unidos, contribuindo com aproximadamente 22% do total da produçào nacional de acucar (idem).
De acordo com Robert Coker, vice-presidente da United States Sugar Corporation e porta- voz da industria açucareira, a cana-de-açucar da Florida emprega direta e indiretamente 25 mil trabalhadores que produzem um impacto de US$ 3,1 bilhòes na economia do estado (U.S.A., 2003). De fato, a maior parte do negocio de acucar da Florida, independentemente do numero de plantadores e trabalhadores, é controlada pela United States Sugar Corporation (que também detém intéresses significativos na laranja do estado por intermèdio da Southern Garden Citrus) e pela Ho-Sun, da familia cubano-americana Fanjul.
A Florida, a United States Sugar Corporation e a Flo-Sun beneficiaram-se enormemente do programa do acucar do governo federai, que protege produtores domésticos da compeücäo internacional. O "Farm Bill" de 2002 dá poderes ao Departamento de Agricultura para continuar a proteger os produtores de acucar, garantindo taxas de empréstimos que viabilizem um retorno lucrativo ao investimento e limitando as importaçôes de acucar às obrigaçôes internacionais de 1.532 toneladas, tanto pelo Acordo Geral sobre Tarifas e Comercio (The General Agreement on Tariffs and Trade - GATT) como pelo Acordo de Livre Comercio da América do Norte (North American Free Trade Agreement - NAFTA) (Tsigas e Boughner, 2003). Essas medidas permitem aos produtores domésticos suprir 70% ou mais do consumo nacional. Dessa forma, Orden (2003: 10) concluí que o programa do acucar dos Estados Unidos "continua a ser administrado com restriçoes apertadas às importaçôes, o que coloca o Farm Bill firmemente contra a liberalizaçào do comercio".
Os produtores brasileiros perdem duas vezes com o sistema protecionista dos Estados Unidos. O Brasil é o produtor mundial de acucar mais eficiente, suprindo 25% do total das exportaçôes mundiais. Ele também é o maior e mais eficiente produtor de etanol, um combustível renovável e subproduto do refino da cana-de-açucar. Contudo, a política norte-americana é fortemente restritiva ao acesso a essas commodities brasileiras. A Cota de Tarifa (Tariff Rate Quota - TRQ)5 do governo dos EUA para a importaçào de acucar brasileiro permite a entrada de menos de 2% do excesso da produçào (depois do consumo doméstico) no mercado norte-americano sem taxas punitivas - calculadas por Orden (¿fera:Quadro 9: 1). Apesar de o "Brasil [ter] o potencial para suplir o mercado inteiro dos Estados Unidos" (Tsigas e Boughner, 2003:5), ele está efetivamente trancado fora do maior e mais adoçado mercado do mundo.
O etanol brasileiro sofie um destino semelhante, apesar do crescente mercado para esse combustível renovável na América do Norte. A produçào de etanol dos Estados Unidos está ampiamente concentrada entre os principáis processadores de milho, tais como a Archer Daniels Midland (ADM), que manufatura o adoçante de milho e o etanol. Estes produtores nao somente se beneficiam do programa do acucar e dos altos preços, como também estäo protegidos por urna taxa de importaçào de US$ 0,54/galäo do etanol brasileiro. A aprovaçào do Energy Bill ("Lei da Energia") de 2005 assegura que o mercado norte-americano de etanol vai continuar a se expandir por intermedio de continuos subsidios aos fazendeiros de milho e a regular mais ampiamente as misturas de etanol (aditivos de energia renovável) para limitar as emissôes de gases que provocam o ef eito estufa. O "Energy Bill" de 2005 continua urna política de longo prazo para incrementar o valor do milho, por meio de subsidios para a produçào de etanol e das tarifas punitivas para limitar consideravelmente as importaçôes brasileiras (Langevin, 2005a). O Brasil e os Estados Unidos sao os maiores produtores e consumidores de etanol para combustível. No entanto, a proteçào que os Estados Unidos däo aos produtores domésticos de acucar e milho preclui o tipo de sinergia internacional requerida para se estabelecer padröes, desenvolver infra-estintura e deixar crescer um mercado global para um dos mais promissores combustíveis renováveis.
Em um mundo perfeitamente protegido, os plantadores de cana-deacúcar da Rorida preferem o status quo. Em 2005, o "Energy Bill" e aratificaçào do Congresso ao Acordo de Livre Comercio da América Central-República Dominicana ( ALCAC-RD) forneceram um momento único para se considerar as alternativas e a possível reestruturaçào da industria doméstica do acucar. Os produtores de acucar dos Estados Unidos e refinadores de etanol à base de milho opuseram-se ao ALCAC-RD, principalmente para nao estabelecer um precedente de abertura para o mercado doméstico de acucar e limitar as importaçôes de etanol brasileiro processado pelas refinarias da América Central e do Caribe. No centro do debate a respeito das políticas de energia e da ratificaçâo do ALCAC, os plantadores de cana-de-acúcar asseguraram um modesto subsidio de US$ 15 milhôes para pesquisa e desenvolvimento da exploracäo da produçào futura de etanol. Por enquanto, os esf orcos continuam focados na prevençâo as importaçôes brasileiras de acucar e etanol.
As Contribuicöes Políticas da La ran ja e da Cana-de-acúcar
Industrias como as dos cítricos e do acucar, que contam com ativos fixos (terra) e proteçào de mercado, normalmente demonstram urna capacidade notável para articular seus interesses, liderar coalizöes e assegurar a lealdade das autoridades eleitas (Avery, 1998; Baldwin e Magee, 2000). Com a aprovaçào da Autoridade para a Promoçào do Comercio em 2002 e os esforços subséquentes do presidente Bush para levar adiante a sua "liberalizaçào competitiva" e garantir um NAFTA com modelo ALCA, os interesses dos setores da laranja e da cana-de-acúcar da Florida duplicaram seus esforços para influenciar apolítica comercial dos Estados Unidos a protelar a compeücäo brasileira.
As industrias de cítricos e de cana-de-acúcar da Florida buscavam influenciar o Congresso por meio de sucessivos desafios legislativos depois da ratificaçao do NAFTA em 1993 e sob a ameaça da expansào do livre comercio das commodities agrícolas. Ambas as industrias fizeram contribuiçôes desproporcionalmente gordas para candidatos federáis ñas eleiçôes intermediarias do Congresso em 1998 e 2002, assim como nas eleiçôes gérais e para presidente em 2000 e 2004. As industrias opuseram-se as negociaçôes de autoridade/así track para os presidentes Clinton em 1998 e George W. Bush em 2002, mas batalharam e ganharam urna legislaçâo favorável por meio do "Farm Bill" de 2002. Os plantadores de laranja da Florida convencerán! a Comissäo de Comercio Internacional em 1999 e, outra vez, em 2005, a renovar as taxas alfandegárias de compensaçâo contra o concentrado de suco de laranja do Brasil. Além disso, a industria de açucar opôs-se estridentemente as negociaçôes da administraçào Bush do ALCAC-RD e sua ratificaçao em 2005, nao atingindo o objetivo por um voto na Cámara dos Deputados .
Além de tudo, os intéresses agrícolas dos Estados Unidos ficam entre o oitavo e o décimo lugares no total de contribuiçôes para a campanha federal, entre quarenta setores da economia norte-americana, especificados na base de dados das contribuiçôes das eleiçôes federáis desenvolvida pelo Centro de Política Responsiva. Dentro deste setor, as contribuiçôes dos produtores de cítricos e de cana-de-acúcar sao notáveis. O Quadro 1 revela as contribuiçôes agregadas feitas pelos Comités de Açâo Política (CAPs) de quatro dos maiores empreendimentos de cítricos da Florida para as eleiçôes de 1998 a 2002. Durante os tres ciclos de eleiçôes reportados no Quadro 1 , esses empreendimentos se colocaram entre os vinte primeiros dentro do subsetor de frutas e vegetáis. A empresa A. Duda and Sons alcançou urna posiçâo entre os vinte primeiros em todos os tres ciclos eleitorais reportados: 13- em 2002 e 1 12, tanto em 2000 como em 1998. A Rorida Citrus Mutual também conseguiu urna posiçâo proeminente nos très ciclos, chegando ao 6Q lugar em 2002. A Associaçào de Frutas e Vegetáis da Florida aringhi o 1 8Q lugar em 2002 e 16s em 1998. Por firn, a Lykes Brothers alcançou o 20e lugar em 2002. Além disso, a Southern Gardens Citrus, a plantadora de laranja subsidiaria da United States Sugar Corporation alcançou o 1~ lugar em 1998 com US$ 50.250 em contribuiçôes para os candidatos republicanos (Center for Responsive Politics).
A contribuiçâo da industria de cítricos da Florida para a campanha para cargos federáis foi particularmente generosa durante as eleiçoes intermediarias do Congresso em 1998 e 2002, quando a legislacäo da autoridade/así track para o comercio foi marcada por debate e votos.
Durante o ciclo de 1998, cinco desses empreendimentos ocuparam um lugar entre os vinte primeiros contribuintes do setor de frutas e vegetáis. Em 2002, quatro se posicionaram entre os vinte primeiros. Durante esse ciclo eleitoral crítico, os produtores de cítricos da Florida fizeram gordas contribuiçôes as campanhas para o Congresso e distribuíram doaçôes tanto para os demócratas quanto para os republicanos que prometeram proteger as laranjas da Florida do livre comercio. Em 2002, como um subsetor com posicöes proeminentes dos produtores de laranja, o subsetor de frutas e vegetáis destinou a maior parte de suas doaçôes para os membros da Cámara dos Deputados que faziam oposiçâo à legislaçâo de fast track. Adam Putnam, um membro republicano da Cámara, recebeu US$ 30.050 (Center for Responsive Politics). Karen Thurman, urna demócrata e oponente do livre comercio, recebeu US$ 25 mil para sua proposta contra o republicano Ginny Brown- Waite favorável ao livre comercio. Em terceiro lugar, o demócrata Boyd Alien, da Florida, recebeu US$ 23.370 para se opor ao fast track (idem). Além disso, o deputado Mark Foley, também da Florida, ficou em 17- lugar, com US$ 14.488 do subsetor de frutas e vegetáis (idem).
Essas contribuiçôes particularmente generosas tinham como alvo os congressistas da Florida que também tivessem assento em comités importantes, com responsabilidade sobre comercio internacional e legislaçâo agrícola. Adam Putnam tern cadeira em urn Comité Agrícola importante na Cámara. Tanto Thurman como Foley têm assento no crítico Comité de Vias e Meios. Da mesma forma, E. Clay Shaw Jr., membro republicano da Cámara da Florida e presidente do Subcomité de Comercio do Comité de Vias e Meios da Cámara, recebeu contribuiçôes notáveis dos produtores do estado: US$ 2.500 da "Florida Citrus Mutual", da Associaçâo de Frutas e Vegetáis da Florida e do "Lykes Brothers" (idem). A industria cítrica da Florida confia tanto no Comité de Agricultura como no Comité de Vias e Meios para assegurar sua proteçâo contra as importaçôes brasileiras.
O Comité de Finanças do Senado dos Estados Unidos também desempenha um papel crítico na formaçâo da política de comercio e de ratificaçào de tratados. O ex-senador demócrata Bob Graham tinha urna cadeira no Comité de Finanças do Senado e concorreu à reeleiçào em 1998. Ele recebeu contribuiçôes notáveis dos interesses dos produtores de cítricos e de cana-de-acúcar da Hórida durante este ciclo eleitoral, incluindo as contribuiçôes dos produtores A. Duda & Sons, Florida Citrus Mutual, Associaçào de Frutas e Vegetáis da Florida e Lykes Brothers (idem). Graham também aceitou apoio financeiro dos seguintes produtores de acucar da Florida: Florida Crystals, liga da Cana-de-acúcar da Florida, Cooperativa de Plantadores de Cana-de-acúcar da Florida e a United States Sugar Corporation, assim como de urna série de outros interesses açucareiros da naçâo (idem). A posiçâo privilegiada do senador Graham no Comité de Finanças assegurou às industrias da laranja e da cana-de-acúcar da Florida a proteçào contra as desarticulaçôes da globalizaçao econòmica e do avanço da liberalizaçào do comercio.
Os interesses do setor açucareiro dos Estados Unidos exercem influencia considerável no Congresso. O Quadro 2 demonstra a extensâo da influencia do acucar ñas campanhas de contribuiçôes dos CAPs para os candidatos a cargos federáis. As doaçôes dos très mais importantes contribuintes do setor açucareiro säo demonstradas neste quadro. Flo-Sun e a United States Sugar Corporation säo baseadas na Florida. A American Crystal, sediada em Minnesota, onde produz beterraba para ser processada, goza dos mesmos subsidios de preços e proteçào que os produtores de acucar da Florida e trabalha junto com outros produtores nationals para renovar o programa do acucar dos Estados Unidos, protegendo a industria de importaçôes mais baratas. Por esta razäo, está incluida na análise que demonstra a influencia considerável da industria como urna coalizäo política.
Em 2002, a Ho-Sun ocupou a 9a posiçâo e a American Crystal a 15a dentre toda a populaçào de contribuintes no setor agrícola. Em 2000, elas ocuparam a5ae a 13aposiçôes, respectivamente. Em 1998, ocuparam o 16s e o 12Q lugares, respectivamente, enquanto a United States Sugar Corporation ocupava o 1 3Q lugar ñas contribuiçôes da agricultura para os cargos federáis. Esses grandes produtores de acucar norte-americanos doaram tanto para os demócratas como para os republicanos. Durante os ciclos eleitorais intermediarios, a industria dos cítricos reuniu contribuiçôes de aproximadamente US$ 1,5 milhäo para 1998 e mais de US$ 1 ,5 milhäo em 2002. Durante as acaloradas eleiçôes gérais para presidente e para o Congresso em 2000, a Flo-Sun, a American Crystal e a United States Sugar Corporation, juntas, deram mais de US$ 2 milhôes em contribuiçôes. Além disso, os produtores de acucar deram US$ 2.835.339 em 1998, US$ 3.395.714 em 2000 e US$ 3.141.254 em 2002 (idem).
Ern 2002, os membros da Cámara Mark Foley e Karen Thurman, que fazem parte do Comité de Vias e Meios, e Adam Putnam, que integra o Comité da Agricultura, fizeram a lista dos vinte principáis receptores. Juntos, estes tres membros da Cámara aceitaram US$ 94.217 dos interesses açucareiros (idem). De fato, durante as eleiçôes intermediarias de 2002, enquanto o fast track se movía para dentro da Cámara e do Senado e o presidente Bush empurrava para frente o seu modelo para a ALCA, os produtores de acucar dos Estados Unidos davam contribuiçôes para 267 membros da Cámara e 44 senadores (idem). As contribuiçôes para a Cámara chegaram a urna média de US$ 5.378 e as para o Senado a US$ 12. 159 (idem). Entre os beneficiarios estava o membro da Cámara William Jefferson, um demócrata do estado da Louisiana, produtor de cana-de-açucar, que divide a presidencia do grupo do Brasil com o republicano Phil English, da Pensilvânia, que, por sua vez, também é responsável pelo grupo do acó (ídem) . Embora as contribuiçôes dos interesses açucareiros para o Congresso näo pudessem evitar a aprovaçào da Autoridade para Promoçào do Comercio em 2002 ou o ALCAC-RD em 2005, elas garantiram que o mercado doméstico protegido dos produtores de acucar continuaría fechado para as importaçôes do maior e mais eficiente produtor do mundo, o Brasil.
Os empreendimentos de cítricos e de cana-de-acúcar da Florida também desempenharam um papel importante no financiamento das campanhas presidenciais dos Estados Unidos, fazendo sinal para o estado, a naçào e o mundo de suas preferencias ñas negociaçôes de acordos de comercio. O Quadro 3 mostra a distribuiçào de contribuiçôes de campanha de dois subsetores agrícolas, de frutas e vegetáis e de acucar, nas eleiçôes de 1992, 1996, 2000 e 2004 e revela a indiscutível preferencia por candidatos presidenciais republicanos. Os dois subsetores favoreceram os republicanos sobre os demócratas por ampias margens. Em 1992, o presidente George Bush ganhou aproximadamente US$ 96 mil dos dois subsetores, enquanto o seu rival, o demócrata Bill Clinton, recebeu menos de US$ 20 mil. Em 1996, a arrecadaçào de campanha do republicano Bob Dole fez o popular presidente em exercício insuperável em contribuiçôes de campanha, com US$ 111 .050 contra US$ 12.500 para a campanha de Clinton. Durante a mais recente e muito contestada eleiçào de 2000, George W. Bush armazenou US$ 159.800 dos interesses em frutas e vegetáis e açucareiros, enquanto o demócrata Al Gore coletou irrisorios US$ 20.510. Este modelo se manteve em 2004, a despeito do entusiasmo do presidente Bush pelo livre comercio e a bem-sucedida negociaçâo do ALCAC-RD.
O presidente Bush, em exercício, praticamente dobrou as contribuiçôes recebidas do subsetor de frutas/vegetáis em 2004, ao ganhar US$ 257.200 em doaçôes, enquanto o demócrata John Kerry recebeu somente US$ 21 .820. Bush também juntou mais de US$ 60 mil vindos da industria do acucar, comparáveis aos US$ 1 8.750 para Kerry. O ex-senador Bob Graham, que concorreu contra Kerry nas eleiçôes primarias do Partido Demócrata, atraiu US$ 15.500 dos CAPs da industria açucareira, mas, ao desistir da competiçâo, seus apoiadores do acucar rapidamente abandonaram a campanha presidencial dos demócratas (idem). Tanto em 2000 como em 2004, o republicano George W. Bush foi majoritariamente favorito das industrias de cítricos e de acucar da Florida.
De fato, os principáis produtores da Florida desempenharam um papel estratégico ñas campanhas do presidente Bush em 2000 e em 2004. J. Nelson Fairbanks, diretor executivo (CEO) da United States Sugar Corporation, foi um "desbravador" para Bush em 2000, quando ganhou o distintivo de honra depois de juntar mais de US $ 100 mil em contribuiçoes de campanha (idem). Associado ao Fairbanks, Charles W. Evers III também foi um "desbravador" de Bush no traballio de angariar fundos para a campanha. Ele é dono da Communications Consensus, firma de relaçôes públicas usada tanto pelos interesses cítricos como pelos açucareiros da Florida (idem). O lobista da Ho-Sun, Wayne Berman, também foi um desbravador de Bush em 2000. A campanha de Bush ainda se expandiu em 2004. A Florida liderou a naçâo em numero de "Vigías" , título conquistado pelos angariadores de fundos que conseguiram levantar US$ 200 mil ou mais. O plantador de laranja Emily Duda, da Duda & Sons, uniu-se às fileiras, assim como os líderes da industria de cana-de-acúcar J. Nelson Fairbanks e Robert Edward Coker, da United States Sugar Corporation, e José "Pepe" Fanjul, dono daFlo-Sun. Charles Evers, representante das duas industrias, também fez parte da Usta de angariadores de fundos para Bush em 2004. Somados, os produtores de laranja e de cana-de-acúcar da Flòrida decididamente desempenharam um papel-chave no financiamento das duas campanhas presidenciais de George W. Bush.
Durante urna era de negociaçôes de livre comercio para o ALCAC-RD, a ALCA e a Rodada de Doha das deliberacöes na Organizaçào Mundial do Comercio (OMC), os produtores de laranja e cana-de-acúcar da Rorida adoçaram suas relaçôes com o Congresso, especialmente com aqueles membros que tinham assento nos comités de agricultura e de comercio internacional. Além disso, eles apostaram pesado nos candidatos presidenciais republicanos, apesar da considerável incerteza eleitoral. Juntos ou separados, a influencia política dos produtores de laranja e de cana-de-acúcar da Florida é extraordinaria: suplanta de longe suas modestas contribuiçôes para a economia norte-americana e supera as preferencias de livre comercio das industrias de exportacäo modernas, de alto valor agregado, representadas por associaçôes de comercio, tais como a Coalizäo das Industrias de Serviços e o Conselho de Negocios Brasil-Estados Unidos. Mesmo considerando-se as robustas contribuiçôes de campanha, pergunta-se: como intéresses faccionais täo modestos, de valor agregado täo baixo, poderiam amarrar as relaçôes Brasil-Estados Unidos no contexto da ALCA e das deliberacöes de Doha?
NIVEL II: IIUSTITUIÇÔES POLÍTICAS
De acordo com Putnam, o tamanho do conjunto de ganhos também depende das instituiçôes políticas que delineiam o processo de ratificaçào. Por causa da dificuldade de ratificar tratados de comercio no Senado dos Estados Unidos, com a regra de dois tercos prescrita constitucionalmente, o Congresso decretou o Ato de Expansäo do Comercio de 1974 para espalhar o conjunto de ganhos relacionados com políticas de comercio, por meio da criaçào de comités para "[...] aprimorar a comunicaçâo entre os negociadores de Nivel I e seus componentes de Nivel II, cooptando ef envaínente os grupos de interesse ao expô-los diretamente as implicaçoes de suas demandas" (Putnam, 1988:448).
Essa etapa incluía também o desenvolvimento do voto "para cima ou para baixo", tanto no Senado como na Cámara, para os tratados de comercio conhecidos como autoridade/así track de negociaçào. Esta autoridade efeüvamente elimina esforços para emendar os acordos que se seguem a ajustes de Nivel I. Com poderes como esses, entende-se que o Executivo exerce urna autonomia maior em relaçào aos intéresses faccionais e goza de conjuntos de ganhos mais ampios.
A renovaçào dessa autoridade cria urna conjuntura crítica para a formulaçâo de preferencias dos componentes, para o exercício do poder e para a parücipacäo nos esforços de lobby das coalizöes. Em particular, esses momentos estimulam aqueles que se opôem à liberalizacao do comercio e preferem o status quo. A derrota desses intéresses e a obtencäo da autoridade fast track podem colocar de lado aqueles que estäo a favor do status quo. No entanto, as eleiçôes presidenciais dos Estados Unidos podem se permitir urna segunda chance para dirigir o Executivo para longe da liberalizaçào do comercio diante da hipótese de resultado incerto. Sob tal condiçào, os interesses faccionais do status quo arraigados no "campo de batalha" ou em um estado "oscilante" podem fazer ou arrebentar urna eleiçào presidencial. No caso dos produtores de laranja e de cana-de-acúcar da Florida, o resultado incerto das eleiçôes presidenciais em 2000 e 2004 serviu para ampliar a extraordinaria influencia política, precisamente porque seus intéresses estavam sob considerável ameaça. A dependencia de George W. Bush do apoio político desses intéresses faccionais o impedia de abrir mäo de urna coalizäo vencedora, tanto em 2000 como em 2004, até mesmo a despeito da popularidade de seu irmäo Jeb, que estava no comando como governador da Florida ñas duas eleiçôes, reduzindo efetivamente tanto o conjunto de ganhos como a autonomia do Executivo dos Estados Unidos. Em vez de reestruturar e cooptar essas industrias, o Colegio Eleitoral deu poderes a elas.
O Colegio Eleitoral
O presidente dos Estados Unidos é eleito indiretamente por um Colegio Eleitoral composto por 538 votos, dos quais o candidato vencedor precisa obter urna maioria de 270 votos. Cada estado tem direito a urna participaçào no Colegio Eleitoral equivalente ao seu respectivo número de senadores e deputados. A cada censo, a alocaçào de deputados na Cámara para cada estado é ajustada de acordo com a mudança demográfica, algumas vezes alterando o número de votos por estado. Desde 1976, a parücipacäo da Rorida no Colegio Eleitoral cresceu substancialmente, de 17 para 27 na competiçao de 2004. 0 tamanho crescente da participaçào desta no Colegio Eleitoral colaborou para a incerteza do resultado tanto em 2000 como em 2004, produzindo, pelo desenlio constitucional, resultados nao intencionáis.
O propósito dos autores da Constituiçao dos Estados Unidos em 1787 foi criar urna instituiçào que elegesse um chefe do Executivo forte, capaz de governar efetivamente sob o sistema descentralizado do federalismo . De acordo com Judith Best, o Colegio Eleitoral "produz o vencedor certo, e o vencedor certo é o candidato que pode governar este vasto país porque construiu urna ampia coalizäo federal nacional, urna vez que é capaz de ganhar o voto popular em estados suficientes" (CQ Researcher, 2000:23).
Walter Berns (1992) alega que o Colegio Eleitoral produz resultados definitivos ao amplificar o voto popular. Por essas razöes, o candidato vencedor, necessariamente, responde aos assuntos locáis e estaduais, urna vez que costura sua coalizäo entre cinqüenta estados e o Distrito de Columbia. Os candidatos que ganham ampia maioria no Colegio Eleitoral sao mais fortes, possivelmente mais autónomos dos intéresses locáis e estaduais que contribuíram para suas vitórias no nivel estadual.
Por exemplo, conforme o Quadro 4 indica, o presidente Reagan foi reeleito em 1984 com urna margem de 512 votos no Colegio Eleitoral, o que lhe concedeu o mandato para um segundo período. Sua campanha combinou interesses locáis e estaduais ao longo de toda a naçào, incluindo urna vitoriosa campanha na Florida, mas nenhum conjunto local de interesses foi essential para a viteria de Reagan. Este caso se apresenta em contraste agudo com a eleiçào de George W. Bush em 2000 e 2004, quando os votos da Florida no Colegio Eleitoral foram necessários para a vitória tanto sobre Al Gore como sobre John Kerry.
A despeito do desenlio constitucional, o Colegio Eleitoral nem sempre produz um vencedor claro e um mandato presidencial. Ao longo da historia desta instituiçao, muitas eleiçôes foram decididas por urna pequeña margem de vitória e, algumas vezes, sem a maioria suficiente. Os presidentes eleitos nao ganharam o voto popular em 1824, 1876, 1888 e 2000 (CQ Researcher, 2000:11). A instituiçao também nao criou urna maioria vencedora em 1800, 1824 e 1876, quando foi criada dentro da Cámara dos Deputados urna comissäo especialmente para presidir a seleçào. Todas essas eleiçôes ocorreram em condiçôes de alta incerteza eleitoral, sem maioria, ou com margens de vitória muito estreitas. Sob tais condiçôes, o Colegio Eleitoral pode ampliar significativamente os interesses faccionais ligados a um campo de batalha estadual muito além da proporçào de sua importancia económica nacional.
Ñas recentes eleiçôes presidenciais dos Estados Unidos, a Florida vem sendo frequentemente identificada por estrategistas de campanha e observadores informados como o estado campo de batalha ou estado balanço. De acordo com Shaw ( 1 999) , eia era vista tanto pelos estrategistas demócratas como pelos republicanos como estado base republicano em 1988. No entanto, no que diz respeito a 1992 e 1996, o sistema de classificacäo de Shaw levou-o a calcular o estado como republicano "marginal" com menos certeza de vitória. Cada vez mais o resultado das eleiçôes da Florida é incerto e tanto os indicados republicanos como os demócratas gastam consideráveis quantias de tempo e dinheiro para ganhar as eleiçôes populares e assegurar os votos do estado no Colegio Eleitoral.
Conforme demonstrado no Quadro 4, em 1976 Jimmy Carter superou o presidente em exercício, Gerald Ford, por 57 votos no Colegio Eleitoral, 17 dos quais vindos da Florida. Em 1992, o presidente em exercício George Bush ganhou os 25 votos da Florida, mas perdeu tanto no voto popular como no Colegio Eleitoral para Bill Clinton. Em 2000, a Florida desempenhou um papel de destruidor ao definir a margem de vitória de George W. Bush no meio de urna grande incerteza eleitoral e de urna calorosamente contestada e questionada contagem de votos. Em 2004, o presidente Bush prevaleceu em outra disputa acirrada na Florida, requerendo todos os 27 votos do Colegio Eleitoral para reassumir a presidencia. Atualmente, a Florida é um campo de batalha fundamental.
A Flórida como um Estado Campo de Batalha
Em 2000, a Florida tornou-se um estado campo de batalha proeminente, onde os dois candidatos, George W. Bush e Al Gore, gastaram tempo e recursos consideráveis para ganhar o voto popular e os 25 votos do Colegio Eleitoral do estado. Bush venceu a votaçào do estado por meros 537 votos, de acordo com o secretario de estado da Florida, o suficiente para Ine dar os 25 votos do Colegio Eleitoral e a Vitoria nas eleiçôes nationals, com urna maioria ainda mais discreta no Colegio Eleitoral de 271 votos. Näo é adequado para essa análise sugerir urna conclusäo sobre o verdadeiro vencedor das eleiçôes na Florida em 2002, dada a açào da Suprema Corte para impedir urna recontagem apurada. E imperativo demonstrar a alta incerteza eleitoral e o papel pivô do estado no Colegio Eleitoral em 2000 e em 2004.
O surgimento da Florida como estado campo de batalha nas eleiçôes presidenciais amplifica enormemente os interesses faccionais do estado e sua importancia política nos assuntos nationals. Sob condiçôes de campo de batalha, os interesses locáis e estaduais podem fazer a diferença e eleger sua melhor escolha para negociador de Nivel L Além disso, os intéresses faccionais agem para mobilizar seus constituintes locáis a apoiarem seus candidatos favoritos. Por exemplo, a alta capacidade de levantar fundos para o presidente Bush dos produtores de cana-de-acúcar da Rorida pode servir para alargar a base eleitoral do candidato, urna vez que um número maior de eleitores da Florida, muitos deles em posiçào de autoridade, investem na possível vitória do candidato. Dessa forma, estados campo de batalha, como a Florida, apresentam as melhores oportunidades para os intéresses faccionais empurrarem suas preferencias políticas, uma vez que os candidatos tentam se "enganchar" naqueles que os apóiam organizadamente e que prometem urna margem de vitória.
O interesse dos setores de cítricos e da cana-de-acúcar da Florida fez com que seus produtores colocassem seu dinheiro com um respeitável grau de sucesso nos candidatos republicanos a presidente. Ao abracar as campanhas vitoriosas de George W. Bush em 2000 e em 2004, eles efeüvamente "amarraram suas mäos" em relaçâo as deliberaçoes de comercio mais ampias da ALCA e da Rodada de Doha da OMC. Esses interesses faccionais calcularam corretamente que os candidatos demócratas estäo obligados as preferencias protecionistas do traballio e dos movimentos ambientáis. Sendo assim, eles se concentrami na dominacäo das inclinaçoes ao livre comercio da administraçâo republicana, dirigindo a liberalizaçào competitiva do presidente Bush para longe do livre comercio do suco de laranj a concentrado e do acucar.
É duvidoso se os plantadores de laranja e de cana-de-acúcar poderiam reunir tamanha influencia para reduzir o conjunto de ganhos dos Estados Unidos sem o Colegio Eleitoral. Sob o efeito amplificador dessainstituiçâo peculiar, tais intéresses faccionais nao somente testam os negociadores como azedam as relaçôes com o Brasil como um todo.
IMPACTO SOBRE AS RELAÇÕES ESTADOS UNIDOS - BRASIL
O poder e a persistencia dos produtores de laranja e de cana-de-acúcar da Rorida diante da elevaçào do fluxo de Áreas de Livre Comercio desempenham um papel importante na estruturaçào e formataçâo das relaçôes Dilaterais dos Estados Unidos e Brasil. A tarifa de compensaçâo antidumping que os Estados Unidos impuseram ao suco de laranja concentrado do Brasil restringe enormemente o acesso do produtor global mais eficiente ao maior e mais lucrativo mercado nacional. Da mesma forma, o programa de acucar dos Estados Unidos e sua cota de importaçào extremamente restritiva reservam apenas urna parte microscópica do maior mercado nacional de acucar para o maior e mais eficiente país produtor do mundo . Tais medidas têm um impacto significativo sobre o desenvolvimento económico brasileiro e desencorajam as instituiçôes representativas da naçào a explorar o crescimento da cooperacäo com os Estados Unidos.
Impacto Económico
Os produtores brasileiros de suco de laranja concentrado buscaram integrar-se com a produçào baseada nos Estados Unidos nos últimos anos. A sinergia de estilos é orientada pelas maiores empresas brasileiras que adquiriram fábricas de processamento na Florida. Quatro dos cinco maiores processadores do Brasil adquiriram fábricas no estado norte-americano, com a Cutrale fornecendo para a Minute Maid, o segundo maior distribuidor de suco de laranja dos Estados Unidos. Essa reestruturaçào foi acompanhada de investimentos de empresas norte-americanas na produçào brasileira. A Tropicana, maior distribuidora nos Estados Unidos, colabora com a Citrosuco para fornecer suco de laranja ao Mercosul. As empresas baseadas nos Estados Unidos, Cargill e Dreyfus, passaram a processar laranjas para suco concentrado no Brasil. A integraçào, tanto dos processadores brasileiros como dos norte-americanos é evidentemente muito superficial para aliviar os intéresses faccionais que continuami a dirigir os produtores de laranja da Florida em busca de proteçâo contra o suco de laranja concentrado brasileiro. Os custos de produçào mais baixos do Brasil, especialmente os do traballio, compensami aprodutividade mais baixa (Graziano da Silva, 1997; Wade et alii, 2001), criando grande parte da dif erença de preço entre o suco da Florida e o do Brasil.
A intrigante análise de Spreen (2003) sobre o possível impacto da ALCA no mercado mundial de suco de laranja revela a extensäo dos ganhos que os produtores brasileiros poderiam esperar de urna ALCA de longo alcance ou de tratados Dilaterais que eliminassem os impostes dos Estados Unidos sobre o suco de laranja concentrado do Brasil. Spreen emprega urna ediçào revisada do modelo de McClain (1989) paraprojetar mudanças no mercado global de suco de laranja. Os resultados da aplicaçào de Spreen sao elucidativos. Urna eliminacao de tarifas dos Estados Unidos sobre suco de laranja concentrado aumentaría as importaçoes norte-americanas em 47 1 % . O modelo de Spreen estima urna perda anual de US$ 278 milhôes em receita para os produtores da Florida, um declínio de 25%. Com urna eliminaçào de tarifa imediata, a expectativa é de que o consumo aumente por intermedio da reduçào de preço que a acompanha, de 14% para o suco concentrado. De acordo com esse modelo, a produçào de laranja brasileña, situada, sobrenado, no estado de Säo Paulo e competindo com a cana-de-açucar por terra e traballio, iría se expandir levemente, independentemente do acesso incrementado ao mercado nos Estados Unidos e de preços possivelmente mais altos nos mercados tradicionais de exportaçào de suco do Brasil, a Uniäo Européia e a Asia.
O modelo de Spreen pode exagerar as perdas de mercado dos plantadores da Florida ao subestimar o potencial para expandir o mercado doméstico para suco fresco, mas, de toda forma, é importante para a discussäo a respeito do impacto económico sobre o Brasil. Sem o acesso significativo aos Estados Unidos, o Brasil fica trancado fora de um mercado que promete milhôes de dólares em ganhos de exportaçào. Mais do que isso, a tarifa existente elimina também o potencial para um impacto secundario multifacetado. Os beneficios poderiam incluir grandes lucros; produtividade incrementada a partir de investimentos adicionáis e reestruturaçào da industria; salarios mais altos para os trabalhadores, se a produçào para exportaçào continuar concentrada no estado de Sao Paulo; ou empregos crescentes em estados com terra adequada para o cultivo comercial da laranja. O livre comercio de suco de laranja concentrado com os Estados Unidos provavelmente levaría à dominaçâo pelo Brasil deste mercado, mas também estimularía urna maior integraçâo económica internacional entre produtores e distribuidores, tanto dos Estados Unidos como do Brasil, para atender às demandas crescentes na Asia, América Latina e Europa.
O programa dos Estados Unidos também impede o Brasil de aproveitar suas vantagens comparativas para expandir os ganhos de exportacao e atrair tecnologia e investimento direto estrangeiro, por intermèdio de urna integraçâo econòmica mais aprofundada. O mercado norte-americano de acucar é muito grande, ainda que as importaçôes tenham caído de mais de 4 milhöes de toneladas para menos de 2 milhôes no final dos anos 1990 (Orden, 2003). A cota de indice de tarifa (CIT) dos Estados Unidos em 2001 para importaçôes de acucar totalizou 1.223,1 milhôes de toneladas, com varios países recebendo urna faüa preferential deste total. A fatia do Brasil somou apenas 152,7 mil toneladas, ou 12,2% do acesso mundial ao mercado norte-americano (idem-.Tabela 9.1). Até mesmo urna liberalizaçào gradual do mercado dos Estados Unidos iría impulsionar as exportaçôes de acucar do Brasil1 1 .
Muitos estudos tentam formatar o processo de melhoria de acesso ao mercado de acucar dos Estados Unidos. Tanto Borrell (1999) como Haley (1998) predizem 5 milhôes de toneladas de aumento ñas importaçôes, acompanhado de um substancial aumento de preços mundiais de 38% e 100%, respectivamente. Enquanto se vaticina a queda dos preços do acucar dos Estados Unidos em 25%, o preço mundial aumentaría em virtude do processo de desvio de comercio em direçào ao mercado norte-americano. Tsigas e Boughner (2003) também tentam criar um modelo para os efeitos do livre comercio de acucar e predizem a queda dos preços nos Estados Unidos, juntamente com maiores importaçôes. Eies aplicam seus modelos para a liberalizaçào completa da ALCA e prevêem urna reduçào de prece» de 8% para o acucar refinado e 278% de aumento nas importaçôes dos Estados Unidos vindas das Americas. Para o livre comercio, paralelamente à continuidade dos subsidios aos preços praticados pelos Estados Unidos, Tsigas e Boughner (idem) prognosticam urna queda de 36% nos preços e um aumento de 1 00% das importaçôes dos países da ALCA. As previsòes desse modelo mostram o Brasil como o primeiro beneficiario de urna ALCA que abre o mercado de acucar dos Estados Unidos. Sob um regime continuo de apoio aos preços, as exportaçôes de acucar para os Estados Unidos cresceriam 143%, e a liberalizaçào completa detonaría um aumento maciço de 418%. Mais do que isso, Tsigas e Boughner (idem) calculant o impacto de bem-estar em dólares no caso de urna ALCA de acucar. Eles explicam que, sob um continuo regime de preços subsidiados, o Brasil esperaría um ganho líquido de apenas US$ 5 milhôes. Sob urna liberalizaçào completa, o impacto de bem-estar adicional sobre o Brasil seria de US $ 163 milhôes por ano.
É difícil predizer de forma apurada qual seria o potencial dos ganhos do Brasil sob a ALCA ou um tratado bilateral que incluísse urna abertura substancial ao mercado de acucar dos Estados Unidos1 . Modelos preditivos, tais como aqueles usados por Tsigas e Boughner, pintam um cenário plausível para estimar a distribuiçâo relativa de custos e beneficios entre produtores e consumidores dessa commodity. Em cenários como esses, o Brasil aparece ganhando a maior parte do mercado norte-americano, obtendo os maiores ganhos de exportaçào e um impacto modesto de bem-estar, largamente concentrado no estado de Sao Paulo.
Somados, o impacto económico de um acesso maior ao mercado dos Estados Unidos para o suco de laranj a concentrado e o acucar do Brasil (assim como o etanol) seria considerável. O acesso seguro e maior ao mercado dos EUA estimularia urna crescente integraçào económica entre produtores e distribuidores, o queja ocorre lentamente na industria de suco de laranja. Além disse·, maiores oportunidades no mercado de exportaçâo poderiam ser suficientes para mudar as áreas de produçào dentro do Brasil com custos mais baixos de terra e traballio, urna vez que as forças de mercado de integraçào compelem a maior produtividade. Seria de se esperar que a produçào brasileira dessas duas mercadurías aprofundasse a concentraçào nas mâos de cada vez menos firmas com ligaçôes internacionais expandidas. Um processo como esse poderia levar ao desenvolvimento de elos verticals mais profundos para ambas as industrias, criando os beneficios que derivam do incremento do número de atividades manuf atureiras de valor agregado relacionadas com a produçào agrícola. No mínimo, um acesso maior ao mercado norte-americano para duas das exportaçôes mais competitivas do Brasil contribuiría para a estabilizacao e desenvolvimento económico do país, urna vez que completaría a transiçào de urna economía voltada para o mercado interno para a posiçâo de comerciante mundial (Langevin, 2005b).
O acesso crescente ao mercado dos Estados Unidos também aprofimdaria e fortalecería os laços económicos entre Estados Unidos e Brasil. Firmas brasileiras já investem em processadores de suco de laranja baseados na Florida e empresas norte-americanas fazem o mesmo no Brasil para servir aos mercados do Mercosul. Urna maior liberalizaçâo do comercio em commodities agrícolas expandiría e aprofundaria a integraçào entre as empresas brasileiras e norte-americanas, especialmente sob condiçôes em que tais laços podem subordinar os custos brasileiros de terra e de traballio mais baixos aos insumos de intensificaçâo da produtividade patrocinados pelos produtores dos Estados Unidos (Wade et alii, 2001). Urna reestruturaçâo como essana produçào de laranja e acucar poderia ser modesta, dada a notoria experiencia do Brasil na produçào dessas commodities para ambos os mercados, doméstico e de exportaçâo. No entanto, mesmo urna pequeña reestruturaçào da produçào e distribuiçào de suco de laranja e acucar promovería integraçào e sinergia, abrindo portas para investimentos estrangeiros diretos mais volumosos no Brasil. Certamente, o acesso expandido ao mercado norte-americano também depende das concessôes brasileiras aos negociadores dos Estados Unidos, empenhados em defender direitos de propriedade intelectual e oportunidades nao discriminatorias e seguras de investimento no setor de serviços.
O comercio expandido de mercadurías agrícolas e a integraçào económica nao sao determinantes para o desenvolvimento econòmico e social do Brasil. No entanto, tais resultados dariam aos elaboradores de políticas em Brasilia mais opçôes de desenvolvimento nacional. Especificamente, o melhor acesso aos mercados para as exportaçôes brasileiras tornaría o débito do país mais leve emproporçào as exportaçôes (Gouvea e Hranaiova, 2003; Veiga e Castilho, 2003). Este resultado liberaría mais recursos, tanto públicos como privados, para investimentos produtivos e de bem-estar. Certamente, esse cenário de reestruturaçào estreita e a integraçào económica que a acompanha contribuiriam para o processo apontado por aqueles que advogam o propósito da ALCA, no qual tanto os Estados Unidos como o Brasil subordinam seus mercados domésticos e suas infra-estruturas produtivas em direçào a um desenvolvimento estável e gradual das Americas (Hakim, 2004; Hinojosa-Ojeda, 1998; Schott, 2003; Weintraub, 1994; Williamson, 2002; 2003). No entanto, este processo depende do reconhecimento de ambos os governos, do Brasil e dos Estados Unidos, de pelo menos a mais estreita superposiçào de seus respectivos conjuntos de ganhos e de seus esforços para negociar um acordo capaz de obter ratificaçào tanto de Brasilia como de Washington.
Impacto Político
A influencia política dos produtores de cítricos e de cana-de-acúcar da Florida sobre a política comercial dos EUA tem profundo alcance sobre o corpo político do Brasil, e complica o desenvolvimento das relaçôes EUA- Brasil. O sucesso político desses intéresses obstinados apoiou os argumentos dos "desenvolvimentistas" do Brasil, que concluem que os Estados Unidos querem proteçào de ingresso ao mercado e aos investimentos sem oferecer em troca maior acesso ao mercado para as exportaçôes brasileiras mais competitivas. Conseqiientemente, as relaçôes EU A-Brasil continuam cordiais, apesar de congeladas entre interesses de comercio divergentes e o desenvolvimento de aliança estratégica entre as duas maiores naçôes das Americas14.
A distinçâo de Putnam (1988) entre conflitos de delimitaçâo e f accionáis coloca um pouco de luz sobre o desenvolvimento político do Brasil dentro do contexto de relaçôes Dilaterais. Para Putnam, conflitos de delimitaçâo giram em torno de estrategias de barganhas básicas, entre os chamados "falcôes" e "pombos". Os falcöes dirigem barganhas duras e ameaçam, visando a preservaçâo do status quo, enquanto os pombos expressam urna vontade maior de resolver as diferenças e chegar a um acordo. Urna vez resolvidos os conflitos de delimitaçâo, os intéresses faccionais servem como a variável primaria, influenciando a propagaçào do conjunto de ganhos em negociacao de um país.
As eleiçôes do Brasil em 2002 serviram para resolver o confuto de delimitaçâo no que diz respeito as negociaçôes dos EUA e da ALCA. Mesmo antes das eleiçôes presidenciais, oponentes da versäo norte-americana sobre a questäo organizaram um plebiscito para que os cidadäos brasileiros pesassem suas opiniöes e reduzissem o conjunto de ganhos do Brasil. A votaçâo informal mandou um claro sinal de que os oponentes da ALCA no Brasil estavam organizados o bastante para complicar qualquer processo futuro de ratificaçào. As eleiçôes presidenciais resultaram de um sentimento popular e serviram para consolidar a falconídea posiçâo desenvolvimentista, e cristalizar o ceticismo do país sobre a ALCA liderada pelos EUA. Ambos os candidatos no segundo turno, Lula, do Partido dos Trabalhadores, e José Serra, do Partido Social Demócrata Brasileiro, do presidente Fernando Henrique Cardoso, ofereceram posiçôes eleitorais desenvolvimentistas no que diz respeito as negociaçôes da ALCA. A coalizäo vencedora do presidente Lula, composta do seu proprio partido, da maior parte dos partidos de esquerda e de setores industriáis nacionais representados pelo Partido Liberal do vice-presidente José Alencar, foi equilibrada para dirigir urna estrategia de "barganha dura".
O presidente Lula foi rápido ao afirmar sua posiçâo em favor da "barganha dura" e de um conjunto de ganhos estreito. Primeiramente, ele colocou Samuel Pinheiro Guimaräes, um crítico ferrenho da ALCA, como o segundo encarregado do Ministerio das Relaçôes Exteriores. Guimaräes havia argumentado que "o Partido dos Trabalhadores fornecerá continuidade à luta contra a ALCA e em defesa de urna integraçào soberana e democrática das Americas" (Barr, 2003).
Em segundo lugar, Lula pôs-se a caminho de validar externamente sua liderança e fortalecer seu apoio como negociador de Nivel I, visitando os membros do Mercosul - Argentina, Paraguai e Uruguai -, assim como as varias naçôes da Comunidade Andina e o Chile. Seu discurso de urna América do Sul unificada e integrada foi bem recebido. O presidente Alejandro Toledo, do Peru, aderiu como um membro associado do Mercosul, e o presidente Chavez, da Venezuela, também começou a guiar seu regime em direçào ao Mercosul . Em terceiro, a administraçâo Lula continuou a dirigir suas abordagens de "barganha dura" ao longo do ano de 2003 . Brasilia levou adiante disputas contra os Estados Unidos (subsidios do algodäo) e Uniäo Européia (subsidios do acucar), na OMC, e exigiu a eliminaçao dos subsidios agrícolas na reuniäo ministerial da Rodada de Doha, em Cancun, México . Em quarto lugar, a ofensiva do Brasil contra urna agenda da ALCA dirigida pelos EUA continuou seguindo o colapso das conversaçôes da OMC, em Cancun. Em Miami, os negociadores da ALCA deveriam se encontrar para um acordo sobre urna minuta de proposta da ALCA, focando ñas negociaçôes, antes do limite máximo de Janeiro de 2005. O sucesso do Brasil na oposiçào aos Estados Unidos e à Uniäo Européia em Cancun tornou-se mais forte em Miami, e passou por cima dos negociadores dos EUA, deixando a ALCA no limbo17.
A estrategia de "barganha dura" do governo brasileiro levou ao confronto com os Estados Unidos e com a Uniäo Européia a respeito de temas centrais do comercio internacional; fez os Estados Unidos pararem de impor urna ALCA no estilo NAFTA; e colocou o país em urna posiçâo única de liderança regional, se nao global. Além disso, o Brasil reverteu seu balanço negativo de comercio com os Estados Unidos em 2002 e agora goza de urna margem que vem crescendo rapidamente. Para muitos, o status quo está prevalecendo, suportado por urna estrategia de "barganha dura". No entanto, dado o aparecímento do Brasil como um negociante mundial e líder regional , o status quo pode nao ser suficiente para sustentar o crescimento e desenvolvimento a longo prazo. Mesmo com o Mercosul fortalecido, o Brasil pode precisar revisar e refinar sua arquitetura de negociaçào para dominar o choque dos intéresses faccionais de seu Nivel II com as prioridades de desenvolvimento nacional.
A arquitetura de negociaçào do Brasil está memorando, mas continua problemática. Lima e Santos (2001) examinam o vazio institucional entre o Executivo brasileiro e o Congresso em materias de elaboraçào de política externa. Eles alegam que a "a abdicaçào do Congresso" enfraquece a credibilidade da política externa de comercio do Brasil, coloca em risco a ratificaçào de tratados e, finalmente, diminuí o poder de barganha do Executivo. A estrategia de barganha dura pode proteger intéresses faccionais, mas pode também fazer consideráveis concessòes quando o negociador de Nivel I oferece um conjunto de ganhos considerável, sancionado explícitamente pelo poder legislativo. Veiga (2002) reporta "urna inegável e consistente tendencia" em direçào ao refinamente dos mecanismos do Brasil para desenvolver urna política de comercio, em grande medida feita em resposta as deliberaçôes do Mercosul e da ALCA. Enquanto as Seçôes Brasileiras do Forum Econòmico e Social do Mercosul e a Comissäo Parlamentar Conjunta atuam para ratificar o desenvolvimento gradual desse bloco regional de comercio, seus participantes aínda têm de mobilizar o Congresso Brasileiro para urna maior parücipaçào e responsabilidade na elaboraçào de políticas de comercio. De fato, a análise de Veiga (idem) é convincente, precisamente porque ele nao reporta qualquer nova iniciativa para institucionalizar as consultas ao Congresso com órgàos do Executivo, tais como o Secretariado Nacional da ALCA (SEN ALCA). Sem urna parücipacäo do Congresso mais expressiva e esforços combinados para esboçar e detalhar um conjunto de ganhos ratificável, a estrategia de "barganha dura" mostra-se pouco eficaz para a obtençào de qualquer concessäo dos Estados Unidos.
A elaboraçào de políticas comerciáis do Brasil está praticamente isolada do Congresso e dependente de consultas setoriais de cima para baixo, que, frequentemente, precluem as acomodaçôes necessárias para se desenliar conjuntos de ganhos ratificáveis. A despeito da expansäo das consultas a partir do SENALCA e de outros mecanismos do Ministerio das Relaçôes Exteriores, "deficiencias consultivas entre o Executivo e o setor privado" continuam a contaminar a capacidade do governo de tecer urna política comercial por intermedio de intéresses faccionais e em direçào as prioridades de desenvolvimento nacional (Barbosa, 2004:62). No que diz respeito aos exportadores agrícolas, o Executivo brasileiro é cada vez mais efetivo na promoçào de intéresses no exterior e em abrir novos mercados. No entanto, a relativa fraqueza política desses intéresses faccionais, incluindo os produtores de suco de laranja concentrado, acucar e etanol, impede o aumento do conjunto de ganhos do Brasil para sobrepô-lo as posiçôes em negociaçào pelos Estados Unidos . Maiores esforços poderiam ser feitos pelo Executivo, pelo Congresso e por exportadores agrícolas para desenvolver urna política que estenda os beneficios da liberalizaçào do comercio para mais e mais cidadäos, em particular os beneficiarios da reforma agraria.
Por exemplo, a política agressiva do Brasil para aumentar a produçào e exportaçào de etanol proporciona um solo fértil para o tipo de elos de sinergia necessario para aumentar os conjuntos de ganhos e encontrar urna maior área de sobreposicäo com os Estados Unidos. O Congresso brasileiro, as industrias de cana-de-acúcar e etanol, a CUT e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) poderiam desenliar urna moldura para a política de desenvolvimento rural que permitisse melhores oportunidades para as familias de fazendeiros e trabalhadores rurais participarem dos ganhos que a liderança do Brasil no mercado global de etanol traz. Tal colaboraçào poderia incrementar o apoio político à liberalizaçào do comercio, incitar urna "reverberaçào persuasiva" nos aliados dos Estados Unidos, encorajar o Executivo norte-americano a explorar a reestruturaçào da industria da cana-de-acúcar da Florida, e contribuir para um acordo de ruptura com os Estados Unidos, ou o que Schott (2003) chama de "fazer a ponte no espaço vazio".
Existem razôes compelindo o Brasil a preservar o status quo ñas suas relaçôes comerciáis com os Estados Unidos, incluindo os intéresses inegociáveis defendidos pelos produtores de laranja e cana-de-acúcar da Florida. A estrategia de liberalizaçào competitiva de "dividir e regular" do governo, sua expectativa de deferencia hegemônica e sua propensäo à barganha coercitiva com o Brasil näo säo um bom presságio para as relaçôes entre os dois países. Para completar, a preferencia declarada do Brasil pelo Mercosul também reduz seu conjunto de ganhos em virtude da vulnerabilidade da Argentina em expandir as exportaçôes e serviços dos Estados Unidos . O comprometimento compreensível do Brasil com o Mercosul e sua parceria estratégica com a Argentina fortalecem os falcöes da política comercial e complicami os esforços para detalhar um conjunto de ganhos crível. Seo Brasil nao consegue fazer a ponte no vazio que existe entre dois grupos de posiçôes de barganhas Dilaterais, entäo o poder político das industrias da laranja e da cana-de-acúcar da Florida continuará a tornar agudas as arestas coercivas da política comercial dos EUA, a opor-se à cooperaçâo bilateral e a desempenhar um papel indesculpável na f ormatacäo das alternativas de desenvolvimento do Brasil.
COIUCLUSÁO
Esta análise da influencia política dos produtores de laranja e de cana-de-acúcar da Florida sobre a política comercial dos Estados Unidos com o Brasil ilustra como a teoria da barganha internacional de Putnam (1988) pode ser aplicada para especificar as condiçôes institucionais que amplificami os intéresses faccionais. As aplicaçoes desta teoria têm delimitado o exame destes interesses, de problemas domésticos e internacionais de acäo coleüva e de coordenaçào, tais como a Autoridade para a Promoçào de Comercio, criado para minimizar a influencia política dos intéresses faccionais sobre a f ormaçào dos conjuntos de ganhos e a ratificaçào de tratados. Este artigo revela o papel que o Colegio Eleitoral dos Estados Unidos pode desempenhar na amplificaçào da influencia política de intéresses faccionais sob condiçôes de alta incerteza eleitoral. Urna vez que este exame se limita aos interesses dos setores da laranja e da cana-de-açucar da Rorida, mais pesquisas säo necessárias para urna melhor compreensäo do impacto do Colegio Eleitoral e de outras instituiçôes eleitorais na política comercial.
Esta análise serve também para detalhar precisamente como esses interesses protecionistas específicos impactam a formacäo da política comercial dos EUA no que diz respeito ao Brasil. Os produtores de laranja e de cana-de-acúcar da Florida restringem o conjunto de ganhos e procuram "amarrar as mäos" do negociador de Nivel I para se proteger de ampias importaçôes brasileiras. Parece difícil imaginar que o Executivo dos EUA poderia virar as costas para os plantadores de laranja e de cana-de-acúcar da Florida diante de seu papel eleitoral pivô. Esses interesses faccionais ampliados poderiam manter reféns as relaçôes comerciáis EU A-Brasil, enquanto a Hórida poderia permanecer como chave para ganhar a presidencia norte-americana. Ironicamente, o estado da Florida se beneficiaría do comercio ampliado com o Brasil. O Executivo dos EUA poderia escolher a reestruturaçào da industria da laranja da Florida para exportaçào e o mercado doméstico de suco fresco, enquanto induz a industria da cana-deacúcar a abracar a produçâo de etanol. No entanto, urna escolha täo difícil depende em parte dos esforços brasileiros para construir urna ponte no vazio, e semtais esforços as relaçôes EU A-Brasil continuaräo a ser azedadas pelos interesses faccionais dos produtores de laranja e de acucar da Rorida ainda por algum tempo.
RESUMO
Será que as Laranjas e a Cana-de-açucar da Florida Azedam o Livre Comercio? Urna Ana lise de Ratif icacao de Nivel II da Politica Comercial dos Estados Unidos com o Brasil
O estado da Flòrida e seus produ tores de laranja e de cana-de-acúcar colocam-se no centro do palco das relaçôes económicas entre os Estados Unidos e o Brasil e do drama da Área de Livre Comercio das Americas (ALCA) . Poderosos e persistentes, esses modestos intéresses económicos têm sua importancia política amplificada pelo papel de pivô da Florida ñas recentes eleiçôes presidenciais dos Estados Unidos. Aumentado pelo papel de pivô do estado no Colegio Eleitoral, os intéresses dos setores de laranja e de cana-de-acúcar têm efetivamente restringido a autonomia do Executivo dos EUA. Este traballio emprega a teoria de ratificaçâo de acordos internacionais de Putnam e examina as contribuiçôes de campanha dessas industrias para explorar os desafios de ratificaçâo de Nivel II associado à influencia política das principáis forças protecionistas da Florida. Este exame demonstra como os intéresses faccionais e as instituiçôes políticas podem se cruzar para ampliar a importancia de industrias com interesses estreitos e prescritos territorialmente, sob condiçôes de alta incerteza eleitoral. Por firn, o artigo explora as implicaçôes desses intéresses inegociáveis sobre as relaçôes EU A-Brasil e a política comercial brasileira.
Palavras-chave: Política Comercial - Colegio Eleitoral - Integraçâo Regional - Relaçôes EUA-Brasil.
ABSTRACT
Do Florida Oranges and Sugarcane Sour Free Trade? A Level II Ratification Analysis of United States Trade Policy with Brasil
The state of Florida and its orange and sugarcane producers stand at the center-stage of United States - Brazil economic relations and the Free Trade in the Americas (FTAA) drama. Powerful and persistent, the political importance of these modest economic interests is amplified by Florida's pivotal role in United States' presidential elections of late. Magnified by the the state's pivotal role in the Electoral College, Florida orange and sugarcane interests have effectively restricted the autonomy of the U.S. Executive. This paper employs Putnam' s(1988) international agreement ratification theory and examines these industries campaign contributions to explore the Level II ratification challenges associated with the political influence of Florida's primary protectionist forces. This examination demonstrates how factional interests and political institutions can intersect to amplify the political importance of narrow, territorially prescribed industries under conditions of high electoral uncertainty. Lastly, the article explores the implications of these intractable interests upon U.S.-Brazil relations and Brazilian trade policy.
Key words: Trade Policy - Electoral College - Regional Integration -U.S.-Brazil relations
* Artigo recebido em dezembro de 2004 e aprovado para publicaçâo em dezembro de 2005. Traduçâo de Marisa Gandelman - [email protected]
* Da mesma forma que a palavra commodities foi manada em inglés por já ter sido incorporada ao portugués, optou-se por deixar a expressäo/asf track na lingua original, em razäo de ter sido repetidamente apresentada e discutida em inglés, tanto nos veículos de informaçào especializados e de massa, como ñas discussöes práticas de comercio e negociaçôes internacionais e nos trabalhos académicos na área de economia e comercio internacional. [N. da T.]
* No texto original, o autor usa o termo forward linkage para explicar a estrategia de ISI adotada. Este termo tem urna expressäo equivalente em portugués pouco usada. De acordo com o dicionário Michaelis, a palavra linkage em seu uso técnico em economia significa: "capacidade de urna industria de induzir a criaçào de outras. Esta integraçào desenvolve-se pela interdependencia de materias-primas e bens acabados e semi-acabados. Quando urna industria adquire insumo de outras, sem importar, o efeito é chamado encadeamento retrógrado backward linkage); quando vende sua produçào como insumos para outras industrias, em vez de exportá-los como produtos acabados, o efeito é denominado encadeamento para a frente (forward linkage)" (reproduçào do verbete do Dicionário Pràtico Michaelis, versäo eletrônica). [?. da T.].
* ? termo usado originalmente foi "Rangers" que pode ser, além de vigia, guarda-florestal, soldado, policial [N. da T].
Notas
1. O Centro de Estudos Brasileiros de Relaçôes Internacionais, CEBRI (2001), demonstrou a importancia do papel que os produtores de laranja e acucar desempenham na formaçâo da política de comercio dos Estados Unidos, e Sader (2002) chamou atençâo para a campanha agressiva das industrias de cítricos para renovar a tarifa que protege seu suco de laranja concentrado do importado brasileiro mais barato. Jeter (2003) inicialmente introduziu o termo "azedar" (ou "amargar") na discussäo sobre as relaçôes Brasil/Estados Unidos em seu artigo intitulado 'Tarifas do Acucar dos Estados Unidos Azedam os Brasileiros", publicado no Washington Post Foreign Service.
2. Para urna descriçâo concisa a respeito de "Autoridade para Promoçâo de Comercio", ver Feldpausch e Smith (2002).
3. Orden (2003) explora possíveis políticas de reajustamento para a produçâo de acucar dos Estados Unidos em eventuais cenários da ALCA e propöe a reforma do amendoim de 2002 como um valoroso modelo para ser considerado.
4. Para urna revisäo e análise de Assistência de Ajuste de Comercio (AAC), ver Kletzer e Rosen (2005).
5. A TRQ de acucar permite que exportadores, tais como o Brasil, vendam pequenas quantidades relativamente livres de impostos. Exportaçôes acima da cota, além daquelas distribuidas pela TRQ, estäo sujeitas a tarifas muito altas de 15,36 libras (Orden, 2003:13).
6. O republicano Mark Foley da Florida, o maior receptor do Congresso das contribuiçôes de campanha da industria do acucar durante o último ciclo eleitoral, deu seu voto a favor do ALCAC-RD. Parece que o voto de Foley, ainda que desagradável para os interesses açucareiros, levanta seu prestigio junto ao presidente Bush e sua habilidade para proteger os interesses da industria mais adiante, na medida em que a administraçâo continua a negociar Acordos de Livre Comercio (ALCs) bilaterais e subregionais.
7. Essa perda, näo usual para quem está no exercício do poder, foi em parte resultado da nova distribuiçâo por distrito que se seguiu ao Censo de 2000 e que premiou a Flòrida com dois votos adicionáis na Cámara dos Deputados.
8. As conexöes de financiamento de campanha entre os que dividem a presidencia do grupo do Brasil e os protegidos produtores de acucar e de acó dos EUA so podem servir para complicar ainda mais as relaçôes de comercio com o Brasil.
9. Alexander Hamilton declarou sua intençâo em O Federalista, número 68, p. 205: "Era igualmente desejável que a imediata eleiçâo fosse fei ta pelos homens mais capazes de analisar as qualidades adaptadas à estaçâo, de agir sob as circunstancias favoráveis à dehberaçâo, e de fazer uma combinaçâo judiciosa de todas as razôes e motivaçôes que eram proprias para governar suas escolhas. E mais provável que um pequeño número de pessoas, selecionadas pelos companheiros-cidadäos da massa em gérai, detenha a informaçâo e o discernimento que sao requisitos para a reahzaçâo de investigates tao complicadas."
10. Os exportadores brasileiros de acucar de fato tiram proveí to de enormes rendas da pequeña cota de importaçâo alocada para eles, com preços substancialmente mais altos do que os preços do mercado doméstico ou mundial. Correntemente, o Brasil apropria sua Cota de Tarifa para os produtores localizados no Nordeste, mais pobre, como parte de sua política de desenvolvimento regional, o que cria as condiçôes de, pelo menos, existir uma aliança tácita entre os produtores de acucar dos EUA e aquelas firmas brasileiras que gozam de rendas robustas do mercado dos EUA, restritivo, porém, de preços altos. No entanto, é duvidoso que tal aliança explique a ausencia de um tratado ou acordo entre EUA e Brasil que inclua o acucar.
11. Esta sugestáo é contingente ao status quo no comercio de etanol. No entanto, se o Brasil aumentar rapidamente sua produçâo de etanol para os mercados doméstico e global, sua capacidade de suprir o mercado norte-americano será cumplida. No momento, o Brasil utiliza aproximadamente 50% de sua cana-de-açucar para a produçâo de etanol, com variaçôes armais de acordo com a regulaçâo do governo brasileiro sobre a mistura de gasolina e etanol para as condiçoes de mercado doméstico e de mercado global.
12. Hinojosa-Ojeda (1998) modela os possíveis resultados da ALCA, tanto para o Brasil como para os EUA, e concluí que os maiores ganhos em bem-estar de um pacto hemisférico de comercio poderiam ser assegurados a ambos os países. Schott (2003) também alega que a ALCA poderia incrementar substancialmente o comercio e o bem-estar entre os dois países. Conrado, alguns poucos académicos analisaram como tais ganhos em bem-estar seriam distribuidos no Brasil, que possui urna das distribuiçôes de renda mais concentradas do mundo.
13. Os desenvolvimentistas, incluindo o ministro das Relaçôes Exteriores Celso Amorim, querem essencialmente preservar a soberanía do Brasil na forma como se aplica, para a formulaçâo de urna política de desenvolvimento nacional, ou, como Amorim sugeriu em urna entrevista à Veja (2004), "queremos urna ALCA que respeite a capacidade das naçôes de preservar seus próprios modelos de desenvolvimento". Barbosa (2003) também identifica esse interesse estratégico em relaçâo as negociacöes da ALCA.
14. O encontró de gabinete sem precedentes, entre os presidentes Lula e Bush, em junho de 2003, demonstra que o conceito de urna aliança bilateral estratégica é urna importante referencia entre os líderes na elaboracäo da política externa de ambos os países.
15. Para urna análise completa sobre integraçâo económica no Mercosul e América do Sul, ver Carranza (2000).
16. Para urna explicaçâo concisa das posiçôes dos EUA e da UE sobre o comunicado conjunto levado a público na véspera da reuniäo de Cancun, ver Zedillo (2003). Discussöes intrigantes sobre a reuniäo de Cancun encontram-se em Henwood (2003) e Mandle (2003).
17. Ver o Multinational Monitor (2003) para urna detalhada consideraçâo de Miami.
18. Aggarwal e Espach (2003:41-42) propöem urna tipologia de estrategias de comercio na América Latina e definem o Brasil como "líder regional". Eies alegam que "o Brasil, massivo e crescente, ganhou prestigio ao adicionar liderança política regional à sua posiçâo como motor económico da América do Sul".
19. A fraqueza relativa dos exportadores agrícolas do Brasil refere-se ao equilibrio de poder em favor dos oponentes da ALCA, incluindo muitos industriáis nacionais e trabalhadores organizados sob a liderança da Central Única dos Trabalhadores (CUT), assim corno a esquerda da base de centro do Partido dos Trabalhadores do presidente. No entanto, os exportadores agrícolas säo bem organizados para advogar em defesa de intéresses domésticos pelo Ministerio da Agricultura e pelo Congresso brasileiro (Helfand, 1999).
20. Ver Cason (2000), Keat (2002), Phillips (2003) e Ferreira Simöes (2002) para tratamentos analíticos do Mercosul, e a relaçâo entre Argentina e Brasil em particular e dentro do contexto do processo da ALCA.
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Mark Langevin**
**Ph.D em Ciencia Política pela Universidade do Arizona e professor assistente no Departamento de Ciencia Política da Chapman University College. Gostaria de agradecer à Faculdade de Ciencias Sociais e aos estudantes do Departamento de Ciencias Sociais da Universidade Federai do Espirito Santo, Vitoria, por promover minhas apresentaçôes sobre política comercial dos EUA e relaçoes EUA-Brasil em maio de 2003 e novembre de 2004. Reconheço também as contribuiçôes e a inspiraçâo dos meus alunos do Seminàrio Sènior na Chapman University College.
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Copyright Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Jan-Jun 2006
Abstract
The state of Florida and its orange and sugarcane producers stand at the center-stage of United States - Brazil economic relations and the Free Trade in the Americas (FTAA) drama. Powerful and persistent, the political importance of these modest economic interests is amplified by Florida's pivotal role in United States' presidential elections of late. Magnified by the the state's pivotal role in the Electoral College, Florida orange and sugarcane interests have effectively restricted the autonomy of the U.S. Executive. This paper employs Putnam' s(1988) international agreement ratification theory and examines these industries campaign contributions to explore the Level II ratification challenges associated with the political influence of Florida's primary protectionist forces. This examination demonstrates how factional interests and political institutions can intersect to amplify the political importance of narrow, territorially prescribed industries under conditions of high electoral uncertainty. Lastly, the article explores the implications of these intractable interests upon U.S.-Brazil relations and Brazilian trade policy. [PUBLICATION ABSTRACT]
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