Resumo
Este trabalho pretende discutir que os teólogos alemâes, comprometidos com a ideologia nazista, inclusive através do juramento de lealdade que fizeram ao Führer, nao optaram pelo "silêncio virtual" nem demonstraram "um interesse limitado" pelo Jesus histórico. Muito pelo contrário, eles nao apenas potencializaram o "retrato" de Jesus como sendo um ariano, como também o popularizaram, por meio de seus escritos, de suas homilias e de suas experiências cotidianas. Deve-se ter atençao aqui: a consolidaçao desse novo retrato é anterior ao advento de Hitler, como se pode ler em um vasto conjunto de obras, tais como, por exemplo, as de Ernst Renan, Theodor Keim e Houston Stewart Chamberlain. No entanto, é com a ascensao de Hitler ao poder que a leitura do Jesus ariano ganhou uma dimensao até entao nao imaginada, já que ela culmina na efetiva colaboraçao de um expressivo número de teólogos cristaos com a política assassina do Estado nazista, culminando no holocausto judaico.
Palavras-chave: Jesus Histórico; Nazismo; História e Teologia.
Abstract
This work aims to discuss that German theologians, committed to the Nazi ideology, including through the loyalty oath that made to the Führer, neither opted to the "virtual silence" nor demonstrated a "limited interest" for the historical Jesus. On the contrary, they not only potentiated the "portrait" of Jesus as an Aryan, as well as popularized it through his writings, his homilies and their everyday experiences. It must be paid attention here: the consolidation of this new portrait is before the advent of Hitler, as can be read in a wide range of works, such as, for example, Ernst Renan, Theodor Keim and Houston Stewart Chamberlain. However, it is precisely when Hitler rises to power that the reading of the Aryan Jesus won a scale hitherto unimagined, since it culminates in the effective collaboration of a significant number of Christian theologians with the murderous policy of the Nazi state, culminating in the Jewish Holocaust.
Keywords: Historical Jesus; Nazism; History and Theology.
Introduçâo
Walter Weaver (1999, pp. 141-154), ao analisar a construçao historiogrâfica de Jesus no período entre as duas grandes guerras mundiais, particularmente na Alemanha dos anos trinta, optou, nao pelo silêncio, mas pela omissao deliberada de analisar o âpice de um olhar historiogrâfico, levado às últimas consequências por um conjunto de teólogos e pastores alemaes, o qual teve fortes implicaçoes em diferentes partes do mundo, inclusive no Brasil (DIETRICH, 2007; GARCIA, 2013).
Se já nao bastasse a omissao, sob o argumento da enorme complexidade1 que envolvía a "questao judaica" no III Reich, Weaver (1999, p. 141[a], 146[b]), em pelo menos dois momentos bem específicos, optou por falsear a realidade histórica, em vez de reconhecê-la e em analisá-la. Eis os dois momentos:
[a] Os alemaes já tinham optado pelo silêncio virtual, nao indo muito além das obras de Rudolf Otto e Martin Dibellius.2
[b] Contudo, a década de trinta produziu, na Alemanha, um interesse limitado pelo Jesus histórico, sendo o trabalho mais proeminente o de Rudolf Otto, com algumas contribuiçoes também de Martin Dibelius.
Estas duas citaçoes nao deixam de causar profundo estranhamento, para nao dizer mesmo uma contradiçao histórica, especialmente porque Weaver (1999, p. 145, nota 10) sabe quao trágico foi o envolvimento de teólogos e pastores alemaes com o programa nacional-socialista, citando, inclusive, sem minimamente explorá-la, a importante obra de Robert Ericksen (1985).3
Este trabalho vai exatamente na direçao oposta da referida obra de Weaver. Aquilo que se quer enfocar aqui é que teólogos alemaes, comprometidos com a ideologia nazista, inclusive através do juramento de lealdade que fizeram ao Führer (HESCHEL, 2008, pp. 73-75), nao optaram pelo "silêncio virtual" nem demonstraram "um interesse limitado" pelo Jesus histórico. Muito pelo contrário, eles nao apenas potencializaram o "retrato" de Jesus como sendo um ariano, como também o popularizaram, por meio de seus escritos, de suas homilias e de suas experiências cotidianas (ERICKSEN, 1985; 1999, pp. 22-39; 2012, pp. 24-60).4
1Dados contextuáis
As duas primeiras décadas do século XX constituíram um momento de considerável agitaçao política, social e psicológica (SCOTT, 2005, p. 92): morte, brutalidade, destruiçao e devastaçao trazidas pela I Guerra Mundial, em níveis até entao impensáveis, levaram muita gente, incluindo os cristaos conservadores norte-americanos, a concluir que a "civilizaçao ocidental" havia fracassado. Diante daquilo que entendiam ser o mais absoluto caos e a barbárie, eles propuseram um retorno à autoridade bíblica e à interpretaçao literal das Escrituras. Estavam lançadas as bases de uma experiência religiosa conhecida como fundamentalismo (SCOTT, 2005, p. 92, citando Armstrong, 2000, pp. 195-228). Do ponto de vista teológico, esses cristaos conservadores estavam reagindo a um forte criticismo bíblico, cujas bases haviam sido lançadas na Alemanha - uma das responsáveis, na visao desses cristaos conservadores, pela disseminaçao do caos e da barbárie.
Esse criticismo bíblico, diretamente relacionado à forma de pensar as escrituras sagradas, pode ser entendido como uma escola de pensadores teológicos, fundada por Friedrich Schleiermacher (1768-1834), David Friedrich Strauss (18081874) e Ludwig Feuerbach (1804-1872). Essa escola foi levada, ainda no século XIX, à Inglaterra e aos Estados Unidos por eruditos e estudantes universitários (LIENESCH, 2007, p. 18). Seu pressuposto básico era que a bíblia poderia ser melhor compreendida se analisada em seu contexto histórico. Para tanto, deveriam ser levados em consideraçao a autoria, a dataçao e o propósito original de cada um dos livros que a formavam. Essa perspectiva teológica foi associada pelos cristaos conservadores norte-americanos como um ataque à sua religiao, da mesma forma que o militarismo da I Guerra Mundial, especialmente o alemao, foi lido como uma agressao à "civilizaçao ocidental" (SCOTT, 2005, p. 92).
2Fundamentos raciais
Militarismo alemao, teorias de superioridade racial e eugenia foram vistas pelos cristaos conservadores norte-americanos como estando diretamente relacionados à aceitaçao da evoluçao humana pelos alemaes, no final do século XIX (SCOTT, 2005, p. 93). Na realidade, o entendimento que os alemaes tinham acerca de tais tópicos era bem diferente daquele desenvolvido por Darwin, na medida em que os primeiros rejeitavam incisivamente a seleçao natural como um mecanismo de mudança biológica e social.
Evoluçao, através da seleçao natural, nao preenchia os requisitos das visoes militaristas alemaes de inevitabilidade do triunfo teutónico - bem entendido, a seleçao natural lida como a seleçao dos mais aptos em termos de um ambiente particular. Ela nao trabalha com o pressuposto de que os alemaes ou quaisquer outros venham a ser inevitavelmente superiores a todos os outros, sem considerar a circunstância ambiental (SCOTT, 2005, p. 93). O darwinismo social, cujas bases argumentativas possibilitaram a construçao do Jesus Ariano, tem aqui um importante peso de análise.
3Fundamentos raciais na Alemanha Ariana
Tendo em mente a teoría das espécies de Darwin, alguns cientistas, como por exemplo, Herbert Spencer (1820-1903) e Francis Galton (1822-1911), criaram correntes na ciência que defendiam a tese (i) da diferença racial entre seres humanos, (ii) da importância de um controle sobre a demografía humana, (iii) da possível inferioridade dos povos negros, principalmente naquilo que se referia à inteligência, à alta taxa de criminalidade, e (iv) do combate à miscigenaçao. Munida por estes principios, a ciência moderna pós-iluminista passou a admitir como verdade passivel de demonstraçao que nao apenas determinadas características biológicas e sociais capacitariam uma pessoa como superior à outra, como também qual raça se enquadraria melhor no critério da superioridade.
Convém destacar que essa matriz histórica permitiu que setores mais à direita da sociedade alema combinassem a teoria racial com o cristianismo, levando ao desenvolvimento do "arianismo cristäo" (HESCHEL, 1999, p. 68). Esse fenómeno tem sido descrito por Saul Friedländer (apud HESCHEL, 1999, p. 68) como a "redençâo antissemita", decorrente do medo da degeneraçao racial e da crença religiosa crista na redençao. Com relaçao ao medo da degeneraçao racial, esta cristandade ariana advogava libertar a Alemanha dos judeus e do judaismo (para um aprofundamento, ver: STEIGMANN-GALL, 2004, pp. 33-76). Um bom exemplo historiográfico advém da célebre obra de Adolf von Harnack ([1924, original] 1990, pp. 134-135):
Foi Lutero que mais uma vez deu uma posiçao central para o reconhecimento Paulino-Marcionita da distinçao entre lei e evangelho; esse reconhecimento tornou-se a alavanca da Reforma como um movimento espiritual. Sua tese, que foi estabelecida acima de todas as outras perspectivas de fé, colocada em termos negativos, diz assim: "a lei nao é capaz de nos mostrar o verdadeiro Deus".
Johannes Agricola (1494-1566) viu a questao ainda mais claramente: ele avaliou a lei como uma tentativa frustrada, por parte de Deus, para conduzir a humanidade por meio de ameaças. Porém, Deus pode cometer um erro ou falha? A partir daí, era pouco mais que um passo para a explicaçao prudente que Lutero também deu naquilo que diz respeito aos componentes alexandrinos do Antigo Testamento, que livros do Antigo Testamento sao "bons e úteis para ler", mas eles estao à margem do Novo Testamento, porque eles nao sao um guia canónico. Teria sido um alivio para o cristianismo e para sua doutrina, se Lutero tivesse dado este passo!
Convém destacar que von Harnack nao estava sozinho nesse seu pleito de libertar o cristianismo do pesado fardo que representava o Antigo Testamento. Conforme observou Richard Steigmann-Gall (2004, p. 39, 48), nao apenas Artur Dinter, em 1921, no seu romance O Pecado contra o Espirito (em traduçao livre do original Die Sünde wider den Geist), reivindicava a necessidade de remoçao desse material judaico da biblia crista, pois ele constituiria um monumento ao "pensamento religioso dos judeus, que se baseia em mentiras e traiçao, negocios e lucro", como também o próprio Mestre Eckart, a quem Hitler fez um tributo em Mein Kampf, ao escrever no poema entitulado "O Enigma": "O Novo Testamento afastou-se do Velho / como tu te libertaste do mundo / E assim como estás livre das tuas ilusoes passadas / também Jesus Cristo rejeitou a sua condiçao de judeu".
4A materialidade Institucional Crista do Nazismo
Quanto à crença na redençao crista entre muitos alemaes durante o período nazista, percebe-se que ela era composta de duas metades, como se formassem uma perfeita simbiose (STEIGMANN-GALL, 2004, p. 46). A primeira delas era formada pela figura de Hitler como salvador. Sua missao era aquela mesma de Cristo, qual seja, a de combater sem medo e sem trégua o judaismo. A segunda metade dizia respeito às instituiçoes religiosas, muitas delas destacando a ideia de redençao através da cruz. Neste sentido, essa redençao só poderia ser realizada na sua plenitude pela purificaçao de Jesus de toda e qualquer relaçao com o judaísmo, reconstruindo-o como ele pretensamente teria sido, isto é, como um ariano, e nao como um judeu (ver imagens ia-c, 2, 3, 4, atentar para os detalhes estéticos da aparência).
Os chargistas da época5 (ver imagens 5 e 6) conseguiram captar essa perfeita simbiose entre o Estado Nazista e setores das igrejas cristas luterana e católica.
O texto em alemao diz: "Sobre a fundaçao da Igreja do Estado [Alemao]. A cruz ainda nao era forte o bastante".
5Jesus: "o primeiro Ariano"
A implantaçao da cristandade ariana na igreja institucional protestante era o objetivo do Movimento (pró-nazista) Cristao Alemao (BERGEN, 1999: 40-67; 1996). Seu ápice se deu em 6 de maio de 1939, através do estabelecimento de um pseudo-centro de pesquisa antissemita, conhecido como Instituto para Estudo e Erradicaçao da Influência Judaica da Vida Religiosa Alema (Institut zur Erforschung und Beseitigung des Jüdischen Einflusses im Deutschen Kirchlichen Leben) (BERGEN, 1996, pp. 142-171; HESCHEL, 2008, pp. 67-105; 1999, pp. 6889).
Alguns dos principais nomes do Instituto tinham sido orientandos de Gerhard Kittel (ERICKSEN, 1999, pp. 33-37), no inicio dos anos trinta, na Universidade de Tübingen, quando da organizaçao do Dicionário Teológico do Novo Testamento (Theological Dictionary of the New Testament). A proposta do Instituto era a de identificar a cristandade com o antissemitismo nacionalsocialista, arguindo: Jesus era um ariano que procurava destruir o judaismo (ver imagens 7a, 7b).
O retrato do Jesus ariano se contrapôe ao do mau ladrao, localizado à sua direita, representado por um judeu, caracterizado pelo seu nariz adunco ou aquilino (ver imagens 7a, 7b) No entanto, esta forma de representaçao traz consigo sinais de fraqueza e/ou de derrota de Jesus, pois sua cabeça está caída sobre seu ombro esquerdo, seus braços já nao sao mais capazes de segurar seu tronco, o qual força os quadris, fazendo com que suas pernas se dobrem na cruz.
A fim de superar, do ponto de vista estético, aquilo que poderia parecer um sinal de derrota frente às maquinaçôes judaicas, outras representaçôes de Jesus foram desenvolvidas nos anos trinta no interior da Alemanha (ver imagem 8). Por meio delas, buscou-se reforçar a vitória da cruz sobre os judeus. Jesus, firme como uma rocha, tem um corpo musculoso e reluzente, cabeça erguida e olhos fixos no horizonte, como que transcendendo à dor, à violência e à derrota. Vê-se aqui, do ponto de vista estético, a sistematizaçao de um olhar historiográfico levado ao seu ápice pelos teólogos e religiosos nazistas: o Jesus ariano.
6Apontamentos conclusivos (deste ensaio, nao da pesquisa!)
Os esforços de muitos teólogos alemaes em sintetizar cristianismo e nacional-socialismo se devem a dois aspectos, em particular: (a) o oportunismo político; e (b) a crise interna na teologia protestante liberal no final do século XIX. Esta crise seria o resultado da descoberta de que o Jesus histórico era judeu, cujos ensinamentos eram idénticos àqueles de outros rabis de seus dias.6 Isto levou ao problema de determinar (a) a singularidade de Jesus e (b) a fronteira entre protestantismo liberal e judaísmo liberal.
Buscava-se marcar a identificaçao do cristianismo com a fé de Jesus, nao a fé em Jesus. Enquanto o conteúdo da mensagem de Jesus poderia ter sido idêntica ao judaísmo, sua diferença seria assegurada em bases raciais. Assim, debates teológicos sobre se Jesus era um judeu ou um ariano começaram muito antes de Hitler chegar ao poder.
Aquilo que era inovador no Instituto era seu objetivo de revisar de froma radical a doutrina e a liturgia cristas tal como praticadas nas igrejas cristas através do Reich, trazendo-as em concordância com o antissemitismo racial (HESCHEL, 1999, pp. 68-69). Documentos de arquivos mostram que em 1935 o representante oficial das faculdades de teologia submeteu algumas petiçoes formais requisitando a inclusao nas SS dos estudantes de teologia e pastores (HESCHEL, 1999, p. 70). Outros documentos revelam que em 1936, quando os oficiais do Partido Nazista ordenaram a remoçao da suástica dos altares das igrejas e dos cabeçalhos dos jornais de igrejas, numerosas lideranças religiosas cristas protestaram, reivindicando que a suástica no altar era uma fonte de profunda inspiraçao para os crentes.7
A "Noite dos Cristais", um pogrom ocorrido em 9 de novembro de 1938, pode providenciar uma base interessante para entender a criaçao do Instituto. A Declaraçao Godesberg, redigida em 4 abril de 1939 com o apoio do Movimento Cristao Alemao, afirmava (HESCHEL, 1999, p. 70): "o nacional-socialismo levava avante o trabalho de Martin Lutero e levaria o povo alemao ao verdadeiro conhecimento da fé crista".
O cerne da referida Declaraçao trazia os seguintes questionamentos: (a) Qual é a relaçao entre judaismo e cristianismo? (b) O cristianismo seria uma derivaçao do judaismo, logo, sua continuaçao e seu término, ou ele se opoe ao judaismo? A própria declaraçao respondeu a estas questoes: "O Cristianismo é uma oposiçao religiosa intransponivel ao judaismo".
O bispo Martin Sasse, da Thuringia, um antigo membro do Partido Nazista, apoiou energicamente a "Noite dos Cristais". Como resposta a esta açao, ele publicou um pequeno panfleto entitulado: "Martin Lutero sobre os Judeus: acabem com eles".
Nele, o referido bispo arguia que o pogrom estava completamente de acordo com as próprias intençoes de Lutero.8 Sasse observava que Lutero tinha também pedido para queimarem sinagogas e escolas (incluindo aí os livros e as pessoas!), e a erradicaçao do judaismo era, argumentava Sasse, um dos próprios objetivos da respectiva reforma luterana. Esse bispo, juntamente com Walter Gründmann, trabalhou muito para a fundaçao do Instituto - que passará a funcionar no seminário teológico em Eisenach, junto à universidade de Jena, na Thuringia.
Convém observar, portanto, que as pesquisas sobre o Jesus Histórico, apesar de terem sofrido um forte abalo no inicio do século XX pelos resultados obtidos por Albert Schweitzer (1906 - original) e Rudolf Bultmann (1926 - original), nao foram paralisadas, nem deixaram de ser feitas, como normalmente é assumido do ponto de vista historiográfico.
Muito pelo contrário, com o advento do darwinismo social, constata-se o aceleramento de forças que já estavam em curso, atuando na dinamizaçao de uma Europa tradicionalmente antissemita. Se o darwinismo social nao explica sozinho todo esse processo de mudança, ele proporciona meios e formas necessários de leituras a fim de se entender como foi a transformaçao de um Jesus judeu - que aponta o cristianismo como o único caminho possível para todos os judeus - para um Jesus ariano - que se opôs de forma feroz à religiao judaica, nao medindo esforços para erradicá-la, sendo por isso morto pela forte pressao feita pelos judeus sobre Pilatos.
Deve-se ter atençao aqui: a consolidaçao desse novo retrato é anterior ao advento de Hitler, como se pode 1er em um vasto conjunto de obras, tais como, por exemplo, as de Ernst Renan, Theodor Keim e Houston Stewart Chamberlain. No entanto, é com a ascensao de Hitler ao poder que a leitura do Jesus ariano ganhou uma dimensao até entao nao imaginada, já que ela culmina na efetiva colaboraçao de um expressivo número de teólogos cristaos com a política assassina do Estado nazista, culminando no holocausto judaico.
1 Como se essa complexidade nao dissesse respeito ao escopo do livro de Weaver, que trata da historiografia do Jesus histórico na primeira metade do século XX.
2 Ericksen (2012, pp. 29-31, 190-191) demonstra o quanto Dibellius era antissemita e o quanto ele respaldou a política do Estado Nazista contra os judeus. Cf. tb. Baranowski (1999, pp. 100, 104), com destaque para o antissemitismo do autor.
3 Weaver deixou de fora da extensa bibliografia de seu livro o trabalho de Doris Bergen (1996). Este livro continua sendo a principal pesquisa histórica já realizada sobre o Movimento Cristao Alemao, um campo eclesiástico constituido para apoiar, até as últimas consequências, a política nazista. Certamente, se Weaver tivesse lido as obras de Ericksen e de Bergen, sua percepçao teria sido outra acerca do Jesus histórico na Alemanha hitlerista.
4Para entender a potencializaçao do retrato de Jesus como ariano no cotidiano nazista, deve-se considerar os números oferecidos pelo censo alemao de maio de 1939: 54% deles se consideravam protestantes; outros 40% se diziam católicos; 3,5% se viam como neopagaos e 1,5% declaravam nao ter religiao. Sobre os referidos dados, ver: Ericksen e Heschel, 1999, p. 10; Ericksen, 1999, p. 22; Bergen, 1999, p. 40.
3 Para outras caricaturas retratando esta estreita relaçao, ver: Ericksen e Heschel (1999, figs. 16, 17).
6Para um aprofundamento do antissemitismo no contexto europeu do século XIX, ver: Eco (2011); quanto à aplicabilidade do conceito de antissemitismo na Europa Medieval, especialmente na Península Ibérica, cf. Sancovsky (2008). Como uma reaçao à condiçao judaica de Jesus na Europa do século XIX, tal como exemplificado no debate mencionado por Umberto Eco (2011, pp. 377-379) ou criticado por Walter Buck (Steigmann-Gall, 2004, p. 51), ver, por exemplo: Ernest Renan (1895 - ao longo de toda a obra), Karl Keim (1867, 6 volumes - ao longo de toda a obra), Houston Chamberlain (1900, especialmente o capítulo 3 nas páginas 221-228). Para um aprofundamento de Jesus como um ariano no contexto nazista, ver: Heschel (1999, pp. 76-78) e Steigmann-Gall (2004, pp. 49-59).
7Esses documentos parecem ser suficientes para dar conta das "polémicas" que comentadores às obras de Heschel apontaram de forma artificial ou nao. Sobre isso, ver Morgan, 2010; Head 2004, 2010.
8Pelo menos neste aspecto, convém observar, o referido bispo nao estava completamente equivocado. Para efeito de constataçao, basta que o leitor se interesse em ler a obra de Lutero intitulada Os Judeus e suas Mentiras, de 1543. Para uma análise mais recente sobre os usos de Lutero pelo nazismo, ver: Mendes (2015). O referido trabalho também contempla um bom levantamento documental referente a Lutero e suas recepçoes pelo regime nazista, inclusive, mas nao somente, por meio do "cinema de propaganda" viabilizado pelo III Reich.
REFERÊNCIAS
BARANOWSKI, S. The Confessing Church and Antissemitism. Protestant Identity, German Nationhood, and the Exclusion of Jews. In: ERICKSEN, R. P.; HESCHEL, S. (Eds.) Betrayal. German Churches and the Holocaust. Minneapolis: Fortress Press, 1999, pp. 90-109.
BERGEN, D. L. Storm Troopers of Christ. The German Christian Movement and the Ecclesiastical Final Solution. In: ERICKSEN, R. P.; HESCHEL, S. (Eds.) Betrayal. German Churches and the Holocaust. Minneapolis: Fortress Press, 1999, pp. 40-67.
BERGEN, D. L. Twisted Cross. The German Christian Movement in the Third Reich. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1996.
BULTMANN, Rudolf. Jesus. Sao Paulo: Teológica, 2005.
CHAMBERLAIN, H. Stewart. Foundations of the Nineteenth Century. Vol. 1. New York: Howard Fertig, 1968, (publicaçao original de 1900).
DIETRICH, Ana Maria. Caça às Suásticas. O Partido Nazista em Sao Paulo sob a mira da Polícia Política. Sao Paulo: Associaçao Editorial Humanitas: Imprensa Oficial do Estado de Sao Paulo, Fapesp, 2007.
ECO, U. O Cemitério de Praga. Rio de Janeiro: Record, 2011.
ERICKSEN, R. P. Assessing the Heritage. German Protestant Theologians, Nazis, and the "Jewish Question". In: ERICKSEN, R. P.; HESCHEL, S. (Eds.) Betrayal. German Churches and the Holocaust. Minneapolis: Fortress Press, 1999, pp. 22-39.
ERICKSEN, R. P. Complicity in the Holocaust. Churches and Universities in Nazi Germany. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.
ERICKSEN, R. P. Theologians under Hitler. New Haven: Yale University Press, 1985.
ERICKSEN, R. P.; HESCHEL, S. (Eds.) Betrayal. German Churches and the Holocaust. Minneapolis: Fortress Press, 1999.
GARCIA, Bruno (Org.). Dossiê O Nazismo no Brasil. Revista de Historia da Biblioteca Nacional: Rio de Janeiro, v. 8, n. 88, 2013.
HEAD, Peter M. Susannah Heschel's The Aryan Jesus: A Response. Journal for the Study of the New Testament: London, v. 32, n. 4, pp.421-431, 2010.
HEAD, Peter M. The Nazi Quest for an Aryan Jesus. Journal for the Study of the Historical Jesus: London, v. 2, pp. 55-89, 2004.
HEARTFIELD, J. Zur Gründung der Staatskirche. Das Kreuz war noch nicht scher genug. 1933. Capa de Bergen, 1996.
HESCHEL, S. The Aryan Jesus. Christian Theologians and the Bible in Nazi Germany. Princeton: Princeton University Press, 2008.
HESCHEL, S. When Jesus was an Aryan. The Protestant Church and Antisemitic Propaganda. In: ERICKSEN, R. P.; HESCHEL, S. (Eds.) Betrayal. German Churches and the Holocaust. Minneapolis: Fortress Press, 1999, pp. 68-89.
KEIM, K. T. The History of Jesus of Nazara: Freely Investigated in its Connection with the National Life of Israel, and Related in Detail. London: Williams and Norgate, 2nd Ed, 6 Volumes, 1867-1883.
LIENESCH, M. In the Beginning. Fundamentalism, The Scopes Trial, and The Making of the Antievolution Movement. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2007.
MARTIN-LUTHER-GEDÄCHTNISKIRCHE (Igreja Memorial Martin Lutero). Berlim, Alemanha. Disponível em: <http://www.mlgk.de>. Acesso em: 07 de Janeiro de 2016.
MARTIN-LUTHER-GEDÄCHTNISKIRCHE (Igreja Memorial Martin Lutero). Berlim, Alemanha. Disponível em: <http://www.ev-kirchengemeindemariendorf.de/MLGK/mlgk02.htm>. Acesso em: 07 jan. 2016.
MENDES, Caroline Alves Marques. Martinho Lutero e o Terceiro Reich. A Perspectiva Cinematográfica de uma Tradiçao Inventada. Monografía de Conclusäo de Curso. Instituto de Historia. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015.
MORGAN, Robert. Susannah Heschel's Aryan Grundmann. Journal for the Study of the New Testament: London, v. 32, n. 4, pp.431-495, 2010.
RENAN, E. Vie de Jésus. Paris: Calmann Lévy Éditeur, 1895, (publicaçao original de 1863).
SANCOVSKY, R. R. Inimigos da Fé. Judeus, Conversos e Judaizantes na Península Ibérica no Século VII. Rio de Janeiro: Imprinta, 2008.
SCHWEITZER, Albert. A Busca do Jesus Histórico. Sao Paulo: Editora Crista Novo Século, 2003.
SCOTT, E. C. Evolution Vs. Creationism. An Introduction. Berkeley: University of California Press, 2005.
STEIGMANN-GALL, R. O Santo Reich. Concepçôes Nazistas do Cristianismo, 19191945Rio de Janeiro: Imago, 2004.
VON HARNACK, A. Marcion. The Gospel of the Alien God. Jamestown: Labyrinth Press, 1990.
WEAVER, W. P. The Historical Jesus in the Twentieh Century, 1900-1950. Harrisburg, Pennsylvania: Trinity Press International, 1999.
ZEC, P. JORNAL DAILY MIRROR. 1941. Disponível em: <http://www.ukpressonline.co.uk/ukpressonline/explore/MGN/DMir/month/194105;jsessionid=727863439526A1310C704B383DF83EC0>. Acesso em: 07 jan. 2016.
André Leonardo Chevitarese*
Daniel Brasil Justi*
Artigo recebido em 17 de outubro de 2016 e aprovado em 28 de março de 2017.
* Graduaçao em História e Mestrado (em História Social) pela UFRJ. Seu Doutorado (em Antropologia Social) foi feito na USP. É Professor Associado do Instituto de História da UFRJ, atuando no Programa de Pós-Graduaçäo em História Comparada. Tem se voltado para o estudo das experiências religiosas. País de Origem: Brasil. E-mail: [email protected].
* Possui graduaçao em História pela UFRJ (2010) e em Teologia pela Faculdade Batista de Teologia (2005). Possui doutorado em História Comparada pela UFRJ (2015). Pós-doutor em Arqueologia pelo Museu Nacional/UFRJ. Atualmente é pesquisador associado da Pontificia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pais de Origem: Brasil. E-mail: [email protected].
You have requested "on-the-fly" machine translation of selected content from our databases. This functionality is provided solely for your convenience and is in no way intended to replace human translation. Show full disclaimer
Neither ProQuest nor its licensors make any representations or warranties with respect to the translations. The translations are automatically generated "AS IS" and "AS AVAILABLE" and are not retained in our systems. PROQUEST AND ITS LICENSORS SPECIFICALLY DISCLAIM ANY AND ALL EXPRESS OR IMPLIED WARRANTIES, INCLUDING WITHOUT LIMITATION, ANY WARRANTIES FOR AVAILABILITY, ACCURACY, TIMELINESS, COMPLETENESS, NON-INFRINGMENT, MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR A PARTICULAR PURPOSE. Your use of the translations is subject to all use restrictions contained in your Electronic Products License Agreement and by using the translation functionality you agree to forgo any and all claims against ProQuest or its licensors for your use of the translation functionality and any output derived there from. Hide full disclaimer
Copyright Pontificia Universidade Catolica de Minas Gera, Programa de Posgraduacao em Ciencias da Religiao Jan-Mar 2017
Abstract
This work aims to discuss that German theologians, committed to the Nazi ideology, including through the loyalty oath that made to the Führer, neither opted to the "virtual silence" nor demonstrated a "limited interest" for the historical Jesus. On the contrary, they not only potentiated the "portrait" of Jesus as an Aryan, as well as popularized it through his writings, his homilies and their everyday experiences. It must be paid attention here: the consolidation of this new portrait is before the advent of Hitler, as can be read in a wide range of works, such as, for example, Ernst Renan, Theodor Keim and Houston Stewart Chamberlain. However, it is precisely when Hitler rises to power that the reading of the Aryan Jesus won a scale hitherto unimagined, since it culminates in the effective collaboration of a significant number of Christian theologians with the murderous policy of the Nazi state, culminating in the Jewish Holocaust.
You have requested "on-the-fly" machine translation of selected content from our databases. This functionality is provided solely for your convenience and is in no way intended to replace human translation. Show full disclaimer
Neither ProQuest nor its licensors make any representations or warranties with respect to the translations. The translations are automatically generated "AS IS" and "AS AVAILABLE" and are not retained in our systems. PROQUEST AND ITS LICENSORS SPECIFICALLY DISCLAIM ANY AND ALL EXPRESS OR IMPLIED WARRANTIES, INCLUDING WITHOUT LIMITATION, ANY WARRANTIES FOR AVAILABILITY, ACCURACY, TIMELINESS, COMPLETENESS, NON-INFRINGMENT, MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR A PARTICULAR PURPOSE. Your use of the translations is subject to all use restrictions contained in your Electronic Products License Agreement and by using the translation functionality you agree to forgo any and all claims against ProQuest or its licensors for your use of the translation functionality and any output derived there from. Hide full disclaimer