RESUMO
O artigo reflete sobre a contradiçao existente na educaçao brasileira entre os indicadores que apontam fragilidades e, ao mesmo tempo, sinalizam para os ganhos com maior investimento em educaçao. Perpassa pelo contraste entre a baixa qualidade da educaçao básica, os possíveis impactos da tecnologia na educaçao e as possibilidades de uma melhor relaçao entre professores e alunos. Através da análise da política educacional, o artigo aponta para uma aparente dificuldade de diálogo entre a forma de produzir conhecimento na comunidade escolar e a forma de produzir conhecimento nas comunidades desenvolvedoras de Software Livre. O artigo estruturase em duas partes, na primeira desenvolve as contradiçoes entre a educaçao e a tecnologia; na segunda apresenta uma experiência docente realizada em um curso do PRONATEC com o objetivo de pensar na possibilidade de organizar um caminho que aproxime o modo de fazer dos tecnólogos do modo de fazer dos professores.
PALAVRAS-CHAVE: Software Livre, Tecnologia, Educaçao Básica, Pronatec
EDUCATION AND TECHNOLOGY : CONTRADICTIONS AND OVERRUNS IN POLICY EDUCATIONAL FIELD
ABSTRACT
The article reflects on the contradiction in the Brazilian education among the indicators pointing weaknesses and at the same time, signal to the gains from increased investment in education. Moves through the contrast between the low quality of basic education, the possible impact of technology in education and the possibility of a better relationship between teachers and students. Through the analysis of educational policy , the article points to an apparent difficulty of dialogue between the way of producing knowledge in the school community and how to produce knowledge in the developers of Free Software communities. The article is divided into two parts, the first develops the contradictions between education and technology ; the second shows the teaching experience held in a travel PRONATEC in order to consider the possibility of organizing a way that approximates how to do the technologists way of making teachers .
KEYWORDS: Free Software , Technology, Basic Education , Pronatec
1INTRODUÇÂO
No Brasil, a educaçao se aproximou das comunidades de software livre na medida em que a política educacional orienta para o uso desta modalidade tecnológica nas escolas administradas pelo poder público. Essa parceria possibilitou uma relaçao interdisciplinar, ainda que turbulenta, entre escolas e desenvolvedores de Software Livre promovendo uma série de reflexöes sobre as possíveis contributes da tecnologia na educaçao e vice versa.
Particularmente, têm-se destacado nessa questao os movimentos voltados para adoçao de softwares nao-proprietários, conhecidos mais fortemente a partir do crescimento do movimento GNU/Linux em todo o mundo. Para a educaçao, libertar-se dos softwares proprietários é um grande desafio, uma vez que a possibilidade de independência no acesso aos códigos fontes está intimamente associada às inúmeras possibilidades de independência de fornecedores centralizados que dominam o mercado, possibilitando a ampliaçao de uma rede de produçao colaborativa, dimensao fundamental para a educaçao. (Pretto; Pinto, 2006, p. 21-22)
Estando as comunidades de software livre fundamentadas na perspectiva da colaboraçao, ao se aproximarem das escolas do ensino básico ocorreu reflexöes sobre o papel da educaçao tendo como principal interesse um questionamento acerca da possibilidade de uma educaçao colaborativa mediada pelas tecnologias, em especial, em contextos onde a tecnocracia e o individualismo se tornaram uma forte referência cultural. A perspectiva colaborativa em comunidades de produçao tecnológica pode ser entendida como um conjunto de açôes direcionadas por um senso de comunidade, onde a propagaçao de ideias e conhecimentos assumem um caráter de ato público. Nas comunidades de Software Livre a ideia de colaboraçao consiste, entre outras coisas, na soma de esforços para promover o livre acesso ao conhecimento, uso e desenvolvimento tecnológico, onde é tornada pública a maneira como uma dada tecnologia é construida. No entanto, no ambiente educacional o uso de tecnologias ainda é um tema que requer clareza e ampliaçao do senso crítico, dificultando em alguns casos, a relaçao entre as comunidades de produçao tecnológica e a comunidade escolar.
2EDUCAÇÂO E TECNOLOGIA: CONTRADIÇÔES
O sistema educacional brasileiro enfrenta dificuldades quando observados alguns indicadores, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), organizado pelo Programa das Naçôes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que, em 2012, classificou o Brasil em terceiro lugar com a maior taxa de evasao escolar numa lista de cem países. O censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 registrou a média de 49.3% de brasileiros maiores de 25 anos sem a conclusao do ensino médio. O Índice de Desenvolvimento da Educaçao Básica (IDEB), organizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) em uma escala de 10 pontos classificou em 2012 a qualidade da educaçao do ensino médio com 3.7 pontos (UOL, 2013). A Avaliaçao Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC) e a Avaliaçao Nacional da Educaçao Básica (ANEB) instrumentos que compöem o Sistema de Avaliaçao da Educaçao Básica (SAEB), em 2011, apontou que a disciplina de matemática sinalizou um desempenho favorável para aproximadamente 10.1% dos alunos do ensino médio. Na ocasiao desse resultado circulou na imprensa que "quase 90% dos alunos que concluem o ensino médio nao sabem matemática".1
Por outro lado, a educaçao apresenta, nos últimos anos, vários aspectos positivos como os investimentos no programa Ciência sem Fronteiras, a distribuiçao de tablets nas escolas, vários cursos gratuitos de capacitaçao para professores da rede pública, distribuiçao de bolsas de estudo e campanhas com aporte financeiro para o desenvolvimento dos sistemas educacionais, maior facilidade de acesso da populaçao a cursos técnicos e de graduaçao através de programas de financiamento estudantil, bem como, o aumento do número de instituiçoes de ensino (FNDE, 2015). Uma maior evoluçao parece ter ocorrido no acesso aos cursos de graduaçao, evento divulgado em veículos de comunicaçao de massa sob o titulo "Número de brasileiros com graduaçao cresce 109,83% em 10 anos2" (BRASIL, 2012). Também o desempenho escolar ocupou destaque nas noticias sob o título "Brasil evolui, mas segue nas últimas posiçoes em ranking de educaçao3" (G1, 2013), sinalizando que o pais embora esteja avançando positivamente nos últimos anos em questöes sobre educaçao, apresenta desempenho insuficiente quando comparado a outros países.
Os indicadores podem ser analisados de forma polarizada. Sob uma perspectiva histórica, compara-se a educaçao atual com a passada, destacando resultados positivos e seu crescimento. Sob uma perspectiva global, comparando o desempenho do país com o de outras naçoes, o Brasil está em um dos últimos lugares na classificaçao geral. A perspectiva histórica vê uma educaçao em expansao com problemas emergentes próprios desta evoluçao; já aqueles que dao ênfase aos resultados obtidos pelos indicadores internacionais, a percepçao possível é de estagnaçao e crise. O raciocínio binário admite apenas um dos indicadores como verdadeiro, se existe crise nao pode existir expansao, se existe expansao nao pode existir crise. Nesse sentido a questao assume um caráter de oposiçao unilateral incapaz de contextualizar a complexa relaçao entre os fenómenos e seus indicadores.
Segundo diagnosticou Moraes (1997, p. 86) existem casos onde "a dificuldade de trabalhar dentro de uma visao sistêmica, com um enfoque de totalidade, tem ocasionado poucos avanços em direçao à soluçao de alguns problemas educacionais". Esse tipo de postura que carece de contextualizaçao abrangente, motivada por uma interpretaçao binária, é entendido como "raciocínio tecnológico" por Postman (1994), Bauman (2007), Baudrillard (1991), entre outros, sinalizando que uma parte dos problemas na educaçao e na sociedade pode ser consequência de um modelo de pensamento unilateral, binário.
Algumas dificuldades sao diagnosticadas como produto da aceleraçao tecnológica que enfatiza o pensamento binário e sobrecarrega a escola de informaçoes. Postman (1994, p. 62) defende que o computador é uma ameaça para a escola tradicional uma vez que essa tecnologia serve para convencer de que tal inovaçao representa progresso humano e social, enquanto reduz as comunidades a uma sociedade homogénea, trivializando tudo e todos, reduzindo conhecimento à mera informaçao e promovendo a substituiçao de valores sociais por egocentrismos. Em sociedades tecnológicas estruturadas pelo culto à tecnologia da informaçao, os relacionamentos com a tecnología podem ocorrer de forma alienante, tudo se torna uma questao de aplicaçao da técnica e se perde o entendimento das coisas, apenas se aceita a ordem estabelecida pelos especialistas, numa corrida frenética por informaçao. Existe especialista para tudo, "em criaçao das crianças, em educaçao, em como ser amável, em como fazer amor, em como influenciar pessoas, em como fazer amigos" (Postman, 1994, p. 95). Aos poucos, a necessidade de desenvolvimento individual do pensamento crítico e analítico foi substituida pela necessidade de acessar a informaçao do especialista.
Para cada crença, hábito ou tradiçao do velho mundo havia e ainda há uma alternativa tecnológica. Para a oraçao, a alternativa é a penicilina; para as raizes da familia, a alternativa é a mobilidade; para a leitura, a alternativa é a televisao; para a restriçao, a alternativa é a gratificaçao imediata; para o pecado, a alternativa é a psicoterapia; para a ideologia política a alternativa é o apelo popular estabelecido por meio da pesquisa científica de opiniao. (Postman, 1994, p, 63).
Entendendo que a tecnologia influencia o pensamento, Postman denuncia a ameaça do computador como possibilidade de rendiçao da escola à proposta tecnológica, tornando-se unicamente formadora de especialistas, promovendo a exclusao da humanidade uma vez que "o computador exige soberania sobre todo o ámbito da experiência humana, e sustenta essa exigência demonstrando que 'pensa' melhor do que nós" (Postman, 1994, p. 117, grifo do autor). O autor entende que os problemas nas relaçôes sociais estao no ámbito do reconhecimento da experiência humana enquanto formaçao moral, papel da escola tradicional. "Se familias se desfazem, se crianças sao maltratadas, se o crime aterroriza uma cidade, se a educaçao é impotente, isso nao ocorre por falta de informaçao adequada" (Postman, 1994, p. 62). Reafirma a importância em resgatar o papel da escola tradicional como formadora do senso crítico e analítico para o esclarecimento sobre os efeitos tecnológicos apontando que "precisamos de estudantes que compreendam as relaçôes entre nossas técnicas e nossos mundos social e psíquico, de modo que possam iniciar conversas informadas sobre a onde a tecnologia nos está levando e como" (Postman, 1994, p. 203).
Esta perspectiva também é defendida por Bauman ainda que de modo mais ameno, entendendo a tecnologia como um sistema fechado, autorreferente, que faz prevalecer a simplificaçâo da técnica para tudo. "quanto mais problemas gera a tecnologia, tanto mais de tecnologia se precisa" (Bauman, 1997, p. 213). Como tudo é simplificado e resolvido pela técnica, nao existe espaço para tratar questôes ambíguas e complexas, o "eu" do homem moderno se constitui cada vez mais mediado por percepçôes fragmentadas de mundo. Este "eu" fragmentado nao se confronta com a totalidade do mundo, do outro ou de si mesmo, proporcionando um comportamento individualista e irresponsável para com a sociedade e a natureza, impossibilitando uma possível manifestaçao do "eu" moral.
Segundo Bauman, a escola tradicional difundia a educaçao como algo para toda a vida e o conhecimento continha seu valor de forma proporcional à sua duraçao, onde o saber da experiência adquirido ao longo do tempo ganhava destaque. Na atualidade, o sistema educacional recebeu um duro golpe uma vez que os valores sociais se inverteram. Enquanto a tradiçao valoriza a rotina e o conhecimento duradouro, pautado na busca pelos fundamentos; na sociedade atual, influenciada pela tecnologia, prevalece a importância da flexibilidade e de cursos rápidos que sejam úteis para o momento fugaz do mercado de trabalho.
No torvelinho da mudança, o conhecimento serve para uso imediato e único; conhecimento pronto-para-o-uso e imediatamente disponível, do tipo prometido pelos programas de software, que entram e saem das prateleiras das lojas em uma sucessao sempre acelerada, parece muito mais atraente. (Bauman, 2002, p. 49).
Na perspectiva de Bauman nao é de interesse comum atribuir importância ao conhecimento duradouro da experiência, já que a referência de conhecimento consiste na relevância momentánea do assunto, onde importa a informaçao atual, cuja principal característica é ser "eminentemente descartável, bom apenas até segunda ordem e só temporariamente útil" (Bauman, 2007, p. 154). Esta nova dinámica, pautada na informaçao fugaz, substitui a autoridade do conhecimento pelas seduçoes do mercado de consumo, dificultando proposta educacional associada à escola tradicional. A educaçao atual é desejável e valorizada como mercadoria que, dispensada da formaçao moral, se torna um produto informativo, comprometido com o ensinamento da técnica e com o atendimento ao cliente, "nao há sançoes contra os que saem da linha e se recusam a prestar atençao - a nao ser o horror de perder uma experiência que os outros (tantos outros! ) prezam e desfrutam" (Bauman, 2003, p. 43). Num sistema social pautado unicamente na informaçao descartável:
um bit de informaçao é caçado por outro antes mesmo que possa ser absorvido, e, uma vez que eles nao sao assimilados, nao podem ser conectados a uma cadeia de eventos significativa. Cada evento deve assim "sobreviver" por conta própria, e o senso de totalidade é deixado para trás pelos competidores já no inicio da caçada (Bauman, 2000, p. 100, grifo do autor).
Baudrillard assume uma postura de alerta sobre o desenvolvimento tecnológico. Entende que a sociedade tecnológica se constitui pela comunicaçao virtual através das tecnologias em massa de comunicaçao e informaçao - TICs. Tais sistemas tecnológicos influenciam nossa percepçao de mundo produzindo ilusoes que se opoem ao que é real, culminando num processo autodestrutivo que resulta numa implosao do social. No processo de comunicaçao virtual se abdica da prática racional de absorçao de conteúdo e prevalece a sensaçao diante do espetáculo da informaçao, onde o que importa é o consumo da forma e nao o conteúdo. "Assim a informaçao dissolve o sentido e dissolve o social numa espécie de nebulosa voltada, nao de todo a um aumento de inovaçao, muito pelo contrário, à entropia" (Baudrillard, 1991, p. 106). Essa postura própria das sociedades tecnológicas inviabiliza a circulaçao social do sentido promovendo o esvaziamento do real, tendo como principal característica a indiferença social e o egoísmo.
O autor sinaliza como característica própria do virtual a propagaçao de uma perspectiva autorreferente, um processo que nao é mediado pelo reconhecimento da diferença, onde tudo se torna homogéneo e alienante. Na perspectiva do autor, a realidade virtual ou simulacro é aquela que conduz de forma unidirecional as massas, impossibilitando a experiência real que consiste na capacidade de vivenciar e reconhecer o diferente, o outro (Baudrillard, 1997). Nesse sentido, o virtual enquanto mecanismo de afirmaçao da indiferença promove o egoísmo e a implosao do social, no entendimento do social como espaço público mediado pela multiplicidade e pelo reconhecimento do outro. Entendendo como virtual um tipo de realidade que se fecha sobre si mesmo, autorreferente, o autor afirma, "a potência do virtual nada mais é do que o próprio virtual. Por isso pode intensificar-se de maneira alucinante e, sempre mais longe do mundo dito real, perder ela mesma todo principio de realidade" (Baudrillard, 1997, p. 26).
Lévy (2005, p. 11), muito citado na educaçao, entente de outro modo. Aponta para uma evoluçao cultural em andamento e "apesar de seus inegáveis aspectos sombrios e terríveis", essa mudança cultural é um fenómeno próprio da condiçao humana, ampliando a criatividade e a percepçao de mundo. Aponta para um possível equívoco entre aqueles que entendem a tecnologia como causa e a cultura como vítima de seus efeitos, já que tecnologia e cultura estao numa relaçao de práxis, produzindo mutuamente novas possibilidades. Pondera que a loucura e a violência do nosso tempo nao sao determinadas pela tecnologia, mas uma consequência da falta de compreensao sobre o que é o virtual e os processos tecnológicos. "Antes de temê-la, condená-la ou lança-la às cegas, proponho que se faça o esforço de apreender, de pensar, de compreender em toda a sua amplitude a virtualizaçao" (Lévy, 2005, p. 12). Lévy (2005) considera como perspectiva tradicional o estágio social onde o conhecimento era duradouro, contemplativo e centrado nos fundamentos. Na atualidade, entende-se que o conhecimento é transformado em fluxo, algo móvel e imaterial, que produz operaçôes eficazes onde o próprio conhecimento é uma operaçao.
Para o autor a característica imaterial do conhecimento e da informaçao estimula a propagaçao e a colaboraçao entre saberes, uma vez que "consumí-los nao os destrói e cedê-los nao faz com que sejam perdidos" (Lévy, 2005, p. 55). O livre acesso à informaçao permite que o conhecimento nao se restrinja a certos grupos, "nao é mais uma casta de especialistas, mas a grande massa das pessoas que sao levadas a aprender, transmitir e produzir conhecimentos de maneira cooperativa em sua atividade cotidiana" (Lévy, 2005, p. 55). Este seria o momento de orientar a evoluçao em curso uma vez que as alternativas sao:
Ou o ciberespaço reproduzirá o mediático, o espetacular, o consumo de informaçao mercantil e a exclusao numa escala ainda mais gigantesca que hoje. Esta é, a grosso modo, a tendência natural das "supervias da informaçao" ou da "televisao interativa". Ou acompanhamos as tendências mais positivas da evoluçao em curso e criamos um projeto de civilizaçao (Lévy, 2005, p. 118).
Castells (2005) avalia que o dilema levantado por algumas pessoas ao considerar que a sociedade é determinada pela tecnologia nao faz sentido, "dado que a tecnologia é a sociedade, e a sociedade nao pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas" (Castells, 2005, p. 43). Salienta que a relaçao entre tecnologia e sociedade deve ser entendida considerando o papel mediador do Estado, cuja organizaçao é um fator decisivo na interrupçao, promoçao ou liberaçao de uma dada inovaçao tecnológica. Para Castells a produçao de tecnologia é um fenómeno antropológico e a evoluçao social é complexa e nao deve, equivocadamente, ser equacionada apenas pelo viés tecnológico. Sobre o egocentrismo crescente o autor entende que:
a identidade está se tornando a principal e, às vezes, única fonte de significado em um período histórico caracterizado pela ampia desestruturaçao das organizaçoes, deslegitimaçao das instituiçoes, enfraquecimento de importantes movimentos sociais e expressoes culturais efémeras. Cada vez mais, as pessoas organizam seu significado nao em torno do que fazem, mas com base no que elas sao ou acreditam que sao. Nessa condiçao de esquizofrenia estrutural entre a funçao e o significado, os padroes de comunicaçao social ficam sob tensao crescente. cada vez mais difíceis de compartilhar (Castells, 2005, p. 41).
Castells defende a importância da racionalidade e a possibilidade de recorrer à razao como meio para a compreensao deste novo tempo, onde "a suposiçao implícita é a aceitaçao da total individualizaçao do comportamento e da impotência da sociedade ante seu destino" (Castells, 2005, p. 42). Enquanto Postman (1994), Bauman (2007) e Baudrillard (1991) entendem que a tecnologia produz uma influência problemática, capaz de diluir a consciência social promovendo um individualismo exagerado e alienante, Lévy (2005) e Castells (2005) recolocam a questao apontando que é a falta de senso crítico que promove um relacionamento problemático com a tecnologia, levando à diluiçao da consciência social e ao estímulo do individualismo exagerado.
Embora esses autores discordem quanto ao agente motivador dos problemas sociais, cada um ao seu modo, entende que vivemos em uma época de mudanças, onde a tendência está na manifestaçao do pensamento unilateral e no culto ao individualismo, sinalizam a importância de mediaçoes através da política, do estado e da escola, no intuito de resgatar ou construir um projeto de sociedade e de indivíduo. Para eles é necessário o aperfeiçoamento coletivo do senso crítico como meio de estimulaçao de uma consciência social e tecnológica.
É nesta direçao que Fantin e Girardello (2009) sinalizam. As autoras defendem a importância de ambientes educacionais capazes de promover inclusao digital, de forma a "favorecer a formaçao crítica de cidadaos, nao apenas de usuários" (Fantin; Girardello, 2009, p. 78), ressaltando a necessidade de uma perspectiva educacional que contemple dimensoes sociais, intelectuais, culturais e tecnológicas, onde a construçao de cidadania ocorre pautada numa real participaçao de crianças, jovens e adultos na cultura.
Segundo Aranha favorecer a formaçao crítica de cidadaos demanda, por parte dos envolvidos, uma clareza na concepçao de sociedade e do indivíduo que se deseja construir, sendo necessário direcionar esforços e responder "Que tipo de pessoa se quer formar? Para qual sociedade?" (2006, p. 33). Na perspectiva de Carraher (1983) uma postura pautada pelo senso crítico "implica em adotar perspectivas múltiplas para examinar as questoes sob várias óticas" (2002, p. XXI) sendo que uma postura baseada em um pensamento unilateral dilui o potencial do senso crítico na medida em que impede o uso de múltiplas perspectivas. Assim, Aranha e Carraher entendem que o processo de desenvolvimento e prática do senso crítico demanda contextualizaçao, direcionamento e aplicaçao sistemática de regras que atuam como mecanismos de orientaçao do pensamento.
Para Wittgenstein (2005) a constituiçao das regras de orientaçao do pensamento ocorre na linguagem e nao deve ser individual, autorreferente. Segundo o autor, para que ocorra um pensamento consistente é necessário que os parâmetros de referência sejam sociais, públicos. A perspectiva de um modelo autorreferente implica em um individualismo sem mediaçao, onde a pessoa se refere a si mesma, culto ao "eu", como parámetro único de percepçao e entendimento do mundo. Sobre a impossibilidade do pensamento constituido numa postura autorreferente, o autor pondera:
Suponhamos que cada um tivesse uma caixa e que dentro dela houvesse algo que chamamos de 'besouro'. Ninguém pode olhar dentro da caixa do outro; e cada um diz que sabe o que é um besouro apenas por olhar o seu besouro. Poderia ser que cada um tivesse algo diferente em sua caixa. (Wittgenstein, 2005, p.137).
Sob este aspecto, a percepçao individual enquanto postura de isolamento social oferece dificuldades para o funcionamento do ambiente compartilhado e do desenvolvimento da sociedade como um todo, podendo promover desentendimentos e diluiçao do senso critico.
Além da popularizaçao de uma postura autorreferente e da aplicaçao de um raciocinio binário, outro evento que também parece oferecer dificuldade ao desenvolvimento social, promovendo confusoes e diminuiçao do senso critico, consiste na ausência de regras que orientam o pensamento. Nesta direçao aponta Murcho (1998), filósofo portugués que leciona na Universidade Federal de Ouro Preto, MG, sua produçao intelectual inclui reflexoes sobre a lógica na educaçao e construçao do pensamento. Segundo Murcho é a lógica que, "entre outras coisas, estabelece as normas que as pessoas tém de cumprir se desejam realmente alcançar o raciocinio correto ou válido" (1998, p. 390). Murcho se refere ao uso da lógica em um sentido amplo e defende o uso da lógica informal uma vez que esta se ocupa do estudo de todos os tipos de argumentos, permitindo melhor se entender as questoes implicadas numa dada argumentaçao. Entendendo que a argumentaçao está presente num processo de negociaçao e que um bom argumento é persuasivo sobre uma dada possibilidade e ainda, que toda negociaçao depende da aceitaçao dos argumentos entre os interlocutores, pois para que
uma inferéncia seja boa é apenas necessário que seja um argumento válido. Mas um bom argumento é mais do que meramente válido: é um argumento persuasivo. A plausibilidade das premissas é relativa ao estado cognitivo do agente e nao é discreta, mas sim continua. A solidez de um argumento (a conjunçao da verdade com a validade) é independente dos agentes cognitivos. Mas os agentes cognitivos nao sao omniscientes e perante cada premissa ou conclusao tém de avaliar como mais ou menos plausivel, à luz do que julgam saber em geral. Assim, um argumento pode ser bom ou mau, melhor ou pior, mais ou menos forte ou cogente, apesar de ser sólido. Um argumento bom, forte ou cogente é um argumento que além de sólido tem premissas mais plausiveis do que a conclusao. (Murcho, 2010, s/p.)
A perspectiva de plausibilidade encontrada em Murcho (2010) recoloca nos termos da lógica informal a subjetividade como algo próprio do gestor da açao, tomada de decisao, onde o verdadeiro ou falso é dependente de um dado contexto em conformidade com tendéncias interpretativas influenciadas pelas interaçoes sociais. O evento da autorreferéncia, do raciocinio binário e da ausência de análise lógica parece estar relacionado a um círculo vicioso que estimula o outro promovendo o desentendimento, dificultando o papel da escola na formaçao crítica de cidadaos. Entendendo que na atualidade o isolamento social, individualismo exagerado, se constitui numa tendência crescente de comportamento que compromete o funcionamento do espaço público, ou ainda, que a postura binária se populariza fragmentando o conhecimento e promovendo desentendimentos e rivalidades também entre os educadores, pode ser difícil responder, "como favorecer a formaçao crítica de cidadaos?" principalmente se considerarmos que é necessário um senso de unidade com claro direcionamento e mediaçao pública, algo defendido por alguns como ultrapassado.
Nesse sentido, algumas observaçôes de Postman (1994), Bauman (2007), Baudrillard (1991), Lévy (2005) e Castells (2005) parecem complementares uma vez que, na ausência de outro mecanismo de mediaçao para a formaçao crítica de cidadaos, o raciocinio tecnológico se torna o mediador disponível através do contato cotidiano das pessoas com a tecnologia. A complementariedade nesses autores está na possibilidade de um movimento circular onde, segundo Lévy (2005) e Castells (2005) o enfraquecimento do senso crítico dificulta o entendimento claro dos efeitos da tecnologia, promovendo na perspectiva de Postman (1994), Bauman (2007) e Baudrillard (1991), uma relaçao com a tecnologia que potencializa um tipo de raciocínio tecnológico capaz de enfraquecer o senso crítico.
O raciocínio tecnológico cotidiano diagnostica defeitos e conserta equipamentos, ele parece promover dificuldades quando aplicado em questöes do comportamento humano, especialmente devido à sua característica simplificadora e excludente. Nesta perspectiva existe o risco interpretativo de considerar o humano como um tipo de objeto cujo sentido existencial é destinado unicamente a atender um dado conjunto de utilidades, um tipo de utilitarismo que iguala os humanos e as máquinas tanto em valor como em destino, onde ambos, máquinas e humanos, podem ser programados, usados, consertados e descartados.
3UM MERGULHO NO PRONATEC: PARA SUPERAR AS CONTRADIÇÔES
No ámbito da capacitaçao técnica, ganha destaque o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), declarado pela presidente Dilma Rousseff em maio de 2014 no blog do planalto como "um dos pilares da política educacional". Vitrine de campanha nas eleiçôes de 2014, o Pronatec, segundo a imprensa, realizou mais de 5,7 milhöes de matrículas e a estimativa é de oito milhöes até 2015 (Blog do Planalto, 2014). Em junho de 2014, foi lançada uma nova modalidade do Pronatec, focada nos direitos humanos com o objetivo de atender setores carentes da sociedade. Em 26 de novembro de 2014, o Diário Oficial da Uniao divulgou as 229 regras desta nova modalidade dividida em très categorias, o "Pronatec viver sem limite" destinado a pessoas com deficiência, o "Pronatec Sinase" que atua na capacitaçao profissional de adolescentes que estao em medida socioeducativa e o "Pronatec Pop Rua" destinado a atender pessoas em situaçao de rua (Brasil, 2014). Dados do MEC apontam que 40% dos usuários do Pronatec convencional sao alunos de baixa renda, registrados no Cadastro Único de Programa social e 60% do total de usuários sao jovens que estao na faixa dos 19 aos 24 anos. O Pronatec inicia em 2015 com um orçamento de 14 bilhöes para investimentos em 12 milhöes de vagas em 220 cursos técnicos de nível médio e 646 cursos de qualificaçao (PDE/Pronatec, 2011).
O Programa Nacional de Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) começou a se popularizar no final de 2013, tendo como proposta facilitar a qualificaçao profissional entre aqueles que concluíram o ensino médio e buscam por melhores oportunidades de trabalho. Segundo esclarece o MEC, o Pronatec tem por objetivo:
Expandir, interiorizar e democratizar a oferta de cursos de educaçao profissional técnica de nivel médio e de cursos de formaçao inicial e continuada ou qualificaçao profissional presencial e a distância; construir, reformar e ampliar as escolas que ofertam educaçao profissional e tecnológica nas redes estaduais; aumentar as oportunidades educacionais aos trabalhadores por meio de cursos de formaçao inicial e continuada ou qualificaçao profissional; aumentar a quantidade de recursos pedagógicos para apoiar a oferta de educaçao profissional e tecnológica; melhorar a qualidade do ensino médio (MEC, 2011, s/p.).
Sendo um programa relativamente novo existe uma série de desafios ainda aguardando superaçao. A falta de orientaçao clara para a populaçao tem proporcionado confusöes, como inscriçôes de alunos em cursos que nao sao realmente de interesse, participaçao em disciplinas sem os requisitos necessários para o adequado entendimento do conteúdo, além da falta de planejamento, por parte do aluno, para conciliar o tempo de estudo com o trabalho. Esses problemas sao apontados pelos alunos como principais causas de desistência, chegando-se numa média de 60% de evasao em algumas escolas (Costa, 2014).
Em outubro de 2014, o primeiro autor assumiu turmas no curso técnico de informática do Pronatec. Ao total, ingressou em très escolas, uma em Alvorada, outra em Viamao e também uma em Porto Alegre. Acabou exercendo atividade de professor nos très turnos, manha, tarde e noite. Em novembro de 2014 foi efetivado em uma escola em Porto Alegre, na qual continua lecionando sobre lógica de programaçao na modalidade Pronatec até o presente momento. O ambiente em sala de aula também impöe ao professor o desafio de cumprir o currículo da disciplina conciliando as particularidades de cada pessoa, sendo comum participar da mesma turma pessoas sem o mínimo de conhecimento básico (pré-requisito), pessoas sem motivaçao na capacitaçao ofertada, pessoas com dificuldades cognitivas e também pessoas com os mais variados interesses, sendo alguns distantes do objetivo do curso escolhido. Em uma das turmas Pronatec que participou como professor de lógica de programaçao, em um curso técnico para o desenvolvimento de sistemas computacionais, o grupo é configurado por quatro pessoas idosas que se inscreveram após deduzir que iriam aprender a manusear o computador no estilo "informática para a terceira idade", très pessoas com aparente dificuldade cognitiva, sendo que, em ambos os casos, nenhum deles possui computador ou sequer havia usado este recurso tecnológico antes de se inscrever no curso. Nesta mesma turma participam dois universitários que frequentam, o segundo semestre, do curso de graduaçao em ciência da computaçao, seis alunos que concluíram o ensino médio recentemente e um aluno que está concluindo o técnico em mecatrônica.
Nesta turma a diferença entre os 16 participantes da disciplina demanda uma dinámica diferenciada para cada aluno, assim como nas outras turmas, impossibilitando uma prática tradicional baseada em atividade generalizada. Enquanto alguns precisam descobrir como ligar o computador e o que significam as luzinhas que piscam, outros dominam a tecnologia e anseiam por conhecimentos mais avançados, todos em um mesmo espaço de convivência e na mesma sala de aula. Neste ambiente diversificado surgiu a oportunidade de observar e interagir com ocorrências envolvendo tanto professores como alunos. Além das dificuldades com a aplicaçao do conteúdo, que demanda um maior esforço do professor, chamou a atençao os problemas de relacionamento e o tipo de mediaçao praticado por alguns professores.
Na segunda semana de atividade foi assumida uma turma cujo professor apresentou problemas de estresse e precisou ser afastado. Fiquei surpreso com o modelo do rigor disciplinar: alunos com 10 minutos de atraso recebiam falta, o caderno de chamada possuía anexado, e bem organizado, um conjunto de registros que identificava cada aluno em um grupo de ocorrências como, por exemplo, quem cochichava, dormia ou apresentava atitude em aula passível de correçao. Após assumir a turma e ter a oportunidade de conviver com esses alunos observou-se que alguns regularmente se atrasavam por nao possuírem recursos para se deslocarem, se matricularam em um curso que, equivocadamente, acreditaram fornecer vale transporte e auxilio refeiçao, outros se atrasavam por possuírem trabalhos informais com horários diferenciados.
A aplicaçao de um modelo disciplinar rigoroso provocou conflitos e revolta em alguns alunos gerando, por parte daquela turma, uma combinaçao para dificultar a dinámica de trabalho do professor. A crise de estresse parece ter sido uma consequência da resposta sistemática organizada pelos alunos em oposiçao ao rigor disciplinar entendido como injusto pela turma. Em outra turma, o professor enviou um e-mail perguntando se seria possível assumir a disciplina, já que ele estava arrependido por aceitar o trabalho, esclareceu:
Eu só aceitei pq amo lógica e gostei da escola, mas temos que parar de abrir espaço de choradeira, eles tem grupo de whats e passam questionando tudo, mas pode verificar na chamada estao com muitas faltas e pouco comprometimento. Essa é a turma mais desanimada que já dei aula. .td reclamam... aula teórica, didática, trabalho em grupo, participaçao em aula. Se você tem disponibilidade para assumir a turma seria perfeito (correspondência eletrônica com colega professor da mesma escola).
Do período de ingresso na escola até a escrita deste artigo, o primeiro autor ocupou-se de cinco turmas do Pronatec com um total de duas disciplinas: Lógica de Programaçao e Arquitetura de Computadores. Em todas as turmas os alunos se mostraram queixosos e questionadores, geralmente apresentaram questöes pertinentes e relacionadas com a falta de adequaçao da escola para acolher a realidade deles, além das frustraçôes com as promessas efetuadas na hora da "venda" do curso. Também surgiram questionamentos sobre a qualidade da dinámica e conteúdo apresentado. Um exemplo foi a queixa de alguns alunos sobre a reprovaçao por faltas e a necessidade de atestado para justificá-las. A pergunta da maioria dos alunos frente à exigência de atestado foi sobre quem atesta quando o trabalho informal origina a falta, como os motoboys irregulares, vendedores ambulantes, ou ainda, pela falta de dinheiro para alimentaçao ou transporte etc. Na percepçao desses alunos a escola deveria incluir nao apenas a doença e o trabalho formal como emergência suficiente para justificar falta.
Outro questionamento foi sobre como e quais os motivos para a proposiçao desta ou daquela atividade e, uma vez entendida a proposta, perguntavam pelos critérios para avaliarem o meu trabalho, queriam saber como mensurar se o que estou propondo chega ao resultado esperado, contemplando a impossibilidade de esforço por parte deles, uma vez que a vida nao lhes permitía dedicaçao para os assuntos da escola. Escutou-se em mais de uma ocasiao o relato de alguns alunos sobre como percebiam a escola e a oportunidade de se capacitarem pelo Pronatec, geralmente em um tom de decepçao esclareceram:
Ninguém dá nada, se o governo nos paga o curso é porque precisam fazer isso pra ganhar alguma coisa usando a gente, sempre que faltamos na aula a escola liga no mesmo dia, se eu nao venho eles perdem dinheiro, dai ficam implorando para nós nao faltarmos. Claro que eu vou me esforçar na medida do possível, mas sao eles que precisam de mim, nem computador eu tenho e trabalho 16 horas por dia, eles que achem uma maneira de me ensinar, se nao, nao ganham dinheiro. Eu vim aqui porque disseram que iam me ensinar uma profissao, minha parte eu fiz, estou aqui.
Esta é uma característica interessante do Pronatec, um projeto relativamente novo, que abriu uma grande variedade de possibilidades de capacitaçao firmando parceria com escolas privadas. No entanto, na dinámica do modelo privado os vendedores precisam cumprir cotas de vendas, conseguindo uma dada quantidade de alunos matriculados. Com a necessidade de atender às metas de vendas surgem promessas e orientaçôes equivocadas, estimulando o ingresso de alunos sem disponibilidade de tempo, afinidade com o curso etc. Na promessa de alguns vendedores, tudo será resolvido pelos capacitados professores.
Com algumas turmas, onde a maioria dos alunos se matriculou por impulso, motivados pelo discurso comercial, surgiram problemas como alta evasao e falta de comprometimento. Com o amadurecimento do Pronatec esses problemas provavelmente serao mais bem equacionados e parecem próprios de um sistema em adaptaçao, no entanto, nao é incomum alguns professores e alunos polarizarem a questao sem considerar as consequências e limites de interaçao do modelo ofertado. Das turmas em contato apenas cerca de um terço dos alunos possuíam interesse e motivaçao relacionados com o aprendizado e dominio da técnica de programaçao, os demais alunos ingressaram no curso por motivos diversos, que nao contemplaram a expectativa de conclusao do curso.
Em parte, parece que a própria configuraçao do ambiente e a dificuldade de relacionamento entre professores, alunos e escola, proporcionaram a condiçao de possibilidade para o pouco comprometimento dos alunos. No intervalo, na sala de professores, diariamente ocorriam desabafos de outros colegas sobre atritos acalorados em sala de aula, motivados pela falta de obediência dos alunos, estes por sua vez, reclamavam da falta de respeito dos professores.
Durante o periodo de acompanhamento da realidade cotidiana da sala de aula foi possível observar que os conflitos de relacionamentos foram proporcionais à intensidade de um tipo de rigor disciplinar imposto pelo professor ou escola. Dos fenómenos vivenciados até o presente momento no ambiente escolar se destacou a ausência de disponibilidade para a negociaçao como principal fonte de conflitos entre alguns professores, alunos e escolas.
Algo interessante na negociaçao é o fato desta ocorrer entre necessitados que se encontram num momento de igualdade, cada um necessita de algo ao mesmo tempo em que possui algo para oferecer, trocar. Sob essa perspectiva o agente regulador em uma negociaçao parte do reconhecimento da necessidade que se manifesta no outro como algo espontáneo e resistente à indiferença do rigor disciplinar e sua autoridade.
O termo espontâneo é abordado aqui como algo que, independente da vontade do individuo, afeta o discernimento, influenciando a percepçao e produzindo um tipo de conhecimento pautado na vivência das relaçôes humanas, onde a interpretaçao de um dado fenómeno é construida em coerência com a necessidade que afeta uma pessoa ou grupo.
Ao colocar a espontaneidade do afeto como um agente regulador das relaçôes sociais e do próprio discurso na educaçao, parece fazer sentido, o agitado ambiente escolar, o excesso de binarismos e concorrências que dificultam a colaboraçao e o diálogo no meio educacional.
Ao ficar diretamente implicado no ambiente de sala de aula foi possivel observar que as tendências interpretativas, percepçôes de mundo, possuem forte influência da espontaneidade do afeto, onde o saber formal ocupa um espaço secundário na tomada de decisao, mesmo quando amplamente divulgado na forma de discursos ou propagaçao de modismos teóricos. Nesse sentido, a tomada de decisao é geralmente manifestada no choque entre necessidades e emergências do cotidiano, certezas do afeto, contrariando em açao os discursos proferidos, conhecimentos.
4CONSIDERAÇÔES FINAIS
Enquanto no ambiente de produçao tecnológica se faz necessária a construçao de uma percepçao que possibilite a manutençao, invençao e fabricaçao de máquinas e seus derivados, na educaçao, a centralidade é a valorizaçao da condiçao humana, na legitimidade do gestor da açao, nas relaçôes sociais e suas consequências. Admitindo que cada área do saber se ocupe de um limitado conjunto de aspectos da vida, como uma contribuiçao especifica à organizaçao social, se torna coerente a existência de diferentes crenças, estratégias de raciocinio e percepçôes. Nesse sentido, o papel da computaçao no ambiente educacional é polêmico. Para alguns, o raciocinio tecnológico é percebido como fenómeno que promove egoismos e indiferenças, enfraquecendo as relaçôes sociais, enquanto outros enxergam na tecnologia a facilidade para o surgimento de um comportamento mais colaborativo, proporcionando novas formas criativas de interaçao social.
Mesmo com a popularizaçao de diversas teorias, incluindo as da complexidade, que defendem a importância de se considerar a condiçao humana como algo integral, indivisivel, onde uma postura pautada na estratégia binária de percepçôes nao é recomendada no ámbito educacional, surgem diariamente, em considerável número, adeptos de polarizaçôes e determinismos, reafirmando a superioridade da razao instrumental como o melhor caminho para as questôes da educaçao. Sob este aspecto parece ocorrer um equivoco, em especial quanto ao papel de cada área do saber e sua intencionalidade. É próprio, e talvez necessário no raciocinio tecnológico, adotar como percepçao de mundo um tipo de determinismo material, como o determinismo orgánico, linguistico, neurológico, entre outros, onde o detentor da técnica, motivado pela certeza do determinismo, exerce sua capacidade de manipulaçao, impondo sua autoridade intelectual ao objeto, matéria.
Ao considerar a espontaneidade do afeto como principal fenómeno motivador do comportamento humano e ponto de partida para pensar a educaçao, perde sentido o uso de certezas e estratégias deterministas de análises próprias da engenharia, ganha força uma perspectiva centrada no reconhecimento da pessoa enquanto gestora da açao, numa perspectiva que admite um tipo de relativismo moderado. Esta perspectiva, embora mais bem adequada para se pensar educaçao, também apresenta problemas quando equivocadamente, por conta de um ou outro excesso, incentiva um modelo permissivo na medida em que a espontaneidade do afeto é recebida como fenómeno que isenta de responsabilidade o gestor da açao. No entanto, ao invés de certezas, a proposta de assumir riscos de forma consciente, identificando limites, tem se mostrado um melhor caminho no ámbito das ciências humanas e da aprendizagem, em especial, se concordarmos que a garantia da certeza só é possível no trato com objetos, uma vez que resulta num tipo de determinismo que impossibilita o espontáneo, a criatividade e a autonomia, requisitos para se pensar a educaçao.
Foi no experimento da sala de aula, frente a frente com as questöes do cotidiano educacional e seus dilemas, que ficou claro a diferença entre a lógica dos objetos construidos pelo conhecimento de engenharia e a importância da rebeldia, do espontáneo e da autonomia do gestor da açao nas relaçoes sociais e no processo de aprendizagem. A falta de uma percepçao clara sobre a intencionalidade da educaçao enquanto instituiçao, os excessos na valorizaçao de modelos técnico-científicos e a prática de um tipo de autoritarismo próprio das engenharias, além de uma interpretaçao equivocada quanto ao lugar de outras áreas do saber e suas intencionalidades, parecem colaborar para o acolhimento de um conjunto de influências que confundem uma parcela dos profissionais em educaçao e demais envolvidos, dificultando uma interdisciplinaridade coerente e um direcionamento adequado sobre o papel da escola e de seus participantes.
No entanto, se tal equívoco ocorre, é possível sugerir que falta condiçao de possibilidade para uma prática reflexiva, como a elevada carga horária na jornada de trabalho em um cotidiano repleto de emergências e estresse, ausência de um espaço de diálogo e incentivo à reflexao, baixos salários, além da falta de reconhecimento social que parece despertar em alguns educadores a necessidade de transformar a educaçao em uma das engenharias, tipo de ciências enquanto área do saber com elevado reconhecimento social.
Ao colocar a espontaneidade do afeto no centro das questöes sobre educaçao é possível sugerir que a educaçao nao opera adequadamente quando seus representantes autoritariamente destituem de legitimidade o saber do sujeito da açao, que é indivisível de suas narrativas e relaçoes sociais, em outras palavras, diferente das engenharias, a educaçao nao trata apenas de explicar como as coisas funcionam e determinar sua ordem a partir de um único olhar, seja ele científico ou nao, mas de promover uma percepçao capaz de acolher múltiplas possibilidades, onde "nao vemos as coisas como sao, mas como somos" (Demo, 2012, p. 1). É no caminho da negociaçao coerente, do exercício hermenêutico, que a educaçao talvez encontre um lugar próprio, menos confuso, um modo de existir mais bem conectado com sua própria intencionalidade.
1 Matéria encontrada nos jornais, O povo de fortaleza em 07/03/2013, Globo.com em 06/03/2013, Caderno especial de Zero Hora sobre educaçao em 02/12/2012, Portal IG 23/02/2011 e 01/12/2010 além de várias reproduçoes pautadas nestas fontes em fóruns, blogs e sites nos últimos anos.
2 Matéria pautada em dados do IBGE e encontrada nos jornais Zero Hora em 03/05/2012, Portal UOL em 04/05/2012, Portal do MEC em 03/05/2012, Globo.com em 04/05/2012, além de varias reproduçoes em blogs, fóruns online e diversos outros meios de comunicaçao de massa.
3Matéria publicada no jornal Zero Hora em 04/12/2013, Globo.com em 03/12/2013, Portal R7.com em 04/12/2013, Portal UOL em 04/12/2013 além de diversos outros veículos de notícias online.
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Submetido em 03/06/2016 - Aceito em 03/11/2016
DOI: 10.15628/holos.2016.3106
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Abstract
CONTRADICTIONS AND OVERRUNS IN POLICY EDUCATIONAL FIELD ABSTRACT The article reflects on the contradiction in the Brazilian education among the indicators pointing weaknesses and at the same time, signal to the gains from increased investment in education. Moves through the contrast between the low quality of basic education, the possible impact of technology in education and the possibility of a better relationship between teachers and students. Through the analysis of educational policy , the article points to an apparent difficulty of dialogue between the way of producing knowledge in the school community and how to produce knowledge in the developers of Free Software communities. The article is divided into two parts, the first develops the contradictions between education and technology ; the second shows the teaching experience held in a travel PRONATEC in order to consider the possibility of organizing a way that approximates how to do the technologists way of making teachers . Também o desempenho escolar ocupou destaque nas noticias sob o título "Brasil evolui, mas segue nas últimas posiçoes em ranking de educaçao3" (G1, 2013), sinalizando que o pais embora esteja avançando positivamente nos últimos anos em questöes sobre educaçao, apresenta desempenho insuficiente quando comparado a outros países. Selected Writings edited by Poster, Mark, Stanford University Press, California. _. Recuperado de: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com content&view=article&id=17725 Brasil.
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