Resumo
Este artigo elucida, em primeiro lugar, os vários significados da noçao francesa de dispositif e contrasta-a com os usos de "aparelho" ("appareil"), por um lado, e "reuniao" ("agencement"), por outro. A segunda parte apresenta o uso distintivo de Foucault do conceito de dispositivo. O argumento baseia-se na tese de que a noçao de dispositivo de Foucault está firmemente ancorada em uma analítica do governo, na medida em que se concentra na direçao e regulaçao de forças agenciais e processos vitais. Na última parte, proponho combinar uma analítica do governo, seguindo Foucault, com insights dos Estudos de Ciencia e Tecnología (STS). Argumento que essa síntese teórica entre STS e uma analítica do governo ajuda a corrigir os problemas de muitas análises da sociologia política e da teoria social e política ao enfrentar as transformaçöes e mudanças nas sociedades contemporáneas. Palavras-chave: Dispositivo. Michel Foucault. STS. Analítica do governo.
ABSTRACT
This article first elucidates the diverse meanings of the French notion of dispositif and contrasts it with the usages of "apparatus" ("appareil") on the one hand and "assemblage" ("agencement") on the other. The second part presents Foucault's distinctive use of the concept of the dispositive. The argument is based on the thesis that Foucault's notion of the dispositive is firmly anchored in an analytics of government, as it focuses on steering and regulating agentic forces and vital processes. In the last part I propose combining an analytics of government, following Foucault, with insights from science and technology studies (STS). I argue that this theoretical synthesis between STS and an analytics of government helps to correct the problems many accounts from political sociology and social and political theory face in addressing transformations and changes in contemporary societies.
Keywords: Dispositive. Michel Foucault. STS. Analytics of government.
De meados dos anos de 1970 em diante, Foucault passou a utilizar cada vez mais o termo em frances dispositif em sua obra. Ele desempenha um papel crucial em Vigiar e Punir, em A vontadé de saber, e nas aulas de Foucault no College de France (FOUCAULT, 1999, 2006a, 2006b, 2008b, 2008c, 2014). Nas traduçöes da obra de Foucault para o ingles, dispositif é vertido variada e inconsistentemente como "implementaçao" [deployment], "aparato" [apparatus], "aparelho" [device], "sistema" [system], "organizaçao" [organization], "mecanismo" [mechanism] e "constructo" [construct]3 (FOUCAULT, 1979; BURCHELL, 2008). Embora certamente haja uma sobreposiçao considerável entre os significados de cada um desses termos e o uso de Foucault de dispositif, eles tendem a realçar apenas uma parte restrita do campo semántico ou até mesmo ocluem importantes vínculos etimológicos e dimensöes conceituais do termo. Conforme veremos, é precisamente a complexidade e a diversidade do conceito de dispositif que permitem uma consideraçao materialista da política. Seguindo a proposta de Jeffrey Bussolini (2010), sugerirei, por conseguinte, que o termo em ingles "dispositivo" [dispositive] é a melhor maneira de capturar a riqueza semântica e as associaçöes conceituais de dispositif.
Neste artigo, elucidarei em primeiro lugar os significados diversos da noçao francesa de dispositif e contrastá-la-ei com as utilizaçöes de "aparato" ("appareil"), de um lado, e de "reuniăo"4 [assemblage] ("agencement"), de outro. A segunda parte apresentará o uso distintivo de Foucault do conceito de dispositivo. Argumentarei, entăo, que a noçăo de dispositivo de Foucault está ancorada firmemente em uma analítica do governo, a medida que foca em direcionar e regular as forças dos agentes e processos vitais. Na última parte, proponho combinar uma analítica do governo, seguindo Foucault, com ideias dos estudos de ciencia e tecnología (STS5). Argumento que esta síntese teórica entre STS e uma analítica de governo possibilita "uma teoria da política mais plenamente materialista" (BRAUN; WHATMORE, 2010, p. x), na medida em que ajuda a corrigir os problemas enfrentados por muitas consideraçöes da sociologia política e na teoria social e política ao tratar das transformaçöes e mudanças nas sociedades contemporáneas.
VlZINHOS SEMANTICOS: APARATO, REUNIĂO E DISPOSITIVO
A palavra francesa "dispositi/' teve uma trajetória etimológica complexa. Primeiramente, ela foi usada para se referir aos termos promulgantes de uma decisăo legal, posteriormente, a mobiliz^ăo [deployment] de tropas na guerra, e, finalmente, ela significou um aparelho ou um aparato técnico. De acordo com o Dictionnaire historique de la langue française (REY, 2006, p. 1101), o termo era, originalmente, parte do vocabulário legal que designava as palavras finais de um julgamento no qual uma decisăo da corte era anunciada; elas traziam a existencia a decisăo legal, e tinha um efeito constitutivo. No século XVIII, a palavra adentrou a linguagem militar, referindo-se a estratégias que faziam funcionar "a totalidade de meios disponíveis [disposes] consistentes com um plano" (REY, 2006, p. 1101). No século XIX, o termo adquiriu seu sentido contemporáneo: a "maneira pela qual os órgäos de um aparato săo dispostos [disposes]" (REY, 2006, p. 1101; BEHRENT, 2013, p. 87). Logo, a etimologia da palavra contém tres dimensöes que săo regularmente evocadas nas traduçöes para o ingles, e é crucial apanhar sua interaçăo se quisermos compreender o interesse de Foucault na noçăo: um significado "ontológico", um sentido estratégico, e uma leitura técnica (AGAMBEN, 2005, p. 11)6.
Portanto, conforme Bussolini (2010) convincentemente argumentou, é problemático traduzir dispositif como "aparato". Embora ele reconheça uma sobrepos^ăo substantiva entre os significados e utilizaçöes de "appareil" e "dispositif', ele insiste em diferenças semânticas e conceituais importantes, apontando para a derivaçăo latina dos dois termos, que ainda informa suas utilizaçöes contemporáneas. A fonte etimológica de "appareil" é a palavra latina apparātus, preparo, do participio passado de apparāre, preparar. Ela
[...] se refere a um preparo ou a um aprontar-se para algo: um suprir, um prover ou um equipar. Dispositio, por outro lado, nomeia uma disposigăo regular - um arranjo [arrangement] -, e relaciona-se com o verbo dispono e com sua raiz pono [...]. Dispono faz referencia a colocar aqui e ali, pôr em diferentes lugares, arranjar [arranging], distribuir (regularmente), dispor; ele também visa específicamente pôr em ordem, arrumar [arraying], ou estabelecer [settling] e determinar (nos sentidos militares ou legais). Pono, que é intimamente relacionado, faz referencia a pôr, colocar, estabelecer [setting down] (como as coisas em ordem, ou tropas), ou a formar ou talhar (como obras de arte). [...] Logo, embora aparato refira-se a coisas reais e móveis, nesta leitura, dispositivo tem a sensibilidade ontológica mais robusta, como aquilo que (possivelmente) cria, ou aquilo que cria um arranjo que confere importância decisiva e estratégica a um estado de coisas [state-of-affairs]. (BUSSOLINI, 2010, p. 96)7
Giorgio Agamben argumenta que essa compreensăo de dispositio é também intimamente ligada aquilo que Martin Heidegger compreendia por "Gestell". Ele enfatiza a proximidade etimológica em re^ăo a dis-ponere, na medida em que a palavra alemă "stellen" corresponde a latina ponere (AGAMBEN, 2005, p. 12). Agamben também aponta o significado năo convencional de "Gestell" na obra de Heidegger. Conforme nota o próprio Heidegger, a palavra "Gestell" comumente refere-se a um aparato (Gerät), mas ele a utiliza para denotar "o recolher-se daquele (dis)pôr (Stellen), que dis(pôe) do homem, isto é, exige dele o desvelamento do real sobre o modo de ordenar (Bestellen) (HEIDEGGER, 1993, p. 326, apud AGAMBEN, 2005, p. 12).8
Logo, pode ser dito que a noçăo de dispositivo é mais abrangente do que a de aparato. Essa se refere a co^ăo estática de instrumentos, máquinas, ferramentas, partes ou outros equipamentos de uma ordem dada das coisas, ao invés de referir-se a sua composiçao estratégica: "Pode-se dizer do aparato que săo os instrumentos ou os conjuntos discretos dos próprios instrumentos - os acessórios [implements] ou equipamentos. Dispositivo, por outro lado, pode denotar mais o arranjo - o arranjo estratégico - dos acessórios em uma fu^ăo dinámica" (BUSSOLINI, 2010, p. 96).
Além de aparato, o termo dispositivo é frequentemente confrontado ou contrastado com o conceito de "reuniăo" (" agencemenť)9 desenvolvido por Félix Guattari e Gilles Deleuze. O termo denota "agrupamentos ad hoc de elementos diversos, de materials vibrantes de todos os tipos" (BENNETT, 2010, p. 23) e rejeita noçöes humanistas de agencia. No entanto, conforme notou Bruce Braun, o uso da palavra em ingles "assemblage" para traduzir a noçăo de Deleuze e de Guattari de 'agencemenť captura apenas parcialmente o significado do termo. Enquanto aquela é restrita a uma co^ăo de coisas, agencement "associa a capacidade de agir com o ajuntamento das coisas que é uma cond^ăo necessária e prévia para qualquer açăo ocorrer, incluindo as açöes de humanos" (BRAUN, 2008, p. 671, grifo do autor). Embora este seja certamente um esclarecimento importante das composiçöes fluidas e móveis que o termo evoca, a dimensăo estratégica do dispositivo năo é capturada adequadamente por assemblage/'agencement. Nesse sentido, dispositivos poderiam ser "considerados um tipo de reuniăo, mas um tipo mais afeito (no sentido de antecipar, provocar, atingir e consolidar) a re-territorializaçăo, ao estriamento [striation], ao escalonar [scaling] e ao governar" (LEGG, 2011, p. 131).
O Conceito de "Dispositivo" de Foucault
Agamben (2005, p. 10) rastreia o interesse de Foucault pela noçăo de dispositivo até seu trabalho na Arqueología do saber (FOUCAULT, 2008a), no qual a noçăo de positividade ("positivitě") desempenha um papel importante. Esses dois termos partilham da mesma fonte etimológica, uma vez que ambos derivam do latim ponere. Agamben argumenta que Foucault assumiu uma compreensăo particular de "positividade" da obra de Jean Hyppolite, um de seus professores, e da interpretaçao de Hegel que ele advogava. De acordo com Agamben, Hyppolite lia as "positividades" em Hegel como o horizonte histórico que impóe regras e coaçöes particulares sobre os indivíduos. Nessa interpretaçao, Foucault estava buscando, já na Arqueología do saber, investigar "os modos concretos em que as positividades (ou os dispositivos) atuam nas relaçöes, nos mecanismos e nos 'jogos' de poder" (AGAMBEN, 2005, p. 11).
Foucault parece ter usado o termo "dispositivo" ("dispositi/") pela primeira vez em suas aulas no College de France em 1973-1974, intituladas O poder psiquiátrico (FOUCAULT, 2006b), nas quais ele o empregou para descrever as operaçöes do poder disciplinar e o papel do asilo como um "dispositivo de cura" (FOUCUALT, 2006b; ELDEN, 2017). Vigiar e punir, publicado originalmente em 1975, já faz um uso extenso da noçao para analisar o Panóptico e os "múltiplos dispositivos de 'encarceramento'" Em uma entrevista após a publicaçao do livro, Foucault (2007, p. 254) introduziu a noçao de dispositivo em sua resposta a questao de saber se haveria um "método" particular que informava suas investigaçöes históricas. Foucault argumentou que era necessário desviar a atençao da busca pelo nao dito, o escondido ou o reprimido para as estratégias explícitas e para a organizaçao consciente. Ele sugeriu substituir a "lógica do inconsciente" pela "lógica da estratégia", focando nas "táticas com seus dispositivos" (FOUCAULT, 1994, p. 720; RABINOW, 2003, p. 49-50). No entanto, foi apenas dois anos depois, em outra entrevista, que Foucault foi questionado explícitamente sobre o significado e a funçao metodológica do termo dispositivo10. Ele propôs a seguinte definiçao, que delineia tres elementos distintivos:
Através deste termo tento demarcar, em primeiro lugar, um conjunto decididamente heterogéneo que engloba discursos, instituiçöes, organizaçöes arquitetônicas, decisöes regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposiçöes filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o nao dito sao os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos.
Em segundo lugar, gostaria de demarcar a natureza da relaçao que pode existir entre estes elementos heterogéneos. Sendo assim, tal discurso pode aparecer como programa de uma instituiçao ou, ao contrário, como elemento que permite justificar e mascarar uma prática que permanece muda; pode ainda funcionar como reinterpretaçao desta prática, dando-lhe acesso a um novo campo de racionalidade. Em suma, entre estes elementos, discursivos ou nao, existe um tipo de jogo, ou seja, mudanças de posiçao, modificaçöes de funçöes, que também podem ser muito diferentes.
Em terceiro lugar, entendo dispositivo como um tipo de formaçao que, em um determinado momento histórico, teve como funçao principal responder a uma urgencia. O dispositivo tem, portanto, uma funçao estratégica dominante. (FOUCAULT, 1979, p. 244).
Logo, para Foucault, um dispositivo é, em primeiro lugar, uma rede [network] ("réseau") materialmente heterogenea (FOUCAULT, 1979, p. 244) entre um conjunto de elementos discursivos e nao discursivos, sujeitos e objetos, sem distinguir nítidamente entre eles (DELEUZE, 1992, p. 160). Ele é uma composiçao de coisas que parece incluir virtualmente qualquer coisa, desde discursos e instituiçöes, a corpos e edificios. O dispositivo é a teia [web] relacional que une esses elementos, definindo suas posiçöes e conferindo-lhes uma forma e um contorno particulares. Comparado com os conceitos de épistéme e de arquivo, utilizados em seu trabalho anterior, o dispositivo é uma noçao mais abrangente e complexa: "a épistéme é um dispositivo especificamente discursivo, diferentemente do dispositivo, que é discursivo e nao discursivo" (FOUCAULT, 1979, p. 246, grifo do autor). Deleuze enfatizou a relaçao entre visibilidade e anunciaçao no conceito de dispositivo de Foucault: "Cada dispositivo tem sua maneira de estruturar a luz, a maneira com a qual ela bate, borra e dispersa, distribuindo o visível e o invisível, dando a luz objetos que sao dependentes dela para sua existencia" (DELEUZE, 1992, p. 160, traduçao nossa). Mas dispositivos nao sao somente maquinas óticas (por exemplo, o Panóptico), mas sao definidos também pela maneira como estabelecem e mantem as posiçöes diferencias de seus elementos para fazer surgir certos "regimes de enunciaçao" (DELEUZE, 1992, p. 160). Logo, Deleuze acentua o "aspecto onto-criativo" (BUSSOLINI, 2010, p. 100) do dispositivo. Para ele, os dispositivos nao sao "nem sujeitos, nem objetos, mas sim regimes" (DELEUZE, 1992, p. 160) que determinam o que se pode ver e dizer em certa configuraçao histórica de forças. Sob essa luz, o dispositivo nao é um objeto dado e estável, mas sim o resultado de práticas ou de certo regime de práticas. Foucault chama esse imperativo metodológico de "nominalismo histórico" ou "ontologia histórica" (FOUCAULT, 2008b, p. 432).
Em segundo lugar, em contraste com termos relacionais concorrentes, como "reuniao", que incluem indiscriminadamente tanto nao humanos quanto humanos, a noçao de dispositivo leva em conta as fronteiras diferenciais entre esses elementos heterogeneos. Ela enfatiza sua integraçao persistente e a dinámica da estruturaçao. O dispositivo nao é uma rede estável, mas um "conjunto" móvel, caracterizado por "mudanças de posiçao, modificaçöes de funçöes" (FOUCAULT, 1979, p. 244). Logo, o uso do termo dispositivo "dá mais o sentido da integraçao em curso de um campo diferencial de elementos múltiplos, do que descritores ligados, tal qual reuniao" (ANDERSON, 2014, p. 35). Dispositivos sao aparatos tecnológicos que poderiam ser usados com diferentes propósitos e que podem ter funçöes diversas.
O terceiro aspecto do dispositivo é sua "natureza estratégica"11. Os dispositivos existem na medida em que lidam com uma demanda ou "urgencia" específica instalando uma "funçao estratégica" ou um "objetivo" estratégico (FOUCAULT, 1979, p. 244). Eles sao guiados por um "processo de perpetuo preenchimento estratégico" (Foucault, 1979, p. 245; grifos no original) que torna possível inscrever e mobilizar dentro de uma nova estratégia os efeitos negativos ou nao intencionais. Conforme notam Wakefield e Braun (2014, p. 6):
[...] regimes fabris, a arquitetura prisional, o saneamento urbano, a iluminaçao das ruas, bulevares amplos - cada um correspondeu a e pressupôs outras açöes e forças: insurreiçao, motins, doença, crime. Individual e conjuntamente, essas formas governamentais podem ser lidas como uma história das tentativas de administrar e prevenir crises, costurando provisoriamente saberes, práticas e designs disparatados para lidar com as situaçöes na medida em que surgiam.
No entanto, isso nao significa que os dispositivos simplesmente respondem a crises, tentando solucionar problemas pré-existentes. Ao contrario, eles envolvem certas problematizaçöes, eles concebem e imaginam os problemas na mesma medida que buscam administrá-los e lidar com eles. Para capturar esse "duplo processo" (FOUCAULT, 1979, p. 245), provavelmente é útil empregar o conceito de "instrumento/efeito", que Foucault usa em Vigiar e Punir (FOUCAULT, 2007) para abarcar a estranha relaçao entre interioridade e exterioridade em jogo ali. O dispositivo nao é exterior a crise; ao contrário, ele é simultaneamente o efeito de uma crise particular, e um instrumento para lidar com ela. "Crucialmente, para Foucault, nem havia uma vida essencial ou autentica que existia anteriormente ou fora dos elementos e relaçöes de um dispositif particular, e nem a 'vida' construida era uma que seguia um plano ou intençao definida de antemao" (WAKEFIELD; BRAUN, 2014; AGAMBEN, 2005).
As tres dimensöes do dispositivo - a ontológica, a tecnológica e a estratégica - săo bem capturadas em uma curta declaraçao metodológica oferecida por Foucault em suas aulas sobre governamentalidade:
Em suma, o ponto de vista [...] consistía em procurar destacar as relaçöes de poder da instituyo, a fim de analisá-las [sob o prisma] das tecnologias, destacálas também da fu^ăo, para retomá-las numa análise estratégica e destacá-las do privilegio do objeto, a fim de procurar ressituá-las do ponto de vista da constituyo dos campos, dominios e objetos de saber. (FOUCAULT, 2008c, p. 159).
A importância estratégica da noçăo de "dispositivo" na obra de Foucault torna-se ainda mais clara na medida em que, em seus escritos, ele desassocia nitidamente o termo de "aparato". A disti^ăo conceitual já está presente nas aulas no College de France de 1973-1974 (FOUCAULT, 2006b) e em Vigiar ePunir (FOUCAULT, 2007)12. Enquanto nesses textos anteriores Foucault usa "dispositivo" em um sentido que é por vezes próximo ao significado técnico de mecanismo ou aparato, ele já sugere um "sentido mais complicado filosoficamente" (ELDEN, 2017, p. 130). Esse uso conceitualmente distinto de "dispositivo" toma forma no primeiro volume de História da sexualidade e informa a compreensăo subsequente de Foucault do termo. Foucault busca distinguir clara e consistentemente a noçăo de dispositivo do conceito mais limitado e circunscrito de aparato, que permanece dentro do reino da soberania e do poder estatal e contém um uso instrumental (FOUCAULT, 1988). Essa compreensăo de aparato informa as aulas de Foucault no College de France sobre governamentalidade, quando ele discute os dispositivos de segurança, distinguindo-os de "aparatos governamentais" ("appareils") no sentido estrito (FOUCAULT, 2008c, p. 143).
Logo, o aparato ("appareil") nao é sinónimo de dispositivo ("dispositi/'), ou intercambiável com esse; eles sao "conceitos relacionados, de modo que o aparato é um subgrupo distinto do dispositivo" (Bussolini, 2010, p. 94). Esta prioridade conceitual do dispositivo também é importante teoricamente. Foucault relaciona-se criticamente nao apenas com a ciencia política tradicional, na medida em que ela foca na soberanía e no Estado como um aparato militaradministrativo, mas também com a obra de Althusser a respeito de "aparelhos ideológicos de Estado" (ALTHUSSER, 1980, 1999)13. Embora Althusser tenha buscado expandir a análise do Estado, levando em conta a produçao de saber e os processos de subjetivaçao, a análise permaneceu centrada no Estado14. O uso do termo "dispositivo" representa, entao, uma escolha conceitual particular que é obscurecida quando ambos "appareil" e "dispositi/' sao traduzidos para o ingles, sem qualquer diferenciaçao, como "aparatos" [apparatus].
A noçao de dispositivo é uma ferramenta conceitual útil para abrir a moldura analítica para as relaçöes estratégicas de forças, ao invés de focar no poder estatal15. De acordo com Foucault, o governo por agencias e aparelhos [apparatuses] estatais - "a 'governamentalizaçao' do Estado" (FOUCAULT, 2008c, p. 145) - deve ser concebido como um processo político contingente e como um evento histórico singular que carece de explicaçao, ao invés de um fato dado. Ele busca investigar
[...] os apoios que tais correlaçöes de força encontram umas nas outras, formando cadeias ou sistemas ou ao contrário, as defasagens e contradiçöes que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo esboço geral ou cristalizaçao institucional toma corpo nos aparelhos estatais. (BUSSOLINI, 2010, p. 93-94).
A análise em termos do dispositivo também possibilita suspender a distinçao entre tecnologías duras e suaves [soft and hard], materiais e simbólicas. Ele propöe uma consideraçao integral que investiga a interaçao dinámica de elementos que sao, com frequencia, sistematicamente separados. Esta perspectiva teórica questiona a noçao de um aparelho de Estado [state apparatus] confinado as características estruturais e organizacionais do Estado como um conjunto institucional. Ela inverte esse "institucional-centrismo" (FOUCAULT, 2008c, p. 157) por meio da concepçao das instituiçöes como tecnologias. Ao invés de tomar as instituiçöes como o ponto de partida, ela foca nas tecnologias que sao materializadas e estabilizadas em configuraçöes institucionais [institutional settings]. Em vez de atribuir as transformaçöes políticas [political transformations] as políticas [policies] de um Estado autónomo, uma analítica dos dispositivos rastreia-as em novas tecnologias e formas de saber que proporcionam a "possibilidade mesma de parecer isolar da sociedade os aparelhos independentes de um Estado" (MITCHELL, 1991; LEMKE, 2007).16
Política Ontológica
A emergencia do dispositivo no vocabulario conceitual de Foucault marca um movimento complexo de continuidade e ruptura teóricas17. Enquanto épistéme e arquivo eram designadas como noçöes globais ou totalizantes, o dispositivo é muito mais limitado em escopo e específico empíricamente. Além disso, a enfase é muito mais explícita no caráter estratégico do dispositivo. Ela está localizada na intersecçao das relaçöes de poder com formas de saber, e consiste de "estratégias de relaçöes de força sustentando tipos de saber e sendo sustentadas por eles" (FOUCAULT, 1979, p. 246). No entanto, também há paralelos interessantes entre os conceitos mais velhos e o "dispositivo". A épistéme e o arquivo tinham uma funçao teórica importante no "trabalho arqueológico" de Foucault, na medida em que ambos constituíam a totalidade de eventos discursivos de uma época, e, ao mesmo tempo, operavam como um sistema gerador que permitia a emergencia desses discursos em primeiro lugar. O mesmo vale para o dispositivo. Ele representa uma ordem estruturada já existente que determina os limites do visível e do dizível, mas é também uma configuraçao dinámica e móvel.
Logo, há duas dimensöes dos dispositivos que podem ser distinguidas analiticamente. Em primeiro lugar, o dispositivo integra incessantemente os elementos dos quais consiste e é, ele mesmo, o resultado desse processo de "formaçao" (FOUCAULT, 1979, p. 244). Embora Foucault proponha, nessa famosa definiçao do dispositivo, que devessemos compreender esses "elementos" como discursivos e nao discursivos, ele também segue uma sugestăo de Jürgen Habermas e faz uma proposta mais diferenciada em um artigo posterior (FOUCAULT, 1995, p. 241). Nesse texto, ele foca nas interconexôes e inter-relaçöes entre capacidades técnicas, relaçöes de comunicaçao e relaçöes de poder. Foucault descreve as formas sistemáticas de "coordenaçao entre estes tres tipos de relaçao" (FOUCAULT, 1995, p. 241) como "blocos" ("blocs") "nos quais o ajuste das capacidades, os feixes de comunicaçao e as relaçöes de poder constituem sistemas regulados e concordes" (FOUCAULT, 1995, p. 241). Logo, o dispositivo proporciona "modelos de articulaçao" (FOUCAULT, 1995, p. 242) que possibilitam integrar diferencialmente capacidades orientadas a fins, relaçöes de comunicaçöes e relaçöes de poder18.
Em segundo lugar, o dispositivo é uma configuraçao dinámica e móvel que estabelece "matrizes de transformaçao" (FOUCAULT, 1988, p. 110) que nao sao arbitrárias, mas seguem padröes específicos. Estas promulgam uma lógica histórica e uma racionalidade prática "que as correlaçöes de força implicam através de seu próprio jogo" (FOUCAULT, 1988, p. 109). No entanto, esses padröes estăo expostos a uma dinámica de dois gumes. Por um lado, o dispositivo é caracterizado por uma "sobredeterminaçao funcional" (FOUCAULT, 1979, p. 245, grifo do autor), na medida em que os efeitos intencionais ou nao intencionais de suas operaçöes entram "em uma relaçao de ressonância ou de contradiçao" (FOUCAULT, 1979, p. 245) com outros efeitos, de modo que os "elementos" do dispositivo sao permanentemente redefinidos, reimplementados e reajustados. Logo, o objetivo estratégico e a forma existente do dispositivo sao sempre marcados por uma diferença e uma distância - uma diferença que nao é simplesmente o resultado de um insucesso ou um sinal de imperfeiçao; ao contrário, ela pode ser mobilizada e tornar-se um vetor na transformaçao do dispositivo (BRAUNS, 2003, p. 44). Por outro lado, é justamente essa indeterminaçao ou "polivalencia tática" (FOUCAULT, 1988, p. 111) que possibilita a flexibilidade e a dinámica do dispositivo. Sua "criatividade variável" (DELEUZE, 1992, p. 163) ajuda a transformar "efeitos negativos" em "positivos" por meio da redefiniçao do objetivo estratégico. Foucault ilustra esse "preenchimento estratégico" (FOUCAULT, 1979, p. 245) do dispositivo com a emergencia de um ambiente profissional da delinquencia que foi possibilitado pelo estabelecimento do sistema prisional - um efeito nao previsto que "passou a ser reutilizado com finalidades políticas e económicas diversas" (FOUCAULT, 1979, p. 245). Logo, há uma "regra do duplo condicionamento" (FOUCAULT, 1988, p. 110) operando: o dispositivo impacta na estratégia e, ao mesmo tempo, a estratégia informa o dispositivo.
Esta enfase na natureza estratégica do dispositivo possibilita contornar um viés funcionalista. Uma vez que os critérios de fracasso e sucesso sao uma parte integral do dispositivo, eles nao podem ser considerados como parâmetros externos. Na verdade, o "sucesso" de um dispositivo nao é garantia de sua continuidade, uma vez que estratégias bem-sucedidas podem finalmente abolir suas fundaçöes ou pH-condiçöes materiais e, assim, torná-las obsoletas. Inversamente, o "fracasso" de um programa estratégico pode ser muito "bemsucedido", uma vez que ele pode ocasionar um "reinvestimento estratégico". Colocado diferentemente: um dispositivo pode funcionar "bem" porque ele nao funciona de maneira alguma ou apenas "mal", por exemplo por meio da criaçao dos problemas com os quais ele presumivelmente lida. Sob esta luz, a análise de Foucault do "fracasso" da prisăo como um meio para combater a criminalidade pode muito bem indicar sua "raison d'etre" (FOUCAULT, 2007; HIRSCHMAN, 1977)i9. Como vimos, o dispositivo está sempre ligado a direcionar ou dirigir processos da vida. Ele estabelece certo "regime" (DELEUZE, 1992, p. 160) que conecta objetos e sujeitos, elementos discursivos e năo discursivos ao "articular uns sobre os outros" (FOUCAULT, 1995, p. 242) capacidades direcionadas a fins, relaçöes de comunicaçăo e de relaçöes de poder. Agamben apontou que o dispositivo, e seus precursores latinos dispositio e disponere, săo versöes do termo grego oikonomia, significando a administ^ăo do oikos, da família e de seus bens e bem-estar, ou, mais genericamente, gestăo [management]. Esta compreensăo de oikonomia informa as consideraçöes de Foucault sobre o poder pastoral e, mais genericamente, sua compreensăo da economia do poder (FOUCAULT, 2008c; BUSSOLINI, 2010). Logo, a noçăo de dispositivo está firmemente ancorada em uma analítica do governo. Ela está ligada a direcionar ou dirigir processos da vida. Na compreensăo de Foucault, a própria ideia do dispositivo pressupöe que haja alguma força problemática e de agencia [agentive] concebida como carente de ser formada, configurada e dirigida.
A genealogia de Foucault do "dispositivo da sexualidade" é um bom exemplo da dimensăo tecno-política-ontológica da noçăo. O ponto principal de Foucault em A vontade de saber é que a sexualidade năo é algo dado universalmente, que é entăo regulado e conhecido. Muito pelo contrário, ele argumenta que a "sexualidade" foi inventada no século XIX e tornou-se um objeto privilegiado de saber em várias disciplinas. O "dispositivo da sexualidade" combina e alinha um conjunto de comportamentos individuais, funçöes corporais e práticas institucionais, governando e controlando, deste modo, os indivíduos e seus corpos (FOUCAULT, 1988, p. 117; BEHRENT, 2013; ELDEN, 2016). Logo, ele articula tanto a dimensăo produtiva quanto a coativa do poder. Em A vontadé de saber, Foucault contesta a "hipótese repressiva" de duas maneiras. Ele rejeita nao apenas a ideia da sexualidade original, que veio a ser coagida e deve ser agora emancipada, como também a interpretaçao de que o dispositivo da sexualidade serve primariamente a opressao de classe. Ao invés disso, ele alega que a "sexualidade" é uma invençao burguesa, um meio de autoafirmaçao que constitui seu "corpo de classe". Apenas posteriormente, no decurso do século XIX, o dispositivo veio a ser aplicado ao corpo social como um todo, no qual, enquanto uma instância hegemônica, "induz, em seus deslocamentos sucessivos e em suas transposiçöes, efeitos de classe específicos" (FOUCAULT, 1988, 1999).
Unindo STS e uma Analítica do Governo: o Governo das Coisas
A compreensao de Foucault do dispositivo insiste em seu construtivismo prático e em sua dimensao performativa: ele nao age simplesmente em objetos já existentes, mas cria os objetos em suas próprias operaçöes. Esse "materialismo relational" (MOL, 2013, p. 381) é intimamente ligado a trabalhos em STS, e é extremamente frutífero unir ideias de STS e de uma analítica do governo na esteira de Foucault. Minha compreensao do entrelaçamento de dimensöes ontológicas, tecnológicas e estratégicas do dispositivo é informado por uma analítica do governo que vai além do governo de humanos. Esse "governo das coisas", como Foucault certa vez denominou-o (LEMKE, 2015), contribui para uma problematizaçao da política como um dominio exclusivamente humano, caracterizado por conflitos de interesses ou por tomadas de decisöes comuns. O conceito de um "governo das coisas" enfatiza a materialidade da política ao articular a ligaçao entre a matéria do governo e o governo da matéria. Ele é atento para como práticas sócio-materiais configuram e transformam a realidade, fazendo surgir uma multidăo de atores e resultando em uma "política ontológica" (MOL, 1999) diferente20.
Esta síntese teórica entre STS e uma analítica do governo possibilita uma "teoria da política mais plenamente materialista" (BRAUN; WHATMORE, 2010, p. x), na medida em que ajuda a corrigir os problemas enfrentados por muitas análises da sociologia política e da teoria social e política ao abordar as transformaçöes e mudanças nas sociedades contemporáneas. Observemos brevemente alguns desses problemas. Em primeiro lugar, as teorias política e social tendem a restringir o domínio da política. No imaginário político predominante, a política é vista como baseada no discurso, na comunicaçăo, na vontade, etc. (ASDAL et al., 2008; MARRES; LEZAUN, 2011), enquanto artefatos materiais e sistemas físicos săo concebidos "como a fundaçăo passiva e estável sobre a qual a política ocorre" (BARRY, 2013, p. 1)21. Em segundo lugar, teóricos políticos em demasia ainda tratam a tecnología como algo exterior a política, concebendo-a como o objeto da política (BRAUN; WHATMORE, 2010). Em terceiro, a teoria política é, em sua maioria, informada por um viés humanista que é incapaz de informar e lidar com os desafios sociais e políticos a luz da crise económica e ecológica (BENNETT, 2010).
Há quatro atributos distintivos que caracterizam tal perspectiva do "governo das coisas".
Uma abordagem performativa e praxeológica
A noçao de dispositivo vai além do construtivismo social e do realismo clássico ao endossar uma abordagem praxeológica das materialidades. O dispositivo é promulgado por práticas e nao existe anteriormente a elas. Elas produzem o efeito do APARATO, de uma entidade estável, homogénea, maquínica e fixa. Nesse sentido, o dispositivo é o resultado de um processo de "aparatamento". É importante contornar e esquivar-se do efeito de "reificaçao", produzido ativamente pelas operaçöes do dispositivo, por meio de sua concepçao como heterogéneo, instável e flexível.
Essa compreensao performativa possibilita levar em conta as diversas maneiras com que as fronteiras entre o mundo humano e o nao humano sao negociadas, promulgadas e estabilizadas. Além disso, essa postura teórica nao dualista possibilita analisar a distinçao aguda entre o natural, de um lado, e o social, de outro, matéria e significado como um instrumento e efeito distintivos de práticas governamentais. Ela também nos convida a repensar as formas de causalidade em termos de temporalidade, espacialidade e matéria, na medida em que estes sao reconfigurados no "dispositio". Creio que aqui seja necessário acatar o lembrete de Karen Barad de que deveríamos rejeitar qualquer ideia de um mundo já dado, caracterizado por esquemas causais fixos e padröes pré-estabelecidos de tempo, espaço e matéria. Ao contrário, os dispositivos sao máquinas criadoras de mundos que determinam o que conta como uma "causa" e o que conta como um "efeito". Nessa leitura, os dispositivos (na terminologia de Barad, "aparatos") nao meramente evoluem no tempo; eles nao estao situados no espaço e nao mobilizam a matéria; ao contrário, eles sao "reconfiguraçöes materiais específicas do mundo que [...] reconfiguram reiteradamente o espaçotempomatéria como parte do dinamismo continuo do tornarse" (BARAD, 2007, p. 142). Nessa perspectiva, os dispositivos nao simplesmente "mudam com o tempo; eles se materializam (através do) tempo" (BARAD, 2007, p. 203), eles năo sao "localizados no mundo, mas sao configuraçöes ou reconfiguraçöes materiais do mundo que re(con)figuram a espacialidade e a temporalidade, assim como a (noçao tradicional de) dinámica" (BARAD, 2007, p. 146).
Uma compreensao material-semiótica
O conceito de dispositivo está localizado dentro de uma semiótica material. Ele possibilita analisar as relaçöes interligadas entre significado e matéria sem distinguir sistematicamente entre elas. Embora essa perspectiva seja útil para dar conta do material na teoria social e política, a ambiçao vai além da correçao dos pontos cegos e limitaçöes das compreensöes social construtivistas ou realistas clássicas. Ele também possibilita conceber a "vibraçao das coisas" (Bennett) sem sucumbir a uma leitura vitalista que clama pela liberaçao da matéria morta. Ao contrário, a compreensăo material-semiótica do dispositivo enfatiza sua riqueza em eventos [eventfulness], sua indeterminaçao, sua abertura e flexibilidade interpretativa. Os dispositivos podem falhar em suas ambiçöes originais (ou reajustá-las), mas mesmo que eles tenham sucesso, eles podem ocasionar consequencias nao previstas e possibilidades desconhecidas, transformando as agendas e topografias políticas (BRAUN; WHATMORE, 2010, p. xx-xxii).
Há uma outra leitura mais específica dos entrelaçamentos do material e do semiótico. A alegaçao teórica de "reintroduzir o material", embora aparentemente de modo paradoxal, é articulada em uma situaçao histórica na qual o material é cada vez menos concebido como "substância morta", e mais como "matéria vibrante", enfatizando a agencia das coisas nos processos de "digitalizaçao", "molecularizaçao" e "informatizaçao". Andrew Barry fornece duas "razöes amplas" (BARRY, 2013, p. 14) para esse desenvolvimento que estăo vinculadas com o modo operacional dos dispositivos de governo:
Em primeiro lugar, no contexto tanto de intensificaçăo dos custos das materias primas e da energia, quanto das demandas dos consumidores e da industria, há uma enfase constante na aval^ăo do desempenho dos materiais [...]. Em segundo lugar, reuniöes materiais săo objeto de uma gama crescente de requisitos regulatórios que governam questöes tais como desperdicio ambiental, biossegurança, segurança e uso energético [...].A prod^ăo de informaçöes sobre os materiais é, portanto, intimamente associada com o crescimento de zonas regulatórias nacionais e transnacionais, regimes que governam, medem e monitoram o impacto de materiais tanto em pessoas quanto no ambiente físico. (BARRY, 2013, p. 14).
Seguindo Barry, uma dimensăo central dos dispositivos contemporáneos é avaliar a performatividade e a "riqueza em eventos" dos materiais buscando controlar e governá-los.
Uma perspectiva pós-humanista
A nogăo de dispositivo torna visível as fronteiras e condiçöes materiais contingentes da política ao expor os limites dos modos antropocentricos de pensamento. Ela nos auxilia a conceber o sujeito humano como um resultado das operaçöes dos dispositivos, ao contrario do que como alguém fora ou exterior a eles. Há toda uma gama de novas questöes empíricas e teóricas que precisam ser exploradas: como é composto o coletivo político e quem (ou o que) é reconhecido como um ator político (mulheres, animais, montanhas, etc.) (ASDAL et al., 2008, p. 6)? Como o governo de năo humanos está articulado com o governo de humanos e como ele o condiciona (NIMMO, 2008)? Como deveríamos conceber as propriedades agenciais de corpos humanos e năo humanos, sua riqueza em eventos e indeterminaçăo sem recorrer a conceitos como "resistencia" ou "recalcitrância", que parecem reinscrever a passividade ou rearticular a oposiçao atividade versus passividade (BRAUN; WHATMORE, 2010, p. xx-xxii)?
Essa perspectiva pós-humanista a respeito da política também possibilita ir além da política (ambiental) tradicional, na medida em que problematiza tanto o objeto quanto o sujeito da política (BENNETT, 2010, p. 111-2). Em primeiro lugar, a mudança de "ambiente" para "dispositivos" rompe com ideias de direçao humana [human stewardship] ou de qualquer relaçao exterior entre humanos e as condiçöes ambientais da vida humana; ao invés disso, a materialidade é partilhada igualmente por humanos e nao humanos e a agencia humana é sempre já parte de dispositivos mais complexos que fundem e hibridizam forças humanas e nao humanas. Em segundo lugar, o conceito de dispositivo nao apenas desestabiliza as ideias convencionais de exterioridade e externalidade, mas também força os humanos a reconhecerem a alteridade em sua própria humanidade [humanness], indo, dessa maneira, além de conceitos tradicionais de corporificaçao [embodiment]. Nessa perspectiva, a agencia nao humana é a prė-condięao para os humanos emergirem e existirem (BENNETT, 2010, p. 113)22.
Embora essa perspectiva pós-humanista seja certamente uma mudança teórica necessária, há ao menos duas ressalvas para se levar em conta. Em primeiro lugar, o deslocamento teórico para o póshumanismo e o igualitarismo analítico atrelado a ele tende, por vezes, a obscurecer o papel de facto privilegiado e o poder planetario dos humanos de afetar outros corpos. O que é necessário é aquilo que se pode chamar de um "antropocentrismo estratégico" (DONALDSON, 2014, p. 6) que leve em conta o poder assimetricamente destrutivo e opressivo dos humanos. Conforme coloca Coole: "tendo rejeitado ontologias verticais ou dualistas, [...] ainda é importante responsabilizar os seres humanos, em um sentido material, se nao moral, pela destrutividade que eles estao exercendo em ecossistemas vulneráveis" (COOLE, 2013, p. 461). Embora seja importante desestabilizar a "matriz antropológica" (LATOUR, 1994, p. 105), uma analítica de governo pós-humanista precisa dar conta da responsabilidade do Homem por ameaçar as condiçöes de vida no planeta inteiro. Logo, um póshumanismo crítico nao somente abandona o "humanocentrismo", como também - conforme colocaram Cudworth e Hobden - está "altamente afinado com a dominaçao do animal que nao é humano, em adiçao ao animal que é" (CUDWORTH; HOBDEN, 2015, p. 144).
O segundo problema é que a crítica do antropocentrismo é frequentemente expressa como uma acusaçao muito abstrata e geral, e nao é relacionada ao problema do eurocentrismo ou aos debates pós-coloniais sobre alteridade. Como resultado, o debate tende a homogeneizar o "humano", ignorando, assim, suas fraturas e fissuras internas. Logo, as assimetrias de poder e as desigualdades sociais dentro do "humano" raramente sao abordadas, na medida em que o foco do interesse se desloca para os entrelaçamentos de entidades ou reuniöes humanas e nao humanas. Paradoxalmente, o "humano" que deve ser deixado para trás e superado por um retrato pós-humano ou "mais-que-humano" é, no final, reafirmado como algo solido e estável (MEIßNER, 2013; GARSKE 2014).
Experimentagao e crítica como mapeamento
Essa perspectiva de pesquisa também convida um estilo diferente de análise e de crítica. Dado o caráter heterogéneo, dinámico e móvel dos dispositivos, eles nao podem ser concebidos como totalidades coerentes, estáveis e sólidas, que estruturam e governam [rule] generalizadamente o mundo sócio-material. Wakefield e Braun argumentam que, dado que um dispositivo é composto de "uma rede de relaçöes entre elementos, suas formas de análise nao sao a crítica, mas sim a investigaçao, o mapeamento e a vinheta" (WAKEFIELD; BRAUN, 2014, p. 8). Eles propöem deslocar o registro da crítica da inquisiçao moral a uma investigaçao pragmática que analisa como dispositivos específicos operam. Logo, a ambiçao é fornecer um mapa das topografias contemporáneas do governo. Este estilo de análise nao busca determinar se um dispositivo é bom ou mau; ao contrário, ele busca identificar "linhas de fuga" (DELEUZE; GUATTARI, 1997) para que possamos imaginar como o dispositivo poderia operar diferentemente. O desafio é desarticular a dimensao governamental do dispositivo, tornar inoperáveis os elementos disparatados dos quais consiste e dissolver as relaçöes que ele promulga (WAKEFIELD; BRAUN, 2014, p. 10)23.
Dado que os dispositivos nao sao estruturas fixas e unificadas, mas sim práticas heterogéneas e abertas (BARAD, 2007), eles invocam imaginários políticos e projetos de experimentaçao alternativos, possivelmente levando a formas de "contra-conduta" (Foucault). O foco na dimensao experimental da crítica também retoma aquilo que Foucault chamou de crítica como ethos. Uma crítica "experimental" pressupöe um movimento para examinar cuidadosamente os parâmetros normativos que sao parte de uma realidade social e histórica com a qual eles se relacionam criticamente. Logo, a crítica experimental abrange duas dimensöes aparentemente contraditórias. A experiencia é concebida como uma estrutura dominante e uma força transformadora, como um pano de fundo existente de práticas e um evento transcendente, como o objeto de inquisiçao teórica e o objetivo de mover-se além dos limites históricos. Note o duplo significado de experience em frances, tanto como "experimento", quanto como "experiencia".
No entanto, tal política de experimentaçao é particularmente desafiadora na medida em que nao precisa apenas lidar com as dificuldades de alinhar e negociar os interesses e estratégias humanos, mas também tem de levar em conta formas múltiplas de agencia que incluem entidades e práticas nao humanas. Logo, o modo experimental nao inclui somente empregos alternativos ou reconfiguraçöes diferentes de dispositivos governamentais para humanos, mas se estende também para problemas de encarregar-se de responsabilidades e agencias tanto de humanos quanto de nao humanos (JOHNSON et al., 2014). De modo aparentemente paradoxal, isto é particularmente crítico para a experimentaçao política na era do Antropoceno.
CONCLUSÄO
Meu objetivo nesse artigo foi duplo. Em primeiro lugar, argumentei a favor de um uso mais consistente e deliberado do conceito de dispositivo, distinguindo a noçao do conceito de aparato, de um lado, e da ideia de reuniao, de outro. Tentei especificar as dimensöes ontológicas, tecnológicas e estratégicas da noçao e sua mais-valia analítica e crítica.
Em segundo lugar, argumentei a favor de um alinhamento entre uma analítica do governo na tradiçao foucaultiana e as ideias dos STS, e reservei o termo "governo das coisas" para essa empreitada. Esta síntese teórica, da qual o conceito de dispositivo é um elemento e instrumento importantes, possibilita ir além dos pontos cegos e insuficiencias de muitas observaçöes contemporáneas da política e da análise social, e é mais apropriada para abordar desafios e crises políticas e sociais urgentes, dado que ela leva a sério a matéria da política. O conceito de um governo das coisas contorna a alternativa desgastada do construtivismo social e do realismo científico. Ele nos convida a desentrelaçar as noçöes de matéria, ontologia, natureza e biologia como associadas necessariamente com determinismo, essencialismo e reducionismo, e desafia as imaginaçöes políticas e os vocabulários críticos ao questionar a ideia de natureza como algo sólido, estável e estático.
1 Este artigo é baseado em uma comunicaçao de maio de 2017 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciencias Humanas da Universidade de Sao Paulo. Gostaria de agradecer a Eduardo Altheman Camargo Santos pela traduçao do texto para o portugués, e a Franziska von Verschuer pelos comentários valiosos e pela ajuda com o manuscrito.
3 [N. do T.] Na traduçâo para o portugués da entrevista citada por Lemke, a tradutora Angela Loureiro de Souza manteve todas as traduçöes de dispositif como "dispositivo", felizmente prevenindo tais confusöes. (FOUCAULT, 1979, p. 243-76).
4 [N. do T.]: Lemke observa ao longo do artigo que o termo em francés agencement foi traduzido para o ingles como assemblage. No entanto, é necessário enfatizar que ambos năo săo sinónimos, o que tornou a tradugăo simultánea dos dois vocábulos para o portugués extremamente difícil. Optei pela palavra "reuniăo" pois parece ser a que melhor exprime ambos os significados, assim como para diferenciá-la de ensemble, vertido como "conjunto" ao longo do artigo.
5 [N. do T.] STS é a sigla em inglés para Science and Technology Studies, isto é, Estudos de Ciencia e Tecnología. Como o campo constitui-se majoritariamente em língua inglesa, e como o próprio autor utiliza-a em inglés em outros artigos, mesmo aqueles escritos em alemăo, optei por manter a sigla em ingles ao longo do artigo.
6 Embora Agamben (2005) enfatize o significado legal do termo, o ponto mais importante é a dimensăo "ontológica": que a regra legal seja anunciada e, por meio disso, trazida a existencia, a "promulgagăo" da decisăo.
7 Bussolini enfatiza que a etimologia dos termos italianos apparato e dispositivo é bastante similar as diferenças semánticas entre as palavras francesas correspondentes.
8 Curiosamente, o ensaio de Agamben Che cos'e un dispositivo? (Rome: Nottetempo, 2006), que argumenta a favor da especificidade etimológica e conceitual de "dispositivo" foi publicado em ingles com o título What is an Apparatus? (AGAMBEN, 2005; BUSSOLINI 2010, p. 85). [N. do T.]: como se sabe, tal ensaio de Agamben parte de uma comunicagăo realizada no Brasil e a tradugăo para o portugués manteve o termo "dispositivo" no título. (AGAMBEN, 2005).
9 [N. do T.] É importante notar que o conceito de agencement, de Deleuze e Guattari, foi traduzido para o portugués como "agenciamento", tanto em Mil platós - capitalismo e esquizofrenia, quanto em Kafka, por uma literatura menor. (DELEUZE; GUATTARI, 1977, 1997).
10 Certamente nao foi uma coincidéncia que a entrevista foi conduzida por um círculo de lacanianos, que Foucault desafiou com seu chamado para ir além da "lógica do inconsciente".
11 Foucault especificou sua compreensao de estratégia em seu ensaio "O sujeito e o poder", delineando tres sentidos da palavra: "Primeiramente, para designar a escolha dos meios empregados para se chegar a um fim [...]; Para designar a maneira pela qual um parceiro, num jogo dado, age em funçao daquilo que ele pensa dever ser a açao dos outros, e daquilo que ele acredita que os outros pensarao ser a dele [...]; Enfim, para designar o conjunto dos procedimentos utilizados num confronto para privar o adversario dos seus meios de combate e reduzi-lo a renunciar a luta". (FOUCAULT, 1995, p. 247).
12 Cf., por exemplo, a seguinte passagem de Vigiar e Punir: "O soberano e sua força, o corpo social, o aparelho administrativo. A marca, o sinal, o traço. A cerimônia, a representaçăo, o exercício. O inimigo vencido, o sujeito de direito em vias de requalificaçăo, o individuo submetido a uma coenjăo imediata. O corpo que é supliciado, a alma cujas representaçöes săo manipuladas, o corpo que é treinado; temos ai tres séries de elementos que caracterizam os tres dispositivos que se defrontam na última metade do século XVIII. (FOUCAULT, 2007, p. 108).
13 [N. do T.]: É importante notar que a traduçao para o ingles do conceito de Althusser "Appareils idéologiques d'État" fala em "ideological state apparatuses", ao passo que a brasileira fala em "aparelhos" - e nao aparatos - "ideológicos de Estado", o que pode causar certa confusao. No entanto, embora seja também utilizado de maneira inconsistente e alternada com alguns outros termos, conforme mostra Lemke no artigo, a traduçao para o ingles mantém ao menos o termo "apparatus" também ao longo da obra de Foucault, demonstrando explicitamente esse embate crítico com Althusser; as traduçöes para o portugués, de maneira geral, sao mais cuidadosas para traduzir o termo dispositif, mas optou, muitas vezes, pelo termo "aparato" para se referir å obra de Foucault, mesmo quando este utiliza nitidamente o termo "appareil". Ao leitor brasileiro parece, entao, que Althusser, de um lado, falou de aparelhos, e Foucault, de outro, de aparatos, o que pode contribuir para obnubilar a relaçao entre ambos.
14 Interessantemente, Althusser também distingue entre "appareil" e "dispositif' em seu ensaio, no qual esse parece ser um subgrupo daquele (ALTHUSSER, 1980; BUSSOLINI, 2010). Sobre a relaçao entre Althusser e Foucault (MONTAG, 2013, p. 141-70). A noçao de aparato (também em um sentido diferente do foco no Estado) também está presente na obra de Deleuze e Guattari, especialmente em seu conceito de "aparelho de captura" ("appareil de capture") (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 97-156).
15 O interesse de Foucault em introduzir a noçao de governo é precisamente desembaraçar o termo de seu "sentido estatal [...] de forma rigorosa" (FOUCAULT, 2008c; LEMKE, 2007).
16 Além de "apparatus", a noçâo de "assemblage" também figura nas traduçöes em ingles das aulas de Foucault no College de France (FOUCAULT, 2008c, p. 424). Isso levou alguns intérpretes a notar "um deslize fascinante na linguagem do apparatus/assemblage" (LEGG, 2011, p. 129). No entanto, nessas passagens, Foucault năo usou o termo "agencement", mas empregou o termo em francés "ensemble".
17 Deleuze situa a emergencia do dispositivo na obra de Foucault como o resultado de uma crise teórica (DELEUZE, 1992, p. 159).
18 Essa forma de coordenaçao móvel aproxima-se daquilo que Charis Thompson descreve como uma "coreografia ontológica", referindo-se å maneira como questöes técnicas, científicas, emocionais, políticas, entre outras, sao coordenadas em clínicas de ART (THOMPSON, 2005). [N. do T.]: ART é a sigla em ingles para Assisted Reproductive Technology, ou Tecnología de Reproduçao Assistida.
19 Esse argumento é desenvolvido mais extensamente em Lemke (2017).
20 Annemarie Mol, em seu artigo sobre política ontológica, credita a Foucault um papel "crucial" nas "articulaçöes intelectuais da política ontológica" (MOL. 1999, p. 87).
21 Conforme aponta Barry, esse imaginário político também leva a uma ideia empobrecida de democracia: Mas embora teóricos democráticos radicais apontem para a centralidade do dissenso na vida política, pouco eles dizem sobre a existencia e a importancia dos materiais e objetos, que frequentemente vem a animar controvérsias de conhecimento público. Tais controvérsias giram em torno de desacordos năo apenas quanto aos direitos e interesses de atores humanos e as identidades de grupos sociais [...], mas também quanto as causas das mudanças climáticas, a segurança de organismos geneticamente modificados, as origens de doenças, aos riscos de enchentes e as consequencias de acidentes nucleares. (BARRY, 2013, p. 8)
22 Conforme apontou Bennet, seguindo Haraway e muitos outros: "Em um mundo de matéria vibrante, nao é suficiente, logo, afirmar que somos 'corporificados'. Nós somos, ao contrario, uma variedade de corpos, muitos tipos diferentes deles em um conjunto aninhado de biomas" (BENNET, 2010, p. 113).
23 Braun e Wakefield recorrem aqui å noçao de profanaçao de Agamben (AGAMBEN, 2005) ou de poder destituinte (AGAMBEN, 2014). Agamben refere-se å origem latina do termo profanaçao: enquanto "consagrar" designava a saída das coisas da esfera da lei humana, "profanar" significava, ao contrario, restabelecer as coisas para o livre uso dos homens. A profanaçao opera, assim, como algum tipo de contra-dispositivo que restabelece para o uso comum o que o sacrifício havia separado e dividido (AGAMBEN, 2005, p. 14). Para ilustrar o poder desse poder destituinte de abrir novas possibilidades de uso, Braun e Wakefield convidam-nos a considerar "[...] a reconversao [repurposing] de escolas, de suprimentos da Agencia Federal de Gestao de Emergéncias [Federal Emergency Management Agency] e das ruas em centros organizativos autónomos, em bancos de oferta compartilhada, e em cozinhas de rua comunais nos bairros da cidade de Nova York devastados pelo furacao Sandy". (WAKEFIELD; BRAUN, 2014, p. 9).
24 [N. do T.]: sempre que possível, foram realizadas as correspondencias das obras citadas em outras línguas, citando-as em suas traduçöes para o portugués.
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Abstract
Este artigo elucida, em primeiro lugar, os vários significados da noçao francesa de dispositif e contrasta-a com os usos de "aparelho" ("appareil"), por um lado, e "reuniao" ("agencement"), por outro. A segunda parte apresenta o uso distintivo de Foucault do conceito de dispositivo. O argumento baseia-se na tese de que a noçao de dispositivo de Foucault está firmemente ancorada em uma analítica do governo, na medida em que se concentra na direçao e regulaçao de forças agenciais e processos vitais. Na última parte, proponho combinar uma analítica do governo, seguindo Foucault, com insights dos Estudos de Ciencia e Tecnología (STS). Argumento que essa síntese teórica entre STS e uma analítica do governo ajuda a corrigir os problemas de muitas análises da sociologia política e da teoria social e política ao enfrentar as transformaçöes e mudanças nas sociedades contemporáneas. Palavras-chave: Dispositivo. Michel Foucault. STS. Analítica do governo.