Submetido 24/02/2018 - Aceito 23/07/2018
RESUMO
O presente trabalho é um recorte da proposta de pesquisa de mestrado que discute as concepçoes de alguns professores bacharéis sobre suas práticas pedagógicas e analisa se nessas práticas docentes contemplam os elementos e os conceitos da abordagem sociocultural de Vygotsky. A pesquisa está fundamentada pelos estudos de Veiga (1992) para tratar sobre a prática pedagógica, e pelas contribuiçoes de Vygotsky (2007), Masetto (2000), Figueiredo (2006) ao contemplar os conceitos centrais de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), Mediaçao e Aprendizagem Colaborativa, entre outros. A metodologia utilizada é de abordagem qualitativa, tendo a entrevista semiestruturada como instrumento de coleta de dados. Os sujeitos investigados sao quatro professores de um Câmpus da Rede Federal de Ensino do Estado de Goiás que atuam na Educaçao Profissional Básica. Os resultados da pesquisa evidenciam que apesar da predominância de uma prática pedagógica repetitiva desenvolvida por esses professores, há, também, a presença dos elementos/conceitos da abordagem sociocultural de Vygotsky em algumas situaçoes nas aulas desses professores bacharéis contemplando a interaçao social com atividades colaborativas, uso dos scaffoldings, propiciando assim, a execuçao da ZPD do aluno. Todavia, os elementos da teoria sociocultural externados por esses professores é algo aleatório desenvolvido por eles, sem objetivos pedagógicos preestabelecidos, baseados apenas nas suas próprias bagagens culturais.
PALAVRAS-CHAVE: Prática Pedagógica, Professor Bacharel, Educaçao Profissional, Abordagem sociocultural.
ABSTRACT
The present work is part of the proposal of masters research that discusses the conceptions of some bachelor teachers on their pedagogical practices and analyzes if in these practices teachers contemplate the elements and the concepts of the sociocultural approach of Vygotsky. The research is based on studies by Veiga (1992) to deal with pedagogical practice, and by the contributions of Vygotsky (2007), Masetto (2000), Figueiredo (2006) to contemplate the central concepts of Zone Proximal Development (ZPD) Mediation and Collaborative Learning, among others. The methodology used is a qualitative approach, with the semi-structured interview as a data collection instrument. The subjects investigated are four teachers from a Campus of the Federal Institute of Education of the State of Goiás who work in Basic Professional Education. The results of the research show that despite the predominance of a repetitive pedagogical practice developed by these teachers, there is also the presence of elements / concepts of the sociocultural approach of Vygotsky in some situations in the classes of these bachelors teachers contemplating the social interaction with collaborative activities, use of the scaffoldings, thus providing the execution of the student's ZPD. However, the elements of sociocultural theory expressed by these teachers are something randomly developed by them, without pre-established pedagogical objectives, based only on their own cultural baggage.
KEYWORDS: Pedagogical Practice. Bachelor Teachers. Professional Education. Sociocultural Approach.
1INTRODUÇAO
A prática pedagógica do professor é considerada como as atividades rotineiras desenvolvidas na sala de aula. Uma prática pedagógica com base na teoria sociocultural contempla os conceitos centrais de Zona de Desenvolvimento Próximal (ZDP) e Mediaçao, o que pressupöe uma aprendizagem colaborativa em que os alunos possam interagir uns com os outros e desenvolver o espirito crítico e sua autonomia para a construçao do conhecimento. O contrário disso, pode significar uma prática sem referencias pedagógicas ou até mesmo com referencias pedagógicas, mas de forma isolada e/ou fragmentada. Consequentemente, o exercício da docencia poderá ter prejuízos em seu processo de ensino e aprendizagem.
A Educaçao Profissional e Tecnológica (EPT) tem se ampliado e seus docentes por serem das áreas técnicas, sendo que estas, em sua maioria, nao contemplam as discussöes relativas aos processos educativos, ainda que esses professores adotem e desenvolvam na sua sala de aula uma prática pedagógica.
A formaçao para a docencia na EPT nao vem explícitamente delimitada na Lei de Diretrizes e Bases (Lei n° 9.394/1996). Contudo, a Resoluçao n° 1, de 27 de março de 20081 elenca no seu artigo 4°, que a formaçao para os professores da EPT deve ser docentes:
I - habilitados em cursos de licenciatura plena e em Programas Especiais de Formaçao Pedagógica de Docentes;
II - pós-graduados em cursos de especializaçao para formaçao de docentes para a Educaçao Profissional Técnica de Nivel Médio, estruturados por área de habilitaçao profissional;
III - graduados bacharéis e tecnólogos com diploma de Mestrado ou Doutorado na área do componente curricular da Educaçao Profissional Técnica de Nivel médio. (BRASIL 2008).
A letra da lei expöe claramente que a pos-graduaçao stricto sensu se configura como uma exigencia para a atuaçao do bacharel ou tecnólogo como professor de Educaçao Profissional tecnológica. Todavia, a citada Resoluçao, no seu artigo 7° abre a possibilidade dos bacharéis e tecnólogos integrarem o magistério da educaçao básica sem preencherem os requisitos elencados acima:
Art. 7° Excepcionalmente, podem ser considerados docentes integrantes do magistério da Educaçao Básica, para efeito da destinaçao de recursos nos termos do artigo 22 da Lei n°11.494/2007:
III - no Ensino Médio integrado com a Educaçao Profissional Técnica de nivel médio:
a) os graduados bacharéis e tecnólogos que, na falta de licenciados, recebem autorizaçao do órgao competente de cada sistema, em caráter precário e provisório, para exercer a docencia e aos quais se proporcione formaçao pedagógica em serviço;
E amparados por essa regulamentaçao é que a maioria dos concursos docentes, especialmente nos Institutos Federais, acontece, resultando assim em docentes das áreas técnicas, atuantes na educaçao básica profissional, oriundos de graduaçöes diversas do bacharelado que nao contemplam as discussóes relativas aos processos educativos. Dessa forma, como nao há licenciados nas áreas técnicas de maneira a atender a atual demanda da expansao da modalidade, as vagas sao preenchidas, legalmente, por profissionais que nao receberam formaçao para a docencia, ou seja, formaçao para a área da educaçao no que tange a disciplinas pedagógicas e conhecimentos didáticos contemplando conhecimentos de metodologia de ensino, práticas pedagógicas, reflexöes sobre o saber docente, ou seja, conhecimentos para pensar a profissao de professor.
Na verdade, o único momento que os conhecimentos pedagógicos/metodológicos dos candidatos a professores da EPT nos Institutos Federais poderiam ser aferidos seria no momento de seu processo seletivo em sua aula prática, que é uma das modalidades de avaliaçao/seleçao previstas nos editais de concurso para docente. Contudo, percebemos que este espaço, geralmente limitado a cinquenta minutos, se configura como insuficiente para verificar os conhecimentos dos futuros docentes sobre a relaçao de ensino e aprendizagem.
Diante disso, faltam aos professores bacharéis a fundamentaçao teórica e prática para desenvolver uma prática pedagógica que contemple o conhecimento do curriculo, do processo avaliativo, das metodologias e demais elementos que fazem parte do conjunto de açöes e saberes pedagógicos característicos da profissao docente.
Nesse sentido, discutiremos nesse artigo as concepçöes de alguns professores bacharéis atuantes em um Câmpus do Instituto Federal de Goiás (IFG) sobre suas práticas pedagógicas e analisaremos se em suas práticas docentes contemplam os elementos e os conceitos da abordagem sociocultural de Vygotsky.
Esta é uma investigaçao de abordagem qualitativa e usaremos como instrumento de coleta de dados a entrevista semiestruturada a fim de explorar as respostas e formular discussöes a partir dos dados obtidos, nos permitindo chegar a conclusöes baseadas em evidencias.
Este artigo está dividido em quatro partes: primeiro relacionamos a prática pedagógica e a abordagem sociocultural de Vygotsky na atividade docente; em seguida explicamos como se deram as escolhas metodológicas adotadas; traçaremos o perfil dos docentes da educaçao profissional que colaboraram com a pesquisa, bem como apontaremos seus olhares e percepçöes sobre a suas práticas pedagógicas de acordo com algumas categorias elencadas, e por último apresentaremos as consideraçöes finais sobre as constataçöes e concepçöes dos docentes nesse perfil pesquisado.
2 EPT E A PRÁTICA PEDAGÓGICA
A Rede Federal de Educaçao Profissional teve seu marco regulatório traçado no ano de 1909, pelo Decreto n° 7.566, do Presidente Nilo Peçanha. Como resposta aos desafios de ordem econômica e política, "Nilo Peçanha instaurou uma rede de 19 Escolas de Aprendizes Artífices, dando origem a rede federal que culminou nas Escolas Técnicas e, posteriormente, nos CEFETs" (MANFRĒDI, 2002, p. 85).
Em 29 de dezembro de 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei n° 11.892/08, que criou 38 Institutos Federais de Educaçao, Ciencia e Tecnología (IFET). De acordo com o Ministério da Educaçao, o modelo dos Institutos Federais2 surge como uma autarquia em regime especial de base educacional humanística-técnico-científica. Essa lei dispöe que os institutos deverao ter forte inserçao na área de pesquisa e extensao, visando estimular o desenvolvimento de soluçöes técnicas e tecnológicas e estendendo seus benefícios a comunidade (BRASIL, online 2017). Nao obstante, em se tratando da Educaçao Profissional, a maioria das áreas nao sao contempladas por cursos de licenciatura no Brasil. Com isso, sao admitidos bacharéis para o exercício da docencia, como condiçao inevitável para suprir as demandas de profissionais. Assim, os cursos ofertados com suas respectivas disciplinas, em considerável medida, sao ministrados por profissionais de áreas específicas do conhecimento pautadas na tradiçao do bacharelado. Souza e Nascimento (2013, p. 416) afirma que "a falta de uma fundamentaçao teórica e prática que oriente o exercício da docencia traz certos entraves e dificuldades para os bacharéis professores no seu desenvolvimento na profissao docente", uma vez que as chamadas disciplinas pedagógicas e conhecimentos didáticos nao foram inseridos na graduaçao desses docentes.
Quando falamos da atuaçao de professores sem formaçao pedagógica inicial para atuaçao na EPT há, além da nao obrigatoriedade legal de ser ter uma formaçao continuada pedagógica para atuarem na sala de aula, algumas crenças de que basta conhecer o conteúdo da disciplina para ser professor, bem como, o mito de que ensinar é apenas uma questao de talento ou que ensinar se aprende na prática, com acertos e erros. Contudo sabemos que a atividade docente nao se limita a essas práticas propagadas pelo senso comum. O desempenho da docencia também requer o uso de práticas.
Perrenoud (1993) pontua que a prática pedagógica do docente nao é uma mera concretizaçao de receitas, modelos didáticos ou esquemas conscientes de açao. Na visao de Veiga (1992, p. 16), a prática pedagógica é "uma prática social orientada por objetivos, finalidades e conhecimentos, e inserida no contexto da prática social. É uma dimensao da prática social que pressupöe a relaçao teoria-prática".
Já os Parámetros Curriculares Nacionais (PCNs) trazem a visao do professor como mediador da aprendizagem e nao expositor de conteúdos e o aluno um construtor do seu conhecimento e conhecedor das novas tecnologias bem como saber utilizá-las para sua prática (BRASIL, 2012). Essa concepçao pressupöe, para o currículo do ensino tecnológico, a prática de educadores imbuídos de um verdadeiro espirito crítico, abertos a cooperaçao e o intercâmbio entre as diferentes formas de ensino, num processo de autoformaçao, de reelaboraçao dos saberes inicial em confronto com sua prática vivenciada (BRASIL, 2012).
Nesse sentido, sugerimos a abordagem sociocultural de Vygotsky para nortear a prática pedagógica desses professores bacharéis. A teoria sociocultural tem como pressuposto que as atividades humanas e o seu desenvolvimento cognitivo seja produzido pelo processo de internalizaçao da interaçao social em contextos culturais, sendo mediadas pela linguagem ou outros sistemas simbólicos podendo ser mais bem compreendidas quando investigadas no seu desenvolvimento histórico. Dessa forma, "o sujeito nao é apenas ativo, mas interativo, porque forma conhecimento e se constitui a partir de relaçöes intra e interpessoais" (OLIVEIRA, 2010).
Com isso, podemos inferir que a teoria sociocultural embasa a aprendizagem colaborativa. Nessa prática pedagógica os estudantes trabalham em pequenos grupos para atingir um determinado objetivo (FIGUEIREDO, 2006). Essa abordagem faz com que os alunos ensinem uns aos outros, fazendo com que o sucesso de um seja o sucesso do grupo. Ao trocarem conhecimento durante as interaçöes em grupos, os estudantes nao apenas obtem um interesse maior na tarefa como também desenvolvem espirito crítico e reflexivo, sendo responsáveis pelo seu próprio aprendizado.
Além da aprendizagem colaborativa, a teoria sociocultural nos remete a dois conceitos centrais da teoria de Vygotsky, entendidos como aqueles que mais podem respaldar a prática pedagógica do professor. Sao eles a Zona de Desenvolvimento Próximo (ZDP) e a Mediaçao.
Vygostky (2007) distingue dois niveis de desenvolvimento da criança, o que também podemos considerar, em analogia, no processo de aprendizagem e desenvolvimento do aluno na fase adulta. O primeiro caracteriza-se pela habilidade da criança em realizar certas tarefas independentemente de outras pessoas. Já o segundo, é caracterizado pelas funçöes que essa criança pode desempenhar com a ajuda de outra pessoa. Portanto, a distância entre o que a criança aprende espontaneamente (nivel de desenvolvimento real) e aquilo que ela realiza com o auxilio do meio (nivel de desenvolvimento potencial) caracteriza o que denominamos de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP).
A distância entre o nivel de desenvolvimento real, em que se costuma determinar através da soluçao independente de problemas, e o nivel de desenvolvimento potencial, determinado através da soluçao de problemas sob a orientaçao de um adulto ou em colaboraçao com companheiros mais capazes. (VYGOTSKY, 2007, p. 97)
A mediaçao é outro conceito central da teoria de Vygotsky que pode respaldar a prática pedagógica do professor. Entendemos como mediaçao o relacionamento entre professor-aluno na busca da aprendizagem como processo de construçao de conhecimento, a partir da reflexao critica das experiencias e do processo de trabalho. De acordo com a teoria sociocultural Masetto (2000, p. 142), descreve habilidades do docente quanto å mediaçao do processo de ensino e aprendizagem:
O professor, embora, vez por outra, ainda desempenhe o papel do especialista que possui conhecimentos e/ou experiencias a comunicar, na maioria das vezes desempenhará o papel de orientador das atividades do aluno, de consultor, facilitador da aprendizagem, desempenhará o papel de quem trabalha em equipe, junto com o aluno, buscando os mesmos objetivos; numa palavra, desenvolverá o papel de mediaçao pedagógica.
Nesse sentido, é possível compreender que, em colaboraçao, os sujeitos passam a fazer mais do que poderiam fazer sozinhos. Portanto, compartilhamos dos conhecimentos de Vygotsky (2007), e Masetto (2000) e entendemos que, por meio da mediaçao pedagógica, a atuaçao do professor, que deixa de ser um transmissor de conhecimentos e passa a ser um orientador de seus alunos no seu progresso intelectual. Daí a importância de implementaçöes das teorias socioculturais de Vygotsky como práticas pedagógicas nas aulas desses professores bacharéis.
3 METODOLOGIA
Esta é uma investigaçao de abordagem qualitativa em que se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes. Como bem destacam Ludke e André (1986), a pesquisa qualitativa tem o contato direto do pesquisador com a sua fonte direta de dados, que no nosso caso sao os professores atuantes na Educaçao Profissional Básica de um Instituto Federal do Estado de Goiás.
Como instrumentos de coleta de dados, foi utilizada a entrevista semiestruturada para detalhar as narrativas dos professores sobre o objeto em estudo. Para a coleta de dados foram entrevistados quatro professores bacharéis de um Câmpus do IFG que atuam na EP Básica, dentre eles, dois professores que já possuem experiencia de sala de aula e outros dois professores que iniciaram a carreira docente no começo desse ano. Como bem pontuam Ludke e André (1986), a entrevista favorece a captaçao imediata e corrente da informaçao desejada, permitindo inclusive o aprofundamento de pontos levantados por outras técnicas de coleta de análise mais superficial. Para tanto, a entrevista realizada foi organizada em duas categorias: o perfil desses docentes (identificaçao pessoal, formaçao academica, titulaçao e experiencia profissional) e o olhar desses docentes sobre suas práticas pedagógicas.
3.1 İdentificaçao pessoal: formaçao academica, titulaçao e experiencia profissional
Nosso corpus de análise é constituido por quatro professores bacharéis, sendo tres professores efetivos e um professor substituto. Quanto a formaçao academica, tres deles sao formados em Engenharia Mecánica e um outro é formado em Engenharia Elétrica. Quanto a titulaçao, dois professores bacharéis possuem o mestrado concluido, sendo que um deles está com o doutorado em andamento. Um outro professor bacharel está com o mestrado trancado por indisponibilidade de tempo para cursar o mesmo, visto que para assumir o cargo de professor no IFG teve que mudar de cidade e o deslocamento dificultou a permanencia no programa durante esse período e o outro está com o mestrado em andamento, caminhando para a conclusao. No quesito experiencia profissional, dois dos professores entrevistados já possuem experiencia em sala de aula e atuam na Rede Federal de Ensino. Um atua desde 2009 e o outro desde 2015. Os outros dois tiveram a primeira experienda docente no inicio de 2017. Tais informaçöes podem ser melhores visualizadas por meio da tabela a seguir:
4.CONCEPÇOES DOS PROFESSORES BACHARÉIS ATUANTES NA EPT SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
4.1 O olhar dos professores bacharéis sobre a prática pedagógica
A prática pedagógica é entendida como uma açao do professor no espaço de sala de aula. É "[...] toda a bagagem cultural consolidada acerca da atividade educativa" (GIMENO SACRISTÁN, 1999, p.74). O primeiro questionamento feito aos professores bacharéis foi sobre como é as suas "rotinas de sala de aula". Os professores com mais experiencia tiveram facilidade em responder a essa pergunta. Inicialmente todos disseram que usam o Plano de Ensino em suas aulas pois, o mesmo é o norteador do cronograma das aulas. Este Plano de Ensino é um documento obrigatório que cada professor tem que apresentá-lo ao Departamento de Áreas Academicas em cada inicio de semestre.
No que se refere ao Plano de Ensino, pedimos a todos os entrevistados que nos disponibilizassem esse material para consulta. Quando fomos analisá-los, percebemos que é um plano muito "programado" e que contém dados já pré-estabelecidos, sendo um padrao da instituiçao, como: nome do curso, período, turno, carga horária semanal e total, carga horário de aulas práticas (10%) e aulas teóricas (90%), ementa, objetivo da disciplina, competencias/habilidades, descriçao do conteúdo (tema e sub-tema), procedimentos metodológicos e bibliografia, e que os professores somente mudavam os itens da emenda, objetivos, competencias e habilidades, descriçao de conteúdo (temas e sub-temas), para adequar a suas disciplinas. Já os procedimentos metodológicos que eram divididos em técnicas de ensino, recursos didáticos e formas de avaliaçao nao sofreram modificaçao de um plano para o outro. Importa dizer que as técnicas de ensino eram compostas por aulas expositivas, aulas experimentáis, plantao de dúvidas, seminários, resoluçao de listas de exercícios em classe e extraclasse e visitas técnicas. Já como recurso didático era previsto uso do quadro, projetor, livro didático, laboratório e artigos. E por fim, as formas de avaliaçao previstas era avaliaçao escrita e sem consulta, resoluçao de exercícios, apresentaçao de seminários e relatórios de aulas práticas. É importante destacar que todos esses itens foram verbalizados pelos professores quando os mesmos foram questionados por nós e todos eles afirmaram que os utilizam em suas aulas, ou seja, a fala deles nao é diferente da prática.
Cumpre evidenciar também que o Departamento de Áreas Académicas exige, por questőes burocráticas de documentaçao, esse Plano de Ensino, mas em nenhuma fala dos professores eles apontaram que o Departamento acompanha o desempenho/execuçao desse plano. Conforme os docentes, "a entrega desse Plano é para cumprir a exigencia da Pró-Reitoria de Ensino da Instituiçao", disse o professor bacharel 3. Entendemos que essa parte é de responsabilidade da área de gestao e que na prática, para os professores, é somente uma maneira de cumprir um ritual burocrático. O interessante seria, inclusive para os professores mais inexperientes, que o Departamento Académico (coordenaçao pedagógica) desse o suporte de acompanhamento da execuçao desse Plano de Ensino.
Ainda sobre o Plano de Ensino, um dos professores acrescentou em sua fala que a rotina de sala de aula do IFG foi uma experiencia diferente para ele:
(...) as aulas do IFG sao diferentes se comparadas com as aulas de cursinho, que eu tinha experiencia. Lá, como resolvíamos provas de vestibulares, podíamos passar por diversos conteúdos. Aqui nao. Aqui voce tem que respeitar o seu Plano de Estudo e seguí-lo. Lá os exercícios eram decorebas. Aqui além de fazer exercícios, os alunos tem as aulas práticas que ajudam na fixaçao/ilustração dos conteúdos teóricos. (Professor Bacharel 3)
É interessante ressaltar que a maioria desses professores nao fazem um plano especificado para cada aula. Eles usam o Plano de Ensino genérico. Os professores 1 e 2 disseram que já acrescentaram conteúdos além dos previstos para fins de explicaçao/ exemplificaçao. Somente o professori disse que sempre faz o plano extra, mais especificado para cada aula: "Insiro muita coisa porque se for seguir somente o plano de ensino fica muito teórico".
Logo em seguida, os entrevistados foram questionados como os conteúdos das disciplinas eram ministrados por eles. Em unanimidade, os professores disseram que os conteúdos e temáticas eram expostos por aulas expositivas, uso de slides e exercícios. Além disso, indagamos esses professores bacharéis sobre como os exercícios eram aplicados. Como resposta, os professores disseram que passavam um modelo "padrao" no quadro e logo depois pediam que os alunos resolvessem conforme o modelo apresentado. Quanto a correçao dos exercícios que foram mandados para serem feitos extraclasse, eles disseram que eram corrigidos no inicio da próxima aula.
Sempre faço assim: começo a aula explicando um conteúdo. Logo, já passo um exercício resolvido no quadro. Explico passo a passo. Depois é que os alunos começam a resolver outros exercícios bem semelhantes ao que passei no quadro. Isso acontece geralmente no final da aula. Aí os alunos levam os exercícios para terminar em casa. Na aula seguinte, começamos com a correçao desses exercícios. É sempre assim: conteúdo, passo exercícios, os alunos respondem e eu corrijo depois (Professor Bacharel 4).
Eu finalizo minhas aulas com exercícios e a próxima aula começo já resolvendo esses exercícios e tirando as dúvidas dos alunos (Professor Bacharel 1).
Diante desse cenário, percebemos na fala dos quatro professores bacharéis essa recorrencia de uma prática prescritiva, normativa, fundamentada em modelos pré-estabelecidos ao ministrar o conteúdo novo, depois apresentar um modelo de exercício, pedir que os alunos resolvam e depois passar para a parte das correçöes.
De acordo com Veiga (1992), esse costume ou tradiçao desses professores podem ser considerados como uma prática pedagógica repetitiva em que a atividade docente assume um caráter mecánico e burocrático e o professor desempenha o papel de um mero executor de um oficio.
Outro questionamento feito aos professores bacharéis foi o que eles faziam quando os alunos demonstravam dúvida na apresentaçao dos exercícios modelos. A maioria deles disseram que explicavam de outras maneiras.
Tem exercícios que eu tive que explicar urnas tres vezes diferentes para os alunos aprenderem. Também teve uma situaçao que eu estava explicando e eu perguntava se eles (os alunos) tinham entendido e eles disseram que nao. Aí eu tive que demonstrar na prática, tipo um experimento mesmo o que o exercício estava propondo (Professor Bacharel 3).
Eu explico e pergunto se eles entenderam. Explico de novo de outra maneira. Se aínda eles nao tiverem entendendo, eu tento dar exemplo, coloco número mais simples para eles entenderem. E depois, aplico na versao mais complexa (Professor Bacharel 2).
Desses depoimentos podemos perceber que mesmo que esses professores nao tenham a consciencia ou o conhecimento teórico de mediaçao e/ou estratégias de ensino, os mesmos as aplicam, mesmo que inconsciente, nas suas aulas. Veiga (1992, pág. 13) acredita que "o professor se coloca na posiçao de um técnico que se responsabiliza pela aplicaçao e difusao de instrumentos, procurando conseguir de seus alunos melhores rendimentos".
Quando foram indagados sobre como se dava a resoluçao desses exercícios, os professores disseram que na maioria das vezes era individual, e algumas vezes em grupos. Eis alguns posicionamentos:
Como o nosso tempo é muito curto, temos que respeitar o cronograma que é bem 'amarrado'. Entao nao podemos ficar perdendo tempo. Entao prefiro que os alunos façam os exercícios individualmente para render minha aula (Professor Bacharel 1).
Eu acho até bacana o trabalho em grupo. As vezes eu peço que eles formem duplas ou trios, até para nao formar as 'panelinhas' sabe? Mas gosto que eles trabalhem individualmente. Sempre acontece de um terminar primeiro que o outro. Aí para que esse aluno nao fique a toa, eu peço que ele ajude os colegas que tem mais dificuldades. No final da aula, a sala está em duplas ou trios. Sempre é assim. (Professor Bacharel 2).
Uma vez ou outra eu coloco eles em grupo. Mas prefiro que resolvam as atividades sozinhos. Atividades em grupo sao mais frequentes nas aulas práticas (Professor Bacharel 3).
Diante desses relatos, notamos, nas falas dos professores, que há situaçöes em que os estudantes trabalham em grupo, ainda que os professores prefiram que os mesmos trabalhem individualmente. Contudo, percebemos que essa "possível" aprendizagem colaborativa quando desempenhada em grupo nao ocorreu com propósito definido, desejável e de forma consciente pelos docentes. Percebemos que esse tipo colaborativo de aprendizagem é somente uma modalidade de trabalho, uma maneira de fazer algo diferente em sala de aula. Podemos dizer que isso nao é prática pedagógica consolidada e consciente, mas sim uma prática feita aleatoriamente.
Outro ponto que perguntamos foi a respeito do surgimento de dúvidas dos alunos no momento da resoluçao dos exercícios e como eles as sanavam. Todos disseram que iam até a carteira do aluno ou pediam para que os mesmos se dirigissem até as suas mesas.
É de 'praxi' em todo começo de aula ter dois ou tres meninos na minha mesa pedindo ajuda para resolver os exercício que ficaram pra eles resolverem em casa (Professor Bacharel 4).
É costume a gente atender o aluno na carteira dele (Professor Bacharel 2).
Quando tem muita gente com dúvida, eu peço que venham na minha mesa. Aí quando eu olho, já tem uns quatro ou cinco em cima de mim querendo ajuda para resolver os exercícios (Professor Bacharel 3).
Pela fala desses professores, evidenciamos a presença do Desenvolvimento Potencial (que compőe a ZDP) dos alunos, em que os mesmos aprendem com o auxilio do professor. Notamos, ainda, que nessas situaçao, o scaffolding é feito pelo professor e nao pelo próprios alunos.
Ainda referente a essa questao de sanar dúvidas, dois professores disseram que quando as dúvidas na mesma questao eram recorrentes, eles iriam para o quadro e tentavam explicar para a turma toda ou escalava algum estudante para fazer a explicaçao para todos no quadro ou até mesmo para o próprio colega.
Quando vários alunos me chamam para ajudar na resoluçao da mesma questao, eu vou para o quadro e explico no quadro. Ou, eu chamo um aluno no quadro para que ele mesmo possa explicar. Eu percebi que isso funciona muito. As vezes, tem aluno que resolve um determinado exercício de uma outra forma que pode facilitar o entendimento dos alunos que estao com dúvida. Acho que eles tem urna linguagem mais simples, sei lá (Professor Bacharel 1).
Nas salas sempre tem aqueles alunos que terminam as atividades primeiro. Aí, pra esses alunos nao ficarem a toa, eu peço que eles ajudem outros colegas que tem mais dificuldade (Professor Bacharel 2).
Diante desse cenário podemos identificar o uso do scaffolding ou andaimes, que é uma forma de mediaçao os quais sao vistos na teoria sociocultural vygotskyana como ferramentas psicológicas que reduzem a carga cognitiva no desempenho de uma tarefa. Para Figueiredo (2006), scaffolding é descrito como "um processo que possibilita ao aprendiz solucionar um problema, realizar uma tarefa ou atingir um objetivo que estaria além dos seus esforços, caso nao tivesse a ajuda de outra pessoa" (FIGUEIREDO, 2006, p.15). As atividades de grupo ou até mesmo quando um aluno ajuda o outro na resoluçao de exercícios sao formas de exercer o scaffolding na sala de aula. Oliveira (2010) afirma que o scaffolding por estar presente na interaçao, só funciona mediante a cooperaçao entre os individuos. Daí a importância das atividades colaborativas.
Outra rotina de sala de aula que esses professores foram questionados foi sobre a avaliaçao. Todos eles disseram que a nota dos alunos era composta pelas tarefas (exercícios em classe e extraclasse) e a prova. Sendo que dois deles (professor bacharel 1 e 3) ainda disseram que usam o seminário para compor a nota final.
Eu percebo que na indústria sempre há um trabalho em conjunto e a responsabilidade também é em conjunto. Entäo, como parte da nota eu uso seminário para que esses alunos entendam que o trabalho aquí dentro da sala tem que seguir o padrao que é exigido lá fora, no mercado de trabalho (Professor Bacharel 1).
Na nossa concepçao, os seminários podem ser considerados uma prática pedagógica colaborativa pois além da interaçao entre os alunos, o Desenvolvimento Real (que compöe a ZDP) é ativado e isso colabora para que haja uma autonomia na construçao do conhecimento.
Outro ponto que destacamos na entrevista foi o momento que perguntamos a esses professores bacharéis sobre a metodologia que eles usavam em sala de aula. Veiga (1992) menciona que a metodologia de ensino é uma expressao que teve a tendencia de substituir a expressao "didática", que ganhou uma conotaçao pejorativa por causa do caráter formal e abstrato dos seus esquemas que nao estao bem inseridos em uma verdadeira açao pedagógica. Assim, a metodologia de ensino é a parte da pedagogia que se ocupa diretamente da organizaçao da aprendizagem dos alunos e do seu controle. Seguem os depoimentos:
Eu criei minha própria metodologia. Fui aprendendo na prática, sabe? Eu fui observando os outros professores (Professor Bacharel 1).
Além de observar outros professores, eu pesquisei no youtube como me portar em uma sala de aula pois eu nunca tinha dado aula, e para participar do processo seletivo, umas das fases era a aula prática. Entao eu vi vários vídeos que ensinava técnicas para dar aula (Professor Bacharel 4).
Eu nunca li sobre metodologia. Tudo o que eu sei hoje foi criado por mim mesmo. Eu dou aula do jeito que os meus melhores professores davam. Eu copiei eles, sabe? (Professor Bacharel 2).
Eu vi vídeos na internet com dicas para dar aula principalmente para eu dar a aula na prova didática no concurso. Eu aprendí técnicas em 3 dias. Quando tive que entrar na sala de aula pela primeira vez, essas técnicas sumiram. Tinha esquecido de verdade. Na verdade eu só usei para a prova didática. Mas agora voce me perguntando, eu lembrei que eu uso algumas sim. (Professor Bacharel 3).
...E dar aula no IFG é totalmente diferente de dar aula em cursinho, que era a experiencia de sala de aula que eu tinha. (...) Diferente porque aquí a gente tem que seguir um cronograma já estabelecido. Lá no cursinho a gente era mais livre. A gente só resolvía prova e os conteúdos fluíam de acordo com as dúvidas dos alunos. E lá também tinham alunos que queriam passar no vestibular. Tinham um interesse. Aquí eu já notei que tem alunos que nao querem seguir uma carreira técnica na industria, por exemplo. Só estao estudando porque é uma instituiçao pública e de qualidade. ( Professor Bacharel 3).
"Eu vou testando com meus alunos um jeito bom de dar aula. Quando dá certo. Eu repito. Por exemplo, no começo eu tinha problemas com indisciplina na sala de aula. Os alunos nao me respeitavam. Aí eu tive postura e coloquei os alunos que estavam conversando para explicar os exercícios no quadro. Acho que eles viram que eu nao estava lá na frente de brincadeira. E por nao serem "punidos", pararam de conversar e prestaram mais atençao nas aulas (Professor Bacharel 4).
Diante do exposto pelos professores bacharéis, fica claro que nenhum deles tiveram uma formaçao continuada para a docencia e que os conhecimentos metodológicos descritos pelos mesmos foram assimilados por saberes da experiencia, observaçao e prática.
Logo em seguida, para entender melhor o processo avaliativo, perguntamos aos docentes bacharéis sobre o resultado das avaliaçöes, ou seja, das notas. O professor bacharel 3 disse que a primeira prova que ele deu os alunos tiveram muita nota baixa e ele se sentiu péssimo.
Fiquei questionando o porque das notas baixas. Talvez foi por eu ser novato e os alunos nao pegaram o meu jeito de dar aula. Ou porque minha prova estava difícil demais. Mas, cheguei a conclusao que os alunos estavam errando coisas básicas, preliminares mesmo. E eu elaborei uma prova difícil. Entao, após conversas com o coordenador, eu passei mais exercícios, coloquei os meninos para praticarem mais e, claro, fiz uma prova mais acessível. As notas foram melhores. Assim como o meu relacionamento com os alunos também. Eles me conheceram melhor e eu conheci eles melhor. Agora está tudo bem (Professor Bacharel 3).
Já o professor bacharel 1 disse que a avaliaçao é uma forma de verificar se o aluno aprendeu o conteúdo ministrado por ele. Ele tenta fazer uma prova com questôes que "dao sentido" aos alunos e ao contexto por eles vividos, ou seja, uma prova mais contextualizada com o objeto de estudo apresentado na sala de aula. E de acordo com ele, os resultados sao favoráveis.
Nessa mesma linha de pensamento Libâneo (1990) sugere aos professores que ao selecionar os conteúdos da série em que irá trabalhar, o professor precisa analisar os textos, verificar como sao abordados os assuntos para enriquece-los com sua própria contribuiçao e a dos alunos, comparando o que se afirma com fatos, problemas, realidades da vivencia real dos alunos. Entendemos que a contextualizaçao tem muito a ver com a motivaçao do aluno, por dar sentido aquilo que ele aprende, fazendo com que relacione o que está sendo ensinado com sua experiencia cotidiana. Os PCNs pontuam que através da contextualizaçao, o aluno faz uma ponte entre teoria e a prática, o que além de ser previsto na LDB e nos Parámetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2012), é, também previsto nos objetivos legais dos Institutos Federáis.
Todavia, salientamos que os outros tres professores ( professor bacharel 2, 3 e 4) ainda tem a visao que para se comprovar um aprendizado, tem que ter uma boa nota.
Se o aluno nao tira nota boa, ele nao aprendeu. Consequentemente nem eu e nem ele conseguiu alcançar o objetivo (Professor Bacharel 3).
A avaliaçao é uma forma de vermos como nossa prática de sala de aula é. Quando tem muito aluno tirando nota baixa, eu reviso a prova e tento explicar novamente o conteúdo que a maioria errou ( Professor Bacharel 2).
A nota é o jeito concreto de vermos o resultado do nosso trabalho (Professor Bacharel 4).
Foi perguntado aos professores bacharéis se eles percebiam e como mediam a aprendizagem de seus alunos. Todos eles disseram que sabem perceber quando o aluno aprende ou nao aprende. Tres professores (bacharel 2, 3 e 4) disseram que conseguem verificar isso pela reaçao da face e postura dos alunos na sala de aula. O professor bacharel 2 disse: "quando eu vejo o que aluno nao está participando da aula, eu vou até a carteira dele, e pergunto se ele entendeu ou nao. Na maioria das vezes, o aluno nao tinha entendido!" O professor bacharel 4 pontuou que: "Se ele (o aluno) tiver distraído eu faço uma pergunta para ele para que ele retome a atençao para a aula".
Eu consigo ver se meu aluno aprende ou nao quando eu faço perguntas para eles durante a aula e se eles conseguem responder as minhas perguntas. Tem aqueles alunos que sao mais retraídos, né? Entao eu deixo esse tipo de aluno a vontadé. Quando eu quero saber se ele está aprendendo o conteúdo, eu vou até a cadeira dele e vejo se os exercícios estao sendo resolvidos e pergunto se ele precisa de ajuda. (Professor Bacharel 4).
Meus alunos aprendem mais nas aulas de exercícios porque nas aulas práticas eles acabam empolgando e desfocam do conteúdo (Professor Bacharel 3).
E para finalizar a entrevista, perguntamos a opinião desses professores Bacharéis sobre a percepçao que eles tem sobre suas práticas docentes.
Hoje eu sinto que eu evolui como professor. No inicio eu era uma metralhadora, disparava conteúdo. Hoje nao. Hoje eu consigo perceber melhor o meu aluno. Tenho interagir com ele para ter uma aula mais agradável. É um desafio para mim todos os dias (Professor Bacharel 1).
Eu percebo que eu sei o conteúdo mas quando se fala de pratica pedagógica eu nao tenho conhecimento nenhum. Tem alguma receita? (Professor Bacharel 2).
Eu acho que estou delimitando minhas próprias metodologías. Entrei e nao adaptei com os alunos. Mas depois peguei "mais leve" e agora estamos todos em plena harmonia. As aulas estao fluindo! (Professor Bacharel 3).
A minha aula é meio que um ritual, sabe? Eu sempre faço as mesmas coisas. Mas tenho vontadé de mudar um pouco, tipo, dar uma aula diferente (Professor Bacharel 4).
Como reflexo dessas falas, é possível perceber que houve uma evoluçao pedagógicas, entre esses professores bacharéis, no exercício da docencia. Contudo, ainda há uma carencia, anseio e necessidade por parte desses professores no quesito de aprofundar e ter conhecimento sobre a relaçao de ensino-aprendizagem e demais elementos que fazem parte do conjunto de açöes e saberes pedagógicos característicos da profissão docente.
É importante destacarmos que dada a expansão dos Institutos Federáis e o expressivo aumento de professores bacharéis atuando na básica (Ensino Técnico Integrado ao Ensino Médio), algumas políticas públicas foram implantadas a fim de capacitar esses professores bacharéis. Foi promulgada a Resoluçao CNE/CEB n° 6, de 20 de setembro de 20123 instituiu que os mesmos deveriam passar por programas de formaçao pedagógica, e que o prazo para fazer essa complementaçao pedagógica se estenderia até 2.020, conforme é previsto no Art. 40:
Art. 40 A formaçao inicial para a docencia na Educaçao Profissional Técnica de Nivel Médio realiza-se em cursos de graduaçao e programas de licenciatura ou outras formas, em consonância com a legislaçao e com normas especificas definidas pelo Conselho Nacional de Educaçao.
* 1° Os sistemas de ensino devem viabilizara formaçao a que se refere o caput deste artigo, podendo ser organizada em cooperaçao com o Ministério da Educaçao e instituiçoes de Educaçao Superior.
* 2° Aos professores graduados, nao licenciados, em efetivo exercício na profissao docente ou aprovados em concurso público, é assegurado o direito de participar ou ter reconhecidos seus saberes profissionais em processos destinados â formaçao pedagógica ou â certificaçao da experiencia docente, podendo ser considerado equivalente âs licenciaturas:
I -excepcionalmente, na forma de pós-graduaęao lato sensu, de caráter pedagógico, sendo o trabalho de conclusao de curso, preferencialmente, projeto de intervençao relativo â prática docente;
II -excepcionalmente, na forma de reconhecimento total ou parcial dos saberes profissionais de docentes, com mais de 10 (dez) anos de efetivo exercício como professores da Educaçao Profissional, no ámbito da Rede CERTIFIC;
III -na forma de uma segunda licenciatura, diversa da sua graduaçao original, a qual o habilitará ao exercício docente.
* 3° O prazo para o cumprimento da excepcionalidade prevista nos incisos I e II do 2° deste artigo para a formaçao pedagógica dos docentes em efetivo exercício da profissao, encerrar-se-á no ano de 2020 ( grifos nossos).
* 4°A formaçao inicial nao esgota as possibilidades de qualificaçao profissional e desenvolvimento dos professores da Educaçao Profissional Técnica de Nivel Médio, cabendo aos sistemas e âs instituiçoes de ensino a organizaçao e viabilizaçao de açoes destinadas â formaçao continuada de professores.
Todavía, em 2017, foi publicada a Lei 13.415/20174, conhecida como a Reforma do Ensino Médio, que mais uma vez desmobiliza o processo de defesa da necessária formaçao específica para os docentes da Educaçao Profissional e Tecnológica (EPT), uma vez que ela permite a docencia por professores bacharéis apenas pelo quesito do "notório saber",
Art. 615. Consideram-se profissionais da educaçao escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, sao:
IV- profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de áreas afins â sua formaçao ou experiencia profissional, atestados por titulaçao específica ou prática de ensino em unidades educacionais da rede pública ou privada ou das corporaçoes privadas em que tenham atuado, exclusivamente para atender ao inciso V do caput do art. 36; (Incluído pela lei n° 13.415, de 2017)
Pimenta (2012) acredita que essa habilitaçao para profissionais com "notório saber" se apresenta como um retrocesso diante dos esforços de legitimar uma formaçao de professores em nível superior. Compactuamos com a mesma ideia da autora e acreditamos que se faz necessário que os profissionais tenham a valorizaçao nao apenas dos saberes da experiencia, como também dos saberes do conhecimento da área e dos saberes pedagógicos (PIMENTĄ, 2012).
Ainda registramos dois documentos que englobam a formaçao de professores para a educaçao profissional que estao em vigencia. O primeiro trata-se do Plano Nacional da Educaçao (Lei 13.005 de 05 de junho de 2014), com vigencia pelos próximos dez anos, que estabelece na estratégia 15.13 "a formaçao docente para a Educaçao Profissional se de por cursos voltados a complementaçao e certificaçao didático-pedagógica de profissionais experientes" (BRASIL, 2014). Outro documento recente e de grande relevância para a formaçao de professores é a Resoluçao do CNE n° 02, de 01 de julho de 2015. Essa Resoluçao define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formaçao Continuada dos Profissionais do Magistério da Educaçao Básica, incluindo a modalidade de Educaçao Profissional.
O Art. 9° dessa referida Resoluçao estabelece que os cursos de formaçao inicial para os profissionais do magistério para a Educaçao Básica, em nivel superior, podem ocorrer por meio de: cursos de graduaçao de licenciatura, curso de formaçao pedagógica para graduados nao licenciados e cursos de segunda licenciatura. Para o nosso estudo, importa-nos remeter ao segundo meio de formaçao. O Art. 14 oferece maior detalhamento de como se dará tal formaçao:
Art. 14 Os cursos de formaçao pedagógica para graduados nao licenciados, de caráter emergencial e provisório, ofertados a portadores de diplomas de curso superior formados em cursos relacionados a habilitaçao pretendida com sólida base de conhecimentos na área estudada, devem ter carga horária mínima variável de 1.000 (mil) a 1.400 (mil e quatrocentas) horas de efetivo trabalho académico, dependendo da equivalencia entre o curso de origem e a formaçao pedagógica pretendida (BRASIL, 2015, p.12).
O parágrafo 7 do Art. 14 estipula um prazo máximo de cinco anos para proceder "a avaliaçao do desenvolvimento dos cursos de formaçao pedagógica para graduados" (BRASIL, 2015. p.13).
Dessa forma, entendemos que há uma desarmonia no que tange essa temática. Há políticas públicas que foram estabelecidas para capacitar esses professores bacharéis, além de haver a predisposiçao, dos professores bacharéis pesquisados nesse estudo, em aprofundar a suas práticas docentes por meio de formaçao continuada. Todavia, notamos que na prática essa sistemática de formaçao continuada, prevista nas legislaçöes supracitadas principalmente para os professores nao licenciados, nao consegue chegar e ser aplicada em todas as instituiçöes que trabalham com a Educaçao Profissional, a exemplo do Câmpus pesquisado nesse estudo. No caso da Resoluçao do CNE n° 02, de 01 de julho de 2015, como é recente e o prazo ainda nao foi esgotado, até o momento nao podemos chegar a nenhuma conclusao.
5.CONSIDERAÇOES FINAIS
Nossa discussao objetivou conhecer as concepçöes de alguns professores bacharéis sobre suas práticas pedagógicas enfatizando o planejamento das aulas a partir do Plano de Ensino, metodologia e avaliaçao, bem como, verificar se as práticas desses docentes contemplam os elementos e conceitos de abordagem sociocultural de Vygotsky.
Podemos perceber a presença de uma prática pedagógica repetitiva apoiada no Plano de Ensino, com requisitos já pré-programados, possivelmente sem reflexão pedagógica e/ou contextualização de temáticas, contando apenas com o objetivo de cumprir o cronograma. Identificando, assim, a falta de reflexão docente e a repetiçao da formalidade. Constatamos, também, que a ministraçao dos conteúdos é por meio de aulas expositivas, usos de slides e realizaçao de exercícios, na maioria das vezes, de maneira individual pelo estudante. Outras, em grupos.
No quesito de percepçao de aprendizagem, todos os docentes bacharéis afirmam que conseguem identificar quando o aluno aprende ou nao. Isso pode ser uma consequenda da mediaçao desenvolvida por eles no relacionamento entre professor e aluno, no que se refere a preocupaçao desses professores em explicar o conteúdo de várias formas para facilitar a compreensao dos alunos, por exemplo. Quando a metodologia, todos eles afirmam que criaram suas próprias metodologias de atuaçao em sala de aula e que estao abertos para obter outras formas metodológicas de dar aula.
No que se refere a presença dos elementos/conceitos da abordagem sociocultural de Vygotsky constatamos que há situaçöes nas aulas desses professores bacharéis que contemplam a interaçao social com atividades colaborativas (estudantes explicam no quadro para outros colegas ou apresentam seminários), uso dos scaffoldings, propiciando assim, a execuçao da ZPD do aluno. Quando os estudantes trabalham em grupos, ainda que de uma forma aleatória ou nao programada, podemos perceber uma prática pedagógica desempenhada pelo professor bacharel, talvez inconsciente ou até mesmo por intuiçao, no ámbito da colaboraçao. No critério de sanar as dúvidas dos estudantes, notamos a presença do Desenvolvimento Potencial e do scaffolding, na maioria das vezes, feitos pelos professores. Talvez seja interessante os professores bacharéis conhecerem a teoria sociocultural para estimular os próprios alunos a aplicarem a execuçao do Desenvolvimento Potencial e do scaffolding entre eles mesmos.
Dessa forma, podemos inferir que os elementos da teoria sociocultural que foram externados por esses professores nao foram executados com a finalidade de aprendizagem colaborativa, na perspectiva de apoio. Percebemos que foi algo aleatório desenvolvido por eles, sem objetivos pedagógicos preestabelecidos, baseados apenas nas suas próprias bagagens culturáis. Diante dessas consideraçöes, nao podemos inferir que esses professores bacharéis nao tem práticas pedagógicas. Nao podemos condená-los, uma vez que eles nao tiveram a formaçao para ser professor, embora estejam atuando como tal. Como, também, nao podemos afirmar que o professor licenciado se orienta por práticas pedagógicas e aplica as teorias de Vygotsky em suas aulas. Talvez os licenciados, que tiveram uma formaçao pedagógica, estao atuando em sala de aula seguindo os mesmos critérios/práticas dos bacharéis.
Finalizamos com o seguinte questionamento: se esses professores, que nao dominam a execuçao consciente ou programada dos processos metodológicos, soubessem as teorias pedagógicas, elas interfeririam nas aulas? Isso é proposta para refletirmos em um próximo estudo.
1 A Resoluçao n° 1, de 27 de março de 2008 define os profissionais do magistério, para efeitos da aplicaçao do artigo 22, da Lei ne 11.494/2007.
2 Previsto na Lei 11.892/2008.
3Define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaçao Profissional Técnica de Nivel Médio.
4Que estabelece novas diretrizes e bases da educaçao nacional, instituindo o notório saber.
5 Da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educaçao Nacional.
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Abstract
The results of the research show that despite the predominance of a repetitive pedagogical practice developed by these teachers, there is also the presence of elements / concepts of the sociocultural approach of Vygotsky in some situations in the classes of these bachelors teachers contemplating the social interaction with collaborative activities, use of the scaffoldings, thus providing the execution of the student's ZPD. Art. 40 A formaçao inicial para a docencia na Educaçao Profissional Técnica de Nivel Médio realiza-se em cursos de graduaçao e programas de licenciatura ou outras formas, em consonância com a legislaçao e com normas especificas definidas pelo Conselho Nacional de Educaçao. * 1° Os sistemas de ensino devem viabilizara formaçao a que se refere o caput deste artigo, podendo ser organizada em cooperaçao com o Ministério da Educaçao e instituiçoes de Educaçao Superior. * 2° Aos professores graduados, nao licenciados, em efetivo exercício na profissao docente ou aprovados em concurso público, é assegurado o direito de participar ou ter reconhecidos seus saberes profissionais em processos destinados â formaçao pedagógica ou â certificaçao da experiencia docente, podendo ser considerado equivalente âs licenciaturas: I -excepcionalmente, na forma de pós-graduaęao lato sensu, de caráter pedagógico, sendo o trabalho de conclusao de curso, preferencialmente, projeto de intervençao relativo â prática docente; II -excepcionalmente, na forma de reconhecimento total ou parcial dos saberes profissionais de docentes, com mais de 10 (dez) anos de efetivo exercício como professores da Educaçao Profissional, no ámbito da Rede CERTIFIC; III -na forma de uma segunda licenciatura, diversa da sua graduaçao original, a qual o habilitará ao exercício docente. * 3° O prazo para o cumprimento da excepcionalidade prevista nos incisos I e II do 2° deste artigo para a formaçao pedagógica dos docentes em efetivo exercício da profissao, encerrar-se-á no ano de 2020 ( grifos nossos). * 4°A formaçao inicial nao esgota as possibilidades de qualificaçao profissional e desenvolvimento dos professores da Educaçao Profissional Técnica de Nivel Médio, cabendo aos sistemas e âs instituiçoes de ensino a organizaçao e viabilizaçao de açoes destinadas â formaçao continuada de professores. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17417&Itemid= 866>. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=70431-res-cne-cp-002-03072015-pdf&category_slug=agosto-2017-pdf&Itemid=30192>.
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